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20/06/2010 - 00h00 (Outros - A Gazeta)
Vilmara Fernandes
vfernandes@redegazeta.com.br
Em meio a jabuticabas, orquídeas, manjericão e até uma videira, florescem alguns pés de maconha. O cultivo, feito em um terraço, não é o único de Vitória ou mesmo do Estado. Quem o planta faz parte de um movimento que cresce em todo o país: o de pessoas que querem manter seus hábitos - consumindo uma erva de mais qualidade, sem misturas - mas sem financiar o tráfico. Com o slogan "não compre, plante", os growers, como são chamados, defendem o que seria o uso "socialmente responsável" da droga.
Foi o que levou Pedro - que se identifica como "maconheiro assumido" há mais de 15 anos - a se tornar um agricultor canábico. "Ou plantava ou parava de fumar", diz ele. Como não queria abrir mão do baseado, decidiu aprender técnicas de cultivo com a sogra. "Mas ela não sabe em que tipo de plantação eu as aplico", brinca.
Com habilidade, ele consegue manter plantas em vários estágios para não sofrer com a entressafra. "A cada três meses colho até 250 gramas." O material rende seus baseados diários e, às vezes, até os de alguns amigos. "Porque maconheiro é solidário", ressalta.
Consumo
No mundo, segundo o Relatório de Drogas das Nações Unidas - 2008, já chegam a 200 milhões os consumidores de todos os tipos de drogas. A maior parte, 158 milhões, é de usuários de maconha. Só no Brasil a estimativa é de que 8,8% da população já a tenha experimentado. Na Região Sudeste, o número de usuários é ainda maior, chegando a 10,3% da população - o equivalente a mais de 8 milhões de pessoas.
O mesmo relatório informa, ainda, que o consumo de maconha e de haxixe - que é feito da seiva da cannabis - entre os brasileiros com 15 a 64 anos de idade aumentou. Foi de 1% em 2001 para 2,6% em 2005. Algo que a Delegacia de Entorpecentes (Deten) vem registrando em suas operações.
Mas o que é vendido nas ruas é um produto que mistura esterco de animais, mato e até plástico, como explica o delegado Diego Yamashita. É por isso que muitos usuários decidiram partir para o cultivo caseiro, o que vem sendo feito, segundo o delegado, em bairros de classe média, como Praia do Canto, Jardim da Penha e Jardim Camburi, todos em Vitória.
Apoio na internet
A maioria dos cultivadores opta por varandas, terraços, jardineiras ou apela para os vasinhos. E conta com o apoio de sites - um dos mais conhecidos começou no Rio de Janeiro e ganhou o Brasil, e tem fóruns que contam com a participação de milhares de pessoas. No espaço, há vasta informação, que vai da escolha das sementes a dicas de plantio, passando, ainda, por legislação e notícias sobre maconha no Brasil e no mundo.
Há até alertas para os marinheiros de primeira viagem: quem decide por esse tipo de jardinagem precisa de muita informação. "São plantas frágeis que reagem ao solo, à quantidade de luz e de água. Levei anos para fazer uma boa colheita", relata Paulo, que há dois anos faz o cultivo caseiro.
Quem conta com pouco espaço opta por banheiros, saunas, quartinhos e lança mão de um aparato tecnológico, também disponível na internet, para fazer seu plantio. São lâmpadas especiais, refletores e até um sistema de ventilação para garantir conforto e luz suficiente para as plantinhas.
Nada disso fica barato. O kit com toda a parafernália pode chegar a R$ 2 mil. "Isso sem falar a conta de luz", destaca João, que desistiu da plantação devido aos gastos. O custo explica, em parte, o fato do movimento ter chegado apenas aos bairros de classes média a alta.
Tem de tudo
Fazer apologia do uso de drogas é crime; mas como na internet os limites são mais elásticos, e a punição mais difícil de aplicar, até as sementes chegam pelo correio. E não faltam opções para quem decide criar seu próprio cultivo da erva - tem até uma tenda desmontável para cultivo indoor à venda.
Nos fóruns, quem é mais experiente passa informações para os novatos que pretendem montar sua plantação caseira. Para eles, a maconha faz parte de um estilo de vida, e não é identificada como uma droga.
Em vários sites, os usuários postam informações em defesa da erva, destacando seu uso medicinal. Não se fala nos efeitos comprovadamente adversos da droga, embora até quem defenda a descriminalização do usuário concorde que há verdades já provadas pela Medicina: a maconha afeta a memória, por exemplo,e aumenta o risco de câncer de pulmão.
Deduragem
A preocupação em burlar a indiscrição alheia, é claro, sempre existe e, de vez em quando, rende uma deduragem. O delegado Yamashita relata que muitas apreensões de plantas na Grande Vitória ocorrem a partir da denúncia de vizinhos, que desconfiam da movimentação em torno da residência e até do cheiro. No Estado, afirma, não há grandes plantações, como no Nordeste. Em geral, são apreendidos de dois a três pés.
Quem cultiva sabe que há o risco, e trata de manter sua "plantação" sob sigilo. "Mas, ainda assim, é melhor plantar em casa do que contribuir com os traficantes", assinala Pedro.
Se dependesse das bocas de fumo, pelas 250 gramas que colhe ele teria que desembolsar cerca de R$ 400,00. Como consome o que planta, seu gasto mensal é de R$ 50,00 com adubo e enraizador destinado ao preparo de mudas. "E de quebra ainda tenho uma erva muito mais pura", assinala.
Descriminalização
O consumo "socialmente responsável" é um dos argumentos da Marcha da Maconha, que vem sendo realizada em várias cidades do país e que briga, ainda, pela descriminalização do usuário. "O que queremos é evitar que os recursos de um consumo individual sigam para a ilegalidade, para os traficantes, para a compra de armas", pontua o artista plástico Filipe Borba, 25 anos, um dos organizadores do evento no Estado.
Pela legislação brasileira - Lei 11.343, que passou por mudanças em 2006 -, não há uma proibição expressa para o plantio pessoal. A punição para quem semeia, cultiva e colhe substância psicoativa para consumo próprio são medidas socioeducativas e prestação de serviços comunitários.
Mas há casos já registrados no país de pessoas que foram detidas e enquadradas como narcotraficantes. O mais famoso deles foi o do publicitário gaúcho Alexandre Thomaz, de 40 anos, que alegou fazer o cultivo terapêutico de maconha em seu sítio. Segundo ele, a erva ajudava a superar as sessões de quimioterapia.
Análise ideológica
Outro problema apontado na legislação é a não definição da quantidade que caracteriza um usuário. A interpretação fica nas mãos da Justiça. Uma análise que pode ser ideológica, assinala o deputado federal petista Paulo Teixeira, que apoia a descriminalização no caso do usuário.
E que pode levar, complementa Filipe Borba, a tratamentos diferenciados. "Uma pessoa de classe média pode ser considerada usuária. Um pobre, com a mesma quantidade, pode ser identificado como traficante."
O deputado federal petista também defende o plantio para uso próprio, desde que esteja vinculado à autorização e ao acompanhamento dos órgãos de saúde pública. Uma de suas sugestões é que essa utilização da erva ocorra em grupos, cooperativas ou consórcios. "Isso já vem sendo feito em alguns países, como na Espanha", assinala. Dessa forma, seria possível fazer um acompanhamento dos usuários.
A discussão está longe de acabar. Mas, ciente do preconceito que envolve o assunto, o próprio deputado reconhece que qualquer projeto só poderá ser apresentado quando "houver um clima mais racional para o debate", ou seja, após a eleição.
Fora da esfera política, o debate segue acirrado nas ruas, nos botecos e até nas praias, onde não é muito difícil encontrar alguém fumando um baseado. Como o jovem que se identifica apenas como "surfista", sempre dá um jeito de cumprir o seu ritual, quatro vezes ao dia. A penúltima fumada da noite ocorre na companhia de amigos, no campus da Ufes, na Capital. Todos convictos de que encontraram uma forma de usar a droga sem passar perto da violência - ou colaborar com ela.
Droga é usada para combater vício do crack
Um estudo desenvolvido pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) trouxe mais polêmica ao debate sobre o uso medicinal da maconha e a liberação da erva no Brasil para fins terapêuticos. A pesquisa foi desenvolvida com 50 dependentes de crack que não melhoravam com os tratamentos habituais.
Os pacientes passaram a usar, em média, de três a quatro cigarros de maconha por dia para combater os efeitos do crack, uma droga com efeitos bem mais violentos. Após seis meses, 68% do grupo inicial haviam abandonado totalmente o crack e espontaneamente pararam de utilizar a maconha.
A experiência foi desenvolvida por Dartiu Xavier, especialista em dependência química e professor de Psiquiatria da Unifesp. Segundo ele, a pesquisa foi aplicada durante um ano. "O problema é que não pode ser ampliada, pois envolveria a administração de maconha para os pacientes por parte dos médicos, o que até o momento não é permitido pela lei."
Xavier faz parte do grupo de especialistas que defenderam, em um simpósio internacional realizado há dois meses, a criação de uma agência nacional para regular o uso medicinal da maconha. É o caminho, na avaliação deles, para liberar a erva no Brasil para fins terapêuticos.
O "novo medicamento" não seria adequado a todos os pacientes. Há situações, como destaca o professor, em que seu uso é contraindicado. Um exemplo são os dependentes de maconha e os que apresentam problemas mentais graves, como as psicoses.
Opção
Mas essa pode vir a ser mais uma opção de tratamento. Adequado, como destaca a farmacologista e coordenadora do Laboratório de Ciências Cognitivas da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Ester Nakamura, para casos como os de glaucoma, alguns tipos de câncer, esclerose múltipla, entre outras doenças cujos pacientes não respondem aos tratamentos convencionais. "Mas não se pode pensar, ainda, na maconha como o tratamento de escolha ou como primeira opção", destaca.
Nakamura vem desenvolvendo um trabalho de estimulação elétrica cerebral com pacientes dependentes químicos. Por enquanto o alvo são os alcoolistas, mas dependentes de outras drogas também poderão vir a ser incluídos no protocolo.
A proposta é reparar no cérebro os danos causados pelo uso contínuo das drogas, que desordena o funcionamento do cérebro e prejudica funções importantes, como memória, atenção e capacidade de tomar decisões. São essas disfunções que acabam levando à compulsão pelas drogas. É uma esperança, por exemplo, para dependentes de crack.
A maconha pelo mundo
Cidade da maconha. Em Cruzeta, uma pacata cidade do interior do Rio Grande do Norte, pés de maconha eram plantados até nos jardins públicos. A população mais idosa, que conhecia a planta como liamba, usava suas folhas para fins medicinais. Alguns chegaram a tomar chá das folhas e fazer unguentos. Desconheciam seu uso como droga, mas pela lei, podem ser identificados como traficantes. O caso está sendo analisado pela justiça.
Maior potência. No México existe uma variação genética da maconha, a "sinsemilla" - sem sementes - que pode ter entre 7,5% e 24% de THC. A sigla é o princípio ativo da maconha responsável pelos efeitos psíquicos da droga no organismo. Quanto maior o percentual, mais potente é a droga. Atualmente, a quantidade de THC encontrada na maconha é de aproximadamente 4,5%. Em outra variação da maconha, o haxixe, a concentração de THC pode chegar a 28%.
Plantio virtual. Um novo jogo no Facebook - "Pot Farm" - permite que se tenha um cultivo virtual de ervas. Os criadores deixam claro que o assunto é direcionado a maiores de 21 anos e que todas as plantas do jogo são fictícias, qualquer semelhança com algo do mundo real é mera coincidência. Lançado há poucos meses, já tem quase 500 mil jogadores. O sistema é semelhante a outros já existentes, como Colheita Feliz e Farmville. a diferença é que os cultivadores são hippies.
Saiba mais: veja como é a legislação para a maconha pelo mundo
No Brasil
Consumir ou comercializar drogas é crime, punido com sanções distantas para usuários e traficantes. Ao primeiro, a lei imputa três tipos de pena: advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade (de 5 a 10 meses) e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. Já a quem produz ou comercializa drogas, a lei atribui pena de 5 a 15 anos de reclusão e pagamento de multa de 500 a 1.500 reais. Cabe ao juiz determinar a finalidade da droga apreendida - se para consumo pessoal ou comercialização -, o depende de inúmeros fatores, como a natureza e a quantidade da substância e os antecedentes do suposto criminoso. A lei brasileira não prevê o uso de drogas para fins terapêuticos.
Holanda
Seu uso medicinal é autorizado pelo Governo desde setembro de 2003, mas com algumas condições. Segundo o Ministério da Saúde local, a maconha só deve ser prescrita, como última alternativa, para o tratamento de dores crônicas, náuseas, falta de apetite, rigidez muscular e espasmos que acometem pacientes de câncer, Aids, esclerose múltipla e síndrome de Tourette, doença caracterizada por movimentos involuntários do corpo. Mas no que diz respeito às drogas, a Holanda costuma ser a exceção e não a regra. O uso da maconha para tratamento médico está longe de ser um consenso em outros países.
Estados Unidos
A Suprema Corte do país definiu, em 2005, que o uso medicinal da erva é ilegal. O FDA, órgão do governo que controla alimentos e remédios, concordou. Ambas as instâncias, porém, contrariaram a legislação de oito Estados - entre elas a da Califórnia, que data de 1996 -, nos quais não há penalidade para o cultivo e posse de maconha para uso medicinal.
Suíça
O bairro de Langstrasse, em Zurique, que havia se tornado, sob o aval do governo, território livre para o consumo de drogas, acabou sob o controle do crime organizado. Em 1992, a prefeitura coibiu o uso público de entorpecentes. A Dinamarca seguiu o exemplo. Em 2003, as autoridades fecharam o cerco ao Christiania, um bairro de Copenhague ocupado por uma comunidade alternativa desde 1971, onde a venda de maconha era feita em feiras ao ar livre.
Grã-Bretanha
No início de 2008, o governo recolocou a maconha no grupo dos entorpecentes sujeitos a repressão severa (neste caso, com multa e cinco anos de prisão para o usuário).