Anteprojeto proposto por juristas permite até o cultivo da maconha(Fotógrafo Divulgação)
Propostas de alteração do Código Penal Brasileiro que ampliam a permissão para abortos, reduzem a pena a quem tirar a vida de pacientes em estado terminal (eutanásia), liberam o transporte de entorpecentes e até autorizam plantação de maconha dividem opiniões de juristas, religiosos e autoridades. Considerradas liberais, estas e outras mudanças no anteprojeto foram montadas por uma comissão especial de 15 juristas considerados de “notório saber” e recebidas esta semana pelo Congresso.
Para entrar em vigor, as alterações deverão ser votadas na Câmara dos Deputados e entre os próprios senadores. Depois, terá de ser sancionado pela presidente Dilma Rousseff. O volume possui mais de 500 páginas e condensa a proposta de alteração e suas justificativas. O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Dipp presidiu Comissão Especial de Juristas.
Em caso de aprovação, a liberação do aborto - permitido em caso de anencefalia, estupro e risco de vida da gestante - será ampliada também quando médicos ou psicólogos constatarem que a mulher não apresenta condições psicológicas para seguir com a gravidez. Esse atestado, no entanto, deve ocorrer até a 12ª semana de gestação.
Sobre a liberação do transporte e facilitação do consumo de drogas, o projeto impõe como condição a comprovação de que será exclusivamente para uso pessoal, em quantidade suficiente para, no máximo, até 5 dias de consumo. Vale tanto para transportar (a cocaína e o crack, por exemplo), semear, cultivar, colher e estocar (no caso de drogas como a maconha).
O promotor criminal Antonio Ganacin é contra uma série de alterações propostas. Entre elas, a liberação do aborto. “Eu sou a favor do aborto nas medidas que hoje estão em vigor. Liberar da forma como foi proposto é quase que legalizar em qualquer situação. Quem vai atestar a capacidade psicológica da paciente?”
Sobre a liberação do transporte e consumo da droga para uso pessoal, o promotor é contrário. “Sou contra a liberação, mas já está praticamente em vigor porque a pena é branda.” Ganacin também critica a criação da tipificação de crime de homofobia. De acordo com ele, a pena é alta e impraticável. “No código é uma coisa, mas na prática é outra, se a pena fosse mais branda, talvez surtisse mais efeito, mas certamente o Supremo não irá permitir que uma pessoa fique presa cinco anos por esse crime”, explica.
Ponto da proposta aplaudido pelo promotor é a possibilidade de barganha, ou seja, o advogado da parte pode entrar em acordo com o promotor para decidir a pena antes da audiência de instrução e julgamento. “Imagine uma hipótese: duas pessoas são acusadas de tráfico, uma delas é presa e a outra foge. O que foi preso pode colaborar com a investigação e o próprio promotor fazer acordo para diminuir a pena”, afirma.
No entanto, segundo Ganacin, a reforma do código é, de maneira geral, importante. “A comissão de juristas foi muito bem escolhida e deve trazer bons resultados, apesar de eu ser contra a algumas alterações.” Já a presidente da OAB de Rio Preto, Suzana Quintana, vê como positiva a liberação do aborto para mulheres que não se sentem psicológicamente capazes de continuar com a gravidez. Para ela, essa é uma forma de impedir o aborto clandestino, muito praticado.
“Apesar de ser crime, muitas mulheres fazem o aborto de forma clandestina e acabam morrendo.” Suzana concorda com a descriminalização do porte, transporte e cultivo de droga para consumo próprio também. “O legislador está apenas atualizando a lei. Atualmente você pode consumir, mas não pode comprar e nem plantar. Oras, de que maneira essa pessoa vai obter a droga para consumo se não for comprando ou plantando?
Já o padre Ernesto Pedro de Oliveira Rosa, da paróquia Nossa Senhora do Brasil, é contra o que ele classifica como “banalização do porte de drogas”. Segundo ele, a liberação do consumo é um incentivo à prática de crimes e falta de amor ao próximo. “Para que liberar algo que sabemos ser tão nocivo ao ser humano?”O padre também critica a liberação do aborto. “Sou contra a permissão em qualquer hipótese. Respeito a vida.”
O promotor criminal José Heitor dos Santos também critica a redução da pena para quem comete a eutanásia. Segundo ele, a pena de dois a quatro anos pode fazer com que alguns juízes perdoem o criminoso. “Se for aprovada dessa maneira, é a mesma coisa de autorizar o Estado ou alguém a matar. Não somos capazes de decidir sobre a morte de alguém. Quem define o que é estado terminal?”, indaga.
Com relação à tipificação dos crimes de homofobia, perseguição e bullying, o promotor é favorável. “Nosso código penal já é um idoso e precisa se atualizar. Esses crimes não eram tão comuns naquela época. Essa atualização é importante para o avanço da sociedade”, avalia o promotor.
Para Suzana, a tipificação da homofobia é bem vista. “Já passou da hora de tornar crime. Todo preconceito deve ser combatido”, conclui.
Outra alteração proposta pela comissão de juristas é o endurecimento da Lei Seca. Caso seja aprovado, o texto não prevê a tolerância de 6 decigramas de álcool por litro de sangue e também passa a acatar toda forma de prova, como vídeos, fotos e o relato policial. Para o promotor José Heitor, essa é uma grande mudança, que vai endurecer a lei e punir com mais rigor criminoso. “Se a pessoa vai dirigir. tem que estar com todos os seus sentidos muito bem apurados e já sabemos que o álcool não permite isso”, diz.
Reportagem: Victor Augusto
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