por Alexandre Grasman
–
O verão do Oriente Médio secou Israel.
Não me refiro à escassez de chuva ou ao problema do esvaziamento de fontes de água potável. Quando eu afirmo que Israel “secou”, estou utilizando a gíria que caracteriza a falta de maconha e haxixe em todas as cidades israelenses – estamos em uma séria tkufat yovesh (período de seca).
O país possui uma política criminal parecida com o que existe no Brasil hoje. A produção, venda e uso são considerados crimes pelo código penal, mas o uso pessoal (até 15 gramas) é considerado um crime de menor potencial ofensivo – ou seja – não existe pena privativa de liberdade e, em seu lugar, o indivíduo condenado deverá fazer algum trabalho social, ser encaminhado a tratamento médico ou pagar uma multa.
Não é difícil escutar conversas sobre o assunto, que preocupa a muitos. Rodas de amigos na praia, conversas em universidades, comentários isolados nos pontos de ônibus, alguns “falando alto pelos botecos” e outros gritando nos mercados que a “seca” existe com certeza.
Desde a recente construção da quilométrica cerca na fronteira com o Egito, aliado à eficiente repressão policial nos grandes centros, houve uma interrupção de fornecimento da droga e imensa dificuldade em encontrar (ou reencontrar) traficantes.
A lei do mercado é cruel: pouca oferta em conjunto com uma demanda de um mercado consumidor estimado em 700 mil usuários segundo a Autoridade Nacional para o Combate de Drogas e Alcool, gerou uma consequente alta dos preços. De 2010 a 2013, o valor dos derivados de cannabis subiu 250%.
Será que Israel seria o único país no mundo a vencer a “guerra contra as drogas”? Não creio.
Mesmo com toda a dificuldade os usuários não deixaram (e nem deixarão) de procurar um caminho que os leve a um novo fornecedor ou a um preço mais razoável. E, mesmo em um país com uma polícia menos corrupta e mais inteligente que o Brasil, sempre haverá alguém disposto a correr o risco de oferecer um produto desejado por um público tão fiel. A demanda é alta demais.
A “seca” transformou o dia a dia e a realidade do país. Cito dois fenômenos sociais recentes e interessantes:
1 – A maconha nos territórios ocupados
No dia 16 de agosto, o jornal eletrônico Ynet publicou uma matéria que relatava sobre a abundância de maconha nos territórios ocupados. Como um Tsunami, diversos jovens israelenses começaram a viajar nos fins de semana para a casa de amigos colonos ou para alugar casas com maravilhosas vistas nestes locais.
Além da amizade e do belo visual, a atração maior é a facilidade com que se consegue encontrar a droga…
A razão para quantidade abundante de cannabis entre os colonos está relacionado a uma fraca supervisão policial nestas regiões (há questões mais importantes para a polícia se preocupar), a maior facilidade de plantação (todo colono possui um jardim em casa afastado de olhares de vizinhos curiosos), as comunidades são menores e mais fechadas (o que dificulta a delação). Além disso, enquanto nas grandes cidades um traficante está muito mais exposto devido à quantidade de consumidores, nos territórios a venda ocorre para menos pessoas e um público muito mais selecionado.
Há também o intercâmbio comercial com aldeias palestinas. Na última operação policial na Cisjordânia que visava o combate ao trafico de maconha e haxixe, um jovem palestino foi detido e acusado de vender a substância para diversos assentamentos (entre eles, assentamentos judaicos moderados e extremistas).
Não deixa de ser curioso que o diálogo entre judeus e palestinos dentro dos territórios ocupados envolva a compra e a venda de um produto ilícito. Não deixa de ser curioso também que a aproximação entre jovens colonos (que representam a direita israelense) e jovens esquerdistas que vivem em “Medinat Tel Aviv” (Estado de Tel Aviv, -uma referência à cidade como se fosse um país independente, um Estado em si mesmo, que não possui relação com as diferentes regiões de Israel), tenha como pano de fundo o consumo da cannabis.
“Estar além da linha verde” nestes dias de escassez de maconha, está ganhando uma nova interpretação no país.
2 – Saindo do armário verde
A seca tem gerado um comportamento político quase inexistente no publico usuário de cannabis.
No inicio de agosto, Amos Silver, estudante e conhecido ativista em prol da legalização da maconha, acessou a página da polícia no Facebook para protestar contra a proibição do uso pessoal da cannabis e pequena produção para fins recreativos. Escreveu Amos:
- “por que utilizar as limitadas ferramentas do sistema policial do país para perseguir uma planta? Para que coibir um crime que não deixa vítimas?”
Em resposta à postagem de Amos, o porta voz da polícia escreveu logo abaixo do comentário que “aquele não era o local adequado para criticar as políticas de combate ao crime”, direcionando-o para a Ouvidoria da instituição.
Pagina da polícia no Facebook
Mensagem de Amós Silver no Facebook
Sem pestenajar, o jovem ativista treplicou:
-“E se eu quiser denunciar um grave crime que acontece diante dos meu olhos neste exato momento? Eu estou olhando-me no espelho e estou fumando maconha. É possível comunicar um crime pela página da polícia no Facebook”?
Não houve resposta. Amos não só não foi preso, como concedeu diversas entrevistas explicando que o seu objetivo era debater sobre a hipocrisia do combate às drogas (maconha em especial) no país.
No mesmo mês, foi aberta uma página no facebook chamada Yotzim mehaAron haYarok “Saindo do armário verde” – que tem o objetivo de colecionar testemunhos, declarações, histórias pessoais de indivíduos que fazem uso rotineiro de cannabis. Em menos de uma semana, a página já contava com 1000 fãs e diversas “confissões”, muitas delas com fotos reais de indivíduos sem medo de “botar cara” na discussão. Abaixo duas confissões retiradas desta página:
——————-
“Meu nome é Sara, 31 anos, pequena empresária, estilista e fumo há 16 anos. Chegou a hora de “sair do armário”. Eu não tenho uma história emocionante, apenas consciência do meu entorno. Eu saí do armário. Não sou uma criminosa, não sou pecadora, não sou ladra, não sou assassina, não estuprei ninguém… O meu único crime é fumar.”
“Meu nome é Yarin Bernstein, cidadão normativo, 24 anos, fumo algumas vezes durante a semana, a maior parte das vezes com amigos. Algumas vezes também fumo sozinho. Tenho um excelente emprego e daqui a alguns meses serei estudante de engenharia no Technion (onde fui recebido com notas altas que comprovam que a minha cabeça ainda funciona!) – enfim… sou um criminoso…”
—————
Não tenho dúvidas de que toda a repressão policial, alta de preços e a consequente “seca” no país, está gerando uma consciência coletiva e um ativismo que determinará em pouco tempo o afrouxamento das políticas de combate a cannabis, e quem sabe, a desejada legalização da maconha em Israel.
Talvez a nossa geração viverá o dia em que se comprará maconha no mini-mercado.
Alexandre é paulista, tem 37 anos e vive em Israel há 12 anos.
Jornalista, mora em Ashdod e tem 2 filhos.
fonte: http://www.conexaoisrael.org/maconha-israel-atravessando-seca-deserto-direcao-mana-legalizacao/2013-09-04/colaborador