Fernando Cirino
"Breve relato sobre a Marcha da Maconha de 2015 em Maceió.
Domingo ensolarado, dia bonito pra uma Marcha da Maconha. Cheguei ao local da marcha e de cara já fiquei impressionado, estava maior que a do ano passado, cerca de 800 pessoas foram lá defender a legalização da maconha e denunciar a falência da política de guerra as drogas, política essa que só causa dor, sofrimento e morte aos mais pobres. Para quem não sabe, pelo segundo ano consecutivo, Alagoas é considerado o estado com o maior índice de mortes de pobres negros na federação. E isso resulta de muitas coisas, dentre elas a criminalização da maconha e demais drogas.
A marcha estava bonita... palavras de ordem, inúmeros cartazes e faixas, e o principal, a presença massiva de jovens que vivem em bairros da periferia de Maceió, como é o caso desse que vos escreve, morador do Benedito Bentes desde que nasceu. Não estava lá apenas gente da classe média querendo o direito de poder fumar seu baseado em paz, não! A maior parte dos presentes sabiam a dor que é perder um amigo, um parente, alguém próximo, pra criminalidade. Hoje, sem dúvida, o jeito mais rápido de um jovem da periferia conseguir ganhar dinheiro é entrando pro tráfico de drogas! Já perdi as contas de quantos amigos de infância já vi morrendo por causa disso, gente que não teve a oportunidade de ter oportunidades na vida.
Voltando pra marcha. Como ela foi organizada na praia, muita gente que já estava lá aderiu ao movimento, fazendo com que ele não parasse de aumentar. Pessoas passando de carro e demonstrando apoio à causa etc. Uma coisa chamou minha atenção: não havia policiamento acompanhando a manifestação. Lembrei logo da marcha de São Paulo desse ano, em que não houve polícia e foi um sucesso, não tendo nenhum caso de violência. Todos estavam tranquilos e felizes por ver a marcha desse ano dando certo, assim como a do ano passado.
Chegando ao destino final, o Posto 7, foi dado início a parte cultural da programação, com grupos musicais para fazer um belo encerramento em clima de confraternização. Após cerca de 30 minutos de música, algo estranho aconteceu, chegando 4 ou 5 viaturas da PM (Rádio Patrulha). Para o espanto de todos, os policiais já desceram dos carros atirando balas de borracha num grupo de pessoas que estavam próximas. Sem nenhum argumento, nenhum diálogo, nenhuma explicação! Como deixou claro um dos policiais quando questionado: “Não viemos aqui pra dialogar”. De fato, eles podiam estar lá para tudo, menos conversar.
Depois desse primeiro episódio de truculência, o que eu vi foram provocações e abusos de autoridade por parte dos PM's, como se estivessem provocando todo mundo para que o povo ficasse exaltado. E conseguiram, foi impossível conter as palavras de revolta, ninguém aguenta ficar calado sendo chamado de “vagabundo safado” sem haver motivo nenhum para isso. Nesse momento o BOPE já se fazia presente e ao todo eu contei 15 viaturas no local, sem necessidade nenhuma! Os que estavam com câmeras começaram a filmar tudo isso e foram os primeiros a serem espancados brutalmente, sem chance nenhuma de reação. Mulheres, adolescentes, pessoas mais velhas... todos apanhavam, sem distinção!
Acompanhado do cassetete vieram os tiros de bala de borracha, muitos!!! Eu já havia participado de manifestações que acabaram com a intervenção da polícia, mas nenhuma se compara a de hoje. Foi muito tenso. Fazia tempo que eu não via gente com tanto ódio nas veias, como aqueles policiais. Pareciam cachorros enfurecidos vendo seus inimigos naturais... pobres, negros, favelados e o pior de tudo (para eles), maconheiros! Hoje a PM não estava para brincadeira, chegaram arrepiando tudo, sem dó... bateram muito mesmo!
Nunca vou esquecer de amigas minhas apanhando feio daqueles brutamontes. Várias pessoas que estavam filmando a situação tiveram seus celulares e câmeras roubadas pela PM. Quem fosse reclamar era preso, por desacato a autoridade ou resistência a prisão. No total foram 10 presos. Professores, advogados, gente da organização da marcha e pessoas que apenas foram lá manifestar sua indignação. Por um momento o tradicional Posto 7 pareceu um campo de guerra, com um exército vestido de preto formando uma barricada de um lado e do outro pessoas humildes que não tinham a mínima condição de garantir a própria segurança. A polícia foi lá para tocar o terror e acabar com a manifestação, conseguiram.
Segui até a delegacia onde foram levados os presos, depois de muita burocracia os advogados que vieram para cuidar do caso conseguiram entrar. Fiquei até pouco tempo atrás lá, apenas uma pessoa havia sido liberada, um menor de idade. Nesse momento é muito importante todo tipo de apoio.
"Não confio na polícia, raça do caralho."
Benedito Bentes, 31 de maio de 2015."