Venda de produtos para cultivo de maconha em casa cresce na Argentina
LÍGIA MESQUITA
DE BUENOS AIRES
Da vitrine se avistam vasos, adubo, ferramentas para mexer na terra e
pesticidas. Para os desavisados, pode parecer uma loja de jardinagem.
Mas basta entrar e ver a imagem da Monalisa com um cigarro de maconha na
mão e um exemplar do DVD "O Uso Medicinal da Cannabis" para saber que o
jardim a que se dedica a 420 (CuatroVeinte) é de outro tipo.
A loja, localizada em uma galeria no bairro Belgrano, é uma das 20 "grow
shops", espaços destinados à venda de produtos para o cultivo de
maconha, que existem em Buenos Aires. Na Argentina, o número chega a 50.
O dono, Bruno Aristarain, 32, músico, DJ e diretor de cinema e
publicidade, cultiva sua própria maconha há 11 anos. Em 2009, depois de
uma viagem a Amsterdã, onde a droga é legalizada, resolveu abrir a 420.
"Estava cansado de fumar a maconha prensada, que é ruim, e não queria
dar dinheiro para o tráfico. Aí comecei a plantar", conta ele, filho de
Adolfo Aristarain, respeitado cineasta argentino. "Aqui eu junto as duas
coisas que gosto, o cultivo e o trato com as pessoas. Consigo ganhar um
bom dinheiro, me manter com esse negócio."
Vitrine da loja Basta de Lobby, no bairro de Palermo, Buenos Aires (Kristina Gueraskina/Folhapress)
No país, o cultivo e o consumo de maconha são ilegais, com pena de 4 a
15 anos de prisão. Mas as lojas, registradas como de acessórios de
jardinagem ou tabacarias, são permitidas desde que não vendam sementes
da planta.
Para solucionar esse problema da operação é preciso recorrer a lojas
on-line da Espanha e da Holanda, que enviam as sementes por correio.
"Isso quando o carteiro não rouba [risos]! Já aconteceu comigo", diz
Aristarain.
O aumento do comércio voltado ao cultivo de maconha, segundo os donos
das lojas visitadas pela Folha, se deve ao fato de que muitos usuários
estão perdendo o medo à medida que têm mais informação.
A procura por informações alimenta a área editorial. O país já tem duas
revistas especializadas no tema, vendidas em banca: "Haze", com tiragem
de 10 mil exemplares, e "THC", com 30 mil.
Um dos colunistas da "Haze" e editor da versão brasileira da publicação é
o baiano Eduardo "Camarón", 35, que vive na Argentina desde 1989 e
mantém cinco plantas da droga em casa.
"A maior parte dos leitores quer saber como começar a cultivar, quais as melhores sementes, como cuidar da planta", conta.
As lojas também dão dicas para os clientes não serem denunciados, como
saber exatamente onde plantar e não divulgar que possui uma planta em
casa. O alerta máximo, segundo a vendedora Florencia Larrosa, da 420, é
ficar de olho nos vizinhos.
Eduardo 'Camarón' com maconha que cultiva em casa, em Buenos Aires (Kristina Gueraskina/Folhapress)
O empresário Javier Marcheggiano, 36, planta maconha há 12 anos e nunca teve problema com a vizinhança.
Há cinco meses, inaugurou a segunda unidade da Olivos Grow. Vende, entre
outras coisas, fertilizantes, pesticidas orgânicos e estufas sob medida
para cultivo "indoor", dentro de casa, usando, por exemplo, um
guarda-roupa. Um modelo em madeira com lâmpadas específicas --as plantas
precisam de luz artificial para crescer-- sai por 4.000 pesos (R$
1.672).
"Pago imposto, dou emprego. Tenho três filhos e quero ter a felicidade
de dizer, quando crescerem e decidirem fumar maconha, que livrei três
pessoas do tráfico", diz.
Outro argentino que já conta com duas lojas "grow" em Buenos Aires é
Ignacio Goyret, 36. Em 2009, ele abriu as portas da Basta de Lobby em
Nuñez. Dois anos depois, chegava a Palermo Soho. "O cultivo cada um faz
na sua privacidade. Não há apologia. A maconha é uma flor, não é algo
perigoso", diz.
A legalização, para Goyret, não é algo que só o Uruguai, que teve a lei
aprovada na Câmara de Deputados, pede. "É um pedido global, uma questão
cultural. Não quero que me tratem como delinquente porque tenho uma
planta."
Fonte: Folha de SP (http://folha.com/no1333688)