No fantástico livro "Medo e Delírio em Las Vegas" (transformado num filme igualmente fantástico por Terry Gilliam nos anos 90), o saudoso jornalista Hunter S. Thompson narra a ocasião em que participou completamente chapado com todo tipo de droga ilícita, de uma convenção de policiais da Narcóticos em Las Vegas. Lá pelas tantas, Thompson narra o comunicado hilário feito por um dos delegados sobre o usuário de marijuana, ou Cannabis sativa, a popular maconha:
"Talvez você não enxergue os olhos vermelhos de um maconheiro por causa de seus óculos escuros, mas os nós de seus dedos estarão brancos por conta da tensão interna; suas calças estarão cobertas por crostas de sêmen, porque ele se masturba sem parar quando não encontra alguém para estuprar. Quando interpelado, vai hesitar e não falar coisa com coisa. Ele não respeitará seu distintivo. O maconheiro não tem medo de nada, atacará sem motivo, usando qualquer arma à disposição. Qualquer policial, ao prender um suspeito viciado em maconha, não deve hesitar em usar toda a força necessária. Cada pancada que você der em um maconheiro evitará que você leve nove! Boa sorte!"
É mais ou menos este tipo de estupidez e desinformação em relação aos efeitos do uso da maconha que o espectador encontrará em REEFER MADNESS, um hilário "documentário" sensacionalista produzido nos anos 30 para "alertar sobre os perigos da marijuana", mas que com o passar do tempo ganhou status cult de comédia involuntária JUSTAMENTE entre os usuários de maconha!
Reefer Madness é simplesmente hilário: os atores interpretam usuários de maconha como se fossem bêbados (cambaleando pelos cantos e fazendo macacaquices), ou como se fossem psicopatas (com profundas olheiras e soltando gargalhadas maléficas).
O objetivo do roteiro é amedrontar a juventude dos anos 30, ainda sem acesso à televisão e muito menos à internet (e, portanto, recebendo informações ainda restritas aos pais e professores). Sustenta que o uso da maconha pode transformá-los em assassinos ou levá-los a uma "viagem sem volta". Enfim, nenhum esforço é poupado na tentativa de demonizar a erva e seus efeitos, naqueles tempos em que dar uns amassos numa garota antes do casamento era o fim da picada!
Ironicamente, o filme é absurdamente hipócrita ao condenar os supostos malefícios da marijuana, mas ao mesmo tempo mostrar todos os seus personagens "corretos" (pais, policiais, jurados, médicos...) fumando cigarros e charutos "normais" e bebendo álcool, como se só a maconha fosse prejudicial (por ser ilícita), mas todo o resto estivesse liberado sem restrição! Provavelmente deve ter afastado muitos jovens lá dos anos 30 da maconha, porém criando uma geração de fumantes e alcoólatras!
O relativo sucesso de Reefer Madness deu origem a uma série de outros filmes anti-maconha, como "Assassin of Youth" (1937) e "The Terrible Truth" (1951), todos exageradamente sensacionalistas, absurdos e nada informativos. Mas logo os produtores perceberam que a batalha estava vencida e deixaram a marijuana em paz, dedicando-se a fazer filmes sobre outras drogas mais pesadas e realmente perigosas, como o LSD e a heroína.
Reefer Madness sumiu de circulação por décadas até ser redescoberto mofando na Biblioteca do Congresso, no começo dos anos 70, justamente por uma geração de maconheiros. Foi Keith Stroup, fundador da NORML (Nation Organization for Reform of Marijuana Laws), quem comprou os direitos sobre o filme, que já estavam em domínio público. A partir de 1971, Stroup passou a exibi-lo em seminários e festivais pró-maconha, onde os usuários acabaram adotando-o como uma divertida comédia involuntária, tal seu nível de sensacionalismo e desinformação.
E, quem diria, a venda de cópias do "documentário" foi uma das primeiras atividades financeiras a gerar capital para uma pequena companhia que surgia na época, uma tal de New Line Cinema, que hoje é simplesmente uma das grandes produtoras da indústria de Hollywood!
Reefer Madness ficou tão marcado na cultura popular ianque que ganhou diversas versões em DVD por lá, inclusive uma colorizada por computador. Também ganhou recentemente, em 2005, uma homenagem em forma de comédia musical, estrelada por atores famosos como Neve Campbell e Steven Weber, lançada no Brasil com o título "A Loucura de Marijuana".
Talvez estes pais de outrora também pudessem dar uma voltinha na Crackolândia para perceber que há coisas bem piores do que o inofensivo cigarrinho do demônio.
Já para a geração atual, só posso recomendar que Reefer Madness seja visto como a comédia involuntária que realmente é, de preferência fumando um homegrow.
Quem já assistiu Grass provavelmente deve se lembrar de umas cenas desse hilário filme.
Sinópse completa aqui.
Em inglês sem leganda.
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