A reportagem completa
Tráfico é motivo de 24% das prisões no país
Índice registrado em dezembro do ano passado é o maior desde 2005, quando dados começaram a ser computados
Rigor do Judiciário está entre fatores que levam cada vez mais pessoas à cadeia por ligação com o comércio de drogas
AFONSO BENITES
DE SÃO PAULO
De cada quatro presidiários do Brasil um está detido por tráfico de drogas. O índice registrado em dezembro do ano passado é o maior desde o ano de 2005, quando os dados do Departamento Penitenciário Nacional começaram a ser disponibilizados.
Naquele ano, um a cada dez presos tinha sido detido por traficar drogas. O cálculo, feito pela Folha baseado nos relatórios estatísticos do Depen, inclui os presos condenados e sem julgamento.
Vários fatores explicam esse aumento, dizem especialistas. Entre eles estão a instituição da Lei de Drogas no ano de 2006, o rigor do Judiciário e da polícia na combate ao tráfico e o elevado número de presos provisórios que não podiam responder aos processos em liberdade.
Uma pesquisa feita pelo Núcleo de Estudos da Violência da USP constatou que 88% dos detidos por tráfico entre novembro de 2010 e janeiro de 2011 na cidade de São Paulo responderam aos seus processos encarcerados.
Anteontem, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o trecho da lei que impedia os suspeitos de tráfico a responderem as acusações livres. Agora, suspeitos de tráfico poderão aguardar o julgamento em liberdade, desde que o juiz autorize.
DESPROPORCIONAL
Conforme os números do Depen, enquanto a população carcerária como um todo aumentou 1,7 vez (de 294 mil para 514 mil) entre os anos de 2005 e 2011, a quantidade de presos por tráfico cresceu quase quatro vezes (de 32 mil para 125 mil).
Com isso, pela primeira vez, o percentual de presos por tráfico se aproxima do de presos por roubo no país.
Para o presidente da Academia Paulista de Direito Criminal, Romualdo Calvo Filho, o aumento de traficantes presos ocorreu porque se ganha mais dinheiro traficando drogas do que roubando.
"O tráfico é um crime 'light' porque não tem violência. Ao contrário do roubo, que o criminoso corre mais riscos e ganha menos", disse.
Ex-diretor do Denarc (departamento de narcóticos de São Paulo), Marco Antonio de Paula Santos diz que a mudança no perfil dos presos pode ter relação com a melhora das investigações e com a expansão do narcotráfico.
"Ladrões de banco e sequestradores acabaram migrando para o tráfico porque ele é menos arriscado e muito mais vantajoso", disse.
Já o coordenador do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, Renato De Vitto, diz que o motivo é o excesso de encarceramento.
"Prender por tráfico é uma tendências internacional. Os países seguem a linha dos EUA e acabam prendendo mais do que precisa. No Brasil, isso influenciou no surgimento de facções criminosas", afirmou.
MULHERES
Um dado que chama atenção é que a metade das mulheres que estão presas foram detidas por tráfico. O motivo, segundo policiais, é que elas são usadas pelos companheiros para transportarem a droga, e acabam sendo pegas.
Com a maior população carcerária do país, São Paulo é um dos Estados que mais prendem por tráfico. Quase 30% dos 180 mil presos estão detidos por esse motivo.
Prisões atendem à sociedade, diz magistrado
'É uma resposta ao berreiro geral que diz que a polícia prende e o Judiciário solta', afirma desembargador do TJ paulista
Segundo especialistas, decisão do Supremo que permite liberar preso em flagrante por tráfico não terá efeito imediato
DE SÃO PAULO
A decisão do Supremo Tribunal Federal que permite que traficantes presos em flagrante respondam em liberdade enquanto aguardam julgamento pode não ter reflexo imediato na diminuição da superlotação das cadeias.
Isso porque a cultura jurídica do país é conservadora, de acordo com especialistas ouvidos ontem pela Folha.
"Temos uma Justiça muito conservadora e rigorosa quando se trata de tráfico de drogas", afirma o defensor público Renato De Vitto, coordenador do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.
Segundo ele, decisões anteriores do STF, como a que impediu o uso de algemas durante os julgamentos dos réus, nem sempre surtem efeitos. "Infelizmente, ainda temos juízes de primeira instância que deixam o réu algemado durante todo o julgamento, o que foi proibido."
O desembargador Antonio Carlos Malheiros, coordenador da área da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça de São Paulo, que atuou ativamente na última operação da Prefeitura de São Paulo e da Polícia Militar na cracolândia, concorda com ele.
"Há um endurecimento diante da prática infracional. Isso é uma resposta a um berreiro geral da sociedade, que diz que a polícia prende e o judiciário solta", afirma.
A opinião é a mesma de Luciana Boiteux, professora de direito penal e coordenadora de um grupo de pesquisas sobre políticas de drogas e direitos humanos da UFRJ (Universidade Federal do Rio).
"A cultura jurídica tende a ser conservadora em relação a prisões cautelares. Mas [a decisão] é um incentivo para inverter a lógica", diz.
Luciana coordenou uma pesquisa, publicada em 2009, que analisou mais de 700 sentenças expedidas entre outubro de 2006 e maio de 2008 no Rio e no Distrito Federal.
O levantamento constatou que a maioria era presa com pequena ou média quantidade de drogas, estava desarmada e era ré primária.
Muitos são casos de usuários de droga que vendem drogas para manter o vício.
"A polícia prende os que estão estão na linha de frente e são o elo mais frágil."
O reflexo disso, diz ela, é que se prende cada vez mais pessoas, mas o tráfico continua porque os grandes traficantes não são presos.
Na cidade de São Paulo, a polícia estima que em 20 minutos um pequeno traficante preso é substituído por outro.
Frase
"Temos uma Justiça muito conservadora e rigorosa quando se trata de tráfico de drogas"
RENATO DE VITTO
defensor público e coordenador do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais
Análise
É cedo para dizer se decisão do STF vai mudar política de drogas
MUITOS ACREDITAM QUE COM O TRÁFICO NÃO SE CONTEMPORIZA; JÁ OUTROS CONSTATAM QUE A REPRESSÃO FRACASSOU
JOAQUIM FALCÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA
A legislação brasileira dizia que acusado de tráfico de droga tinha que ficar preso durante todo o processo do julgamento. Anos, às vezes.
O Supremo Tribunal Federal julgou-a inconstitucional anteontem. Todos têm direito a responder processos em liberdade, desde, é claro, que não represente risco para a sociedade e para o processo.
Afinal, o acusado pode vir a ser absolvido. Não deve ser penalizado de antemão.
Essa recente decisão dos ministros vai beneficiar milhares de jovens acusados de tráfico de droga, mas que eram apenas consumidores ou pequenos traficantes.
Os anos de cadeia os transformariam em criminosos.
Pesquisas realizadas em São Paulo, Rio e Brasília mostram que 60% dos que estão presos por tráfico de drogas são réus primários e sem ligação com o crime organizado.
Prendê-los é pior, pois quando saem, já estão ligados ao crime organizado.
Decisão polêmica. Muitos acreditam que com o tráfico ou consumidores de droga não se contemporiza. Na dúvida, a repressão máxima. Outros constatam, como a ONU, que na famosa guerra as drogas, a repressão máxima fracassou. O tráfico e consumo de drogas não para de crescer. É repressão ineficiente. Há que mudar.
Muitos de nossos juízes ainda aplicam a repressão máxima. Uma decisão do Supremo Tribunal Federal de 2010 permite que o juiz aplique penas alternativas para o pequeno traficante. A decisão não prosperou. Pesquisa da USP mostra que em 95% dos casos os juízes não a aplicam.
A decisão do Supremo refere-se a apenas um caso. O fundamento foi o direito de defesa, e não a revisão da política de drogas. É cedo para afirmar se o Supremo vai estimular novas políticas como, por exemplo, a reeducação, o tratamento e a descriminalização da maconha. Ou se vai prevalecer a interpretação a favor da repressão máxima.
JOAQUIM FALCÃO é professor de direito constitucional da FGV Direito-Rio
Sei que são vários textos, mas tirei tudo que era referente a tal pesquisa