Um fenômeno semelhante ao percebido nas cadeias gaúchas se repete dentro
das unidades da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase): o
aumento brusco, em poucos anos, de internos envolvidos com o tráfico de
entorpecentes.
O número de adolescentes internados cumprindo
medida socioeducativa por envolvimento com a venda de drogas cresceu
192% entre março de 2008 e março deste ano (de 51 adolescentes para
149), segundo dados da Secretaria da Justiça e dos Direitos Humanos. No
mesmo período, o total de internos da Fase caiu 19,3%.
Para
especialistas e autoridades, o aumento está relacionado à penetração do
mercado ilícito em comunidades pobres que mudou também a situação nos
presídios. Conforme dados da Superintendência dos Serviços
Penitenciários (Susepe), no final de 2008, um em cada três (33%)
detentos estava na cadeia por tráfico. Em junho passado, o número chegou
a 60% do total de presos.
— O tráfico recruta adolescentes para
funções na ponta da rede. Além de vender entorpecentes, eles são
responsáveis, muitas vezes, pelas execuções de integrantes de grupos
rivais — explica o delegado Heliomar Franco, coordenador de
investigações do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfco
(Denarc).
Se mantida a tendência, em breve o tráfico será a
principal causa de internação de adolescente. Em 2008, era o quinto
motivo, agora já é segundo, perdendo apenas para o roubo. Apesar de
continuar no topo da lista, no entanto, o crime contra o patrimônio com
uso da violência segue caminho inverso: hoje são 354 internos na Fase
contra 538 em 2008, redução de 34%.
— Penso que exista uma certa
migração do roubo para o tráfico, pois o adolescente acredita correr
menos risco e o resultado em termos de ganhos é mais previsível —
acredita o juiz Angelo Furian Pontes, que atua no projeto Justiça
Instantânea no Departamento Estadual da Criança e do Adolescente (Deca).
O
índice se torna ainda mais expressivo quando se leva em consideração o
fato de que o Judiciário gaúcho tem seguido uma orientação do Superior
Tribunal de Justiça (STJ) que desaconselha a internação do adolescente
na primeira vez que for flagrado vendendo drogas. Com exceção de casos
onde o adolescente está envolvido também em outros atos infracionais,
como porte de arma, os magistrados tendem a se guiar pela súmula 492 do
STJ, de agosto do ano passado. A adoção da súmula freou o ritmo de
crescimento de internos por tráfico, que chegou a 226 adolescentes em
abril do ano passado.
— Damos uma chance para ele pensar no que
está fazendo. É um divisor de águas. Explicamos que, na próxima vez, ele
será internado, no mínimo, por 45 dias — explica Pontes.
Convicto
de que o tráfico se tornou uma opção ilícita de renda em comunidades da
periferia, o magistrado explica que a maioria das audiências que conduz
com infratores é por envolvimento no comércio de entorpecentes. Na
segunda-feira passada, por exemplo, das 20 audiências com adolescentes,
oito eram por suspeita de tráfico, duas por posse de entorpecentes e
duas por homicídios relacionados a disputas por bocas de fumo.
— A
primeira vez que chegam aqui, eles parecem não ter muita noção do que
está acontecendo. Acreditam no "não vai dar nada" — conta o juiz.
Mesmo
sem uma estatística precisa, o magistrado estima que boa parte dos
adolescentes acaba retornando à sala de audiência meses depois. Em
alguns casos, envolvidos com crimes mais graves como homicídios.
— A maioria dos casos de homicídios cometidos por adolescentes é relacionada à disputa entre quadrilhas — conta o juiz.
O
dia a dia do magistrado indica ainda o perfil cada vez mais juvenil dos
cooptados pelo tráfico. Segundo o juiz, são adolescentes pobres que
abandonaram a escola com idades entre 14 e 15 anos, alguns portando
armas:
— Um garoto de classe média, quando para aqui (unidade da
Fase), é, geralmente, por bullying. E mesmo assim é um em cada 50, 60
infratores. Adolescente no tráfico é um problema de segregação social —
avalia o magistrado.
A posição é compartilhada pelo professor do
Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFGRS), Juan Mario Fandiño Mariño. Segundo o doutor em
Sociologia, o tráfico acaba por oferecer a adolescentes excluídos uma
oportunidade ilícita de ganhos.
Com isso, o narcotráfico teria se tornado o principal impulsionador da criminalidade nas últimas duas décadas no Brasil.
Para
o professor de Direito Penal da Pontifícia Universidade Católica
(PUCRS) Rafael Canterji, o crescimento no número de internações por
tráfico indica que a estratégia de combate ao narcotráfico não é a mais
correta.
— O Estado permaneceu inerte por anos, permitindo que a
criminalidade ocupasse os espaços físicos e preenchesse a vida dos
jovens. Reverter a situação demandará investimentos sociais cujos
resultados podem demorar a aparecer, mas não há alternativa. Quanto mais
insistirmos apenas em repressão, mais espaço perderemos e mais
violência geraremos — avalia. Um programa que ajuda a reduzir retorno para a unidade
Por
trás da queda de 19% no número de internos da Fase está a combinação de
duas medidas. Uma judicial — a adoção da súmula do STJ que sugere a não
internação no primeiro flagrante por tráfico — e outra de
acompanhamento após a internação.
Criado durante o governo de
Yeda Crusius, o programa de acompanhamento de egressos da fundação foi
ampliado pelo atual secretário da Justiça e dos Direito Humanos, Fabiano
Pereira. A proposta é simples: ao terminar o tempo de internação, o
adolescente pode optar por continuar sendo acompanhando pelo Estado por
mais um ano.
— Neste período, ele tem a chance de fazer cursos
profissionalizantes e trabalhar como aprendiz, por exemplo. Ele ganha
metade um salário mínimo, descobre que pode ter um futuro diferente —
explica o secretário.
Além do trabalho, ele continua recebendo atendimento psicossocial durante o período.
—
Todo mundo que retorna para casa, quer retornar bem. Tem de estar com a
autoestima alta, com boas perspectivas de futuro. No caso dos
envolvidos pelo tráfico, eles precisam ter uma alternativa viável,
concreta de trabalho — ressalta Pereira.
Os resultados chamam a
atenção. Dos adolescentes que aceitam ser acompanhados neste programa,
apenas 9,5% voltam a cometer atos infracionais. O índice, geralmente,
oscila no Brasil, ficando entre 70 e 90%.
A aposta na ideia é bem vista pelo professor de Direito Penal da Pontifícia Universidade Católica (PUCRS) Rafael Canterji:
—
Começamos a ter oportunidade de retirar jovens da criminalidade quando o
Estado neles investir. Os resultados aparecem, nem sempre em curto
prazo, mas não há outra alternativa — argumenta o professor.
FONTE: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/policia/noticia/2013/06/triplica-o-numero-de-internos-por-trafico-de-drogas-no-estado-4157739.html