Sob nova direção, Câmara fica mais conservadora Para se eleger presidente, Eduardo Cunha assumiu compromisso de não votar temas progressistas
LEANDRO RESENDE E NONATO VIEGAS
Rio - Não será fácil a vida dos que defendem pautas progressistas na Câmara, sob a presidência do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Representante do eleitorado conservador, ele assumiu em campanha compromissos com igrejas evangélicas e grandes corporações para não debater temas como legalização da maconha, aborto, criminalização da homofobia, casamento entre pessoas do mesmo sexo e regulamentação econômica dos meios de comunicação. Já eleito, procurou distensionar o clima na Casa e se disse disposto ao diálogo. Famoso por cumprir suas promessas, a dúvida em Brasília é saber qual Cunha está no comando.
Recém-eleito para presidir a Câmara, Cunha não porá em votação temas como a legalização da maconha
Foto: ABr
Em 2010, sua aversão pela garantia de alguns direitos constitucionais o levou a propor a criminalização da “heterofobia”, em oposição ao projeto que queria transformar em crime as agressões sofridas por homossexuais. Agora, além dos diversos compromissos assumidos, sua ascendência sobre seus pares do chamado ‘baixo clero’ tem feito com que deputados com história em militância nos direitos humanos prefiram, neste momento, não partir para o confronto, “colocando-se à disposição para negociar”, como disse ao DIA a ex-ministra dos Direitos Humanos Maria do Rosário (PT-RS). “Meu objetivo não é entrar em contradição com o presidente. Temos que continuar nosso trabalho e acreditar que ele será um magistrado”, afirmou.
“Difícil”, na opinião de Antônio Augusto de Queiroz, analista político do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), que atua no Congresso desde 1983. Para ele, “ou se faz pressão ou esta legislatura vai desmontar todos os avanços sociais, ambientais, nos direitos humanos, tudo o que foi conquistado nos últimos anos”. “Não acredito que será fácil o diálogo sem que haja pressão pública para dar suporte”, acrescentou. “Teremos que fiscalizar, como cidadãos, e os progressistas do Congresso não podem dormir”.
Em contrapartida às demandas defendidas por setores minoritários do Legislativo, o deputado se colocou à disposição para levar adiante propostas que tiram da União a prerrogativa para a demarcação de terras indígenas, como está na Constituição. Trata-se de uma reivindicação antiga do agronegócio, de quem ele recebeu dinheiro para a campanha. Também prometeu a aprovação do Estatuto da Família, que, entre outras coisas, proíbe a adoção por casais gays; além do Estatuto do Nascituro, tirando do Código Penal a previsão legal do aborto em casos de estupro, anencefalia e o que põe em risco a vida da mulher.
“Não acredito que ele vá criar dificuldade para votar. Esses temas nunca foram discutidos no plenário, pois não saíram das comissões”, opinou o deputado federal Leonardo Picciani (PMDB-RJ). Já o líder do PT na Câmara, Sibá Machado, afirmou que Cunha será diferente na presidência do que foi na campanha. “O que tem que mudar é o desconhecimento dos deputados sobre estes assuntos”.
Duas ações, logo na primeira semana deram o tom dos próximos dois anos. De cara, Cunha tentou passar o projeto que garante o financiamento de campanhas eleitorais por empresas privadas. A ideia era anular a discussão no Supremo Tribunal Federal, onde seis ministros já votaram contra o financiamento privado. A votação foi interrompida por pedido de vistas. Rapidamente, adversários na última disputa presidencial, PT, PV, Psol e PSB se uniram para trancar a votação. Ele arrecadou R$ 6,8 milhões na última eleição. O deputado também atropelou a articulação da bancada feminina, com 51 deputadas, na eleição para a sua coordenadoria.
O QUE SOBE
ESTATUTO DA FAMÍLIA
Uma das propostas que devem contar com o entusiasmo de Cunha é a que prevê a criação do Estatuto da Família, de autoria do deputado Anderson Ferreira (PR-PE). O texto, que define família como “núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento”, teve um polêmico substitutivo acrescentado pelo relator da lei, deputado Ronaldo Fonseca (Pros-DF). A proposta impede a adoção de crianças por casais homossexuais, sob a justificativa de que “a sociedade não está pacificada para ver casais gays”. Para o líder do Psol na Câmara, Chico Alencar, debates desta natureza serão “animados”. “Não poderemos descansar. Será positivo ver a união dos grupos não mais por ser a favor ou contra o governo, mas pela defesa de ideias”.
ESTATUTO DO NASCITURO
Não só Eduardo Cunha se comprometeu a não avançar na discussão sobre o aborto, como pode retroceder nas possibilidades legais vigentes hoje. O projeto de lei do Estatuto do Nascituro, que tramita há sete anos no Congresso, pode ganhar novo ânimo com o peemedebista. Entre os vários pontos polêmicos está a proibição do aborto mesmo nos casos em que a lei autoriza, como no estupro, e de fetos anencéfalos. “O feto concebido em ato de violência sexual não sofrerá qualquer discriminação ou restrição de direitos”, propõe um trecho do estatuto. Segundo a deputada Jô Moraes (PCdoB-MG), coordenadora da bancada feminina, o presidente da Câmara tem interferido na dinâmica interna do grupo. “É um indicativo do que pode vir a acontecer quando tratarmos dos direitos das mulheres”, criticou.
ORÇAMENTO IMPOSITIVO
Em entrevista concedida na semana passada, Cunha declarou ser contrário à votação de “pautas-bomba, que aumentem o gasto público”, mas afirmou que colocará para votação amanhã a proposta de emenda à Constituição do Orçamento Impositivo. Se aprovada, o governo federal será obrigado a pagar emendas parlamentares, recursos que os deputados destinam no Orçamento Geral da União para projetos feitos principalmente em seus redutos eleitorais. Atualmente, o governo contingencia os valores aprovados, sem a obrigatoriedade de transferir os recursos. Durante a campanha, uma das principais propostas feitas por Cunha para conseguir votos dos deputados era a garantia de que novos parlamentares poderiam pedir verbas para emendas.
O QUE DESCE
UNIÃO CIVIL
Durante a campanha em busca de votos para se tornar presidente da Câmara, Eduardo Cunha mencionou, diversas vezes, os temas que não colocaria em pauta. Sem sua boa vontade, será necessário negociar cada tema com os líderes dos partidos. Compromisso da presidenta Dilma Rousseff durante a campanha, a criminalização da homofobia é um exemplo de assunto que será difícil ir à votação. Outro exemplo é o casamento civil e a união estável entre pessoas do mesmo sexo, tema de projeto de lei dos deputados Jean Wyllys (Psol-RJ) e Érika Kokay (PT-DF), arquivado ao fim da última legislatura. “A proibição do casamento homossexual não só desrespeita o princípio da igualdade perante a lei, como os priva de uma série de benefícios sociais” diz trecho da justificativa da lei.
LEI PARA A PROSTITUIÇÃO
A regulamentação da prostituição é um assunto tabu para o Congresso Nacional, mas já foi tema de três projetos de lei recentes, sem avanço. Com Eduardo Cunha, a discussão deve permanecer fora da pauta. A ideia de assegurar aos profissionais do sexo o direito ao trabalho voluntário e remunerado apareceu em proposta dos ex-deputados Fernando Gabeira (PV-RJ) em 2003, e Eduardo Valverde (PT-RO) no ano seguinte. O deputado Jean Wyllys incorporou a bandeira em 2012, e criar a “lei Gabriela Leite”, em homenagem a prostituta que dedicou a vida a lutar por melhores condições de vida para as colegas de profissão. Pela proposta, “profissional do sexo” são pessoas maiores de 18 anos, que prestam serviços sexuais mediante remuneração. O projeto concede direito à aposentadoria especial aos 25 anos.
USO DA MACONHA
Em artigo publicado em seu site, em repúdio a uma das edições da Marcha da Maconha, Eduardo Cunha acusou os participantes de criminosos. “Na mesma forma que defendem a maconha, defenderão estupro e corrupção”, escreveu o deputado. A postura deixa claro que os defensores da ideia não terão facilidade se tentarem discutir o tema em plenário. Ano passado, projeto do ex-deputado Eurico Júnior (PV-RJ) propunha a produção e a venda da maconha, liberava a plantação em residências, e o cultivo para uso medicinal. Além disso, a ideia era que o Executivo regulamentasse as medidas de fiscalização e controle. À época, o parlamentar defendeu a proposta com o argumento de que a liberação “protegeria” o país dos riscos decorrentes do vínculo entre o comércio ilegal de maconha e o narcotráfico.