O SR. RENATO CINCO – Boa tarde Sra. Presidente, Sras. e Srs. Vereadores.
Eu queria retomar o debate que tem sido feito no dia de hoje sobre a
questão das drogas, e eu queria começar esse debate tentando fazer uma
reflexão a respeito do tema, para além da conjuntura, num primeiro
momento. A gente precisa discutir o que são as drogas, o que é essa
categoria? O que é a droga? Quando a gente fala de droga, a gente fala
de quê? Porque algumas pessoas entendem que drogas são as substâncias
ilegais, inclusive a nossa legislação diz isso, que drogas são
substâncias que são listadas como substâncias ilegais. Outras pessoas
acham que drogas são substâncias feitas pela indústria farmacêutica e
que as substâncias naturais não seriam drogas, maconha não é droga
porque é natural, droga é o que vem da indústria farmacêutica.
Se usarmos o conceito da Organização Mundial de Saúde, vamos entender
que droga é toda substância que altera o funcionamento do nosso corpo.
Isso é droga.
Então, quando falamos de droga estamos falando
não só, como lembrou Tio Carlos em sua intervenção, das drogas ilícitas,
mas também das drogas lícitas. Mas chamo atenção para o fato de que não
são só as licitas óbvias como cigarro e álcool. Existem drogas lícitas
que são desconhecidas da população. Pouca gente considera que o açúcar é
uma droga. Pouca gente considera que a cafeína é uma droga. E todas
essas substâncias podem trazer riscos para a saúde das pessoas.
Eu quis começar a discussão assim para chamar a atenção para o
seguinte: se a definição de droga é essa que citei, então as drogas não
são proibidas. Algumas drogas são proibidas. E por que algumas drogas
são proibidas? Essa questão é muito importante.
As drogas
começaram a ser proibidas no século XIX, no início do século XX, e essa
memória, parece, se perdeu. Hoje é muito comum as pessoas acreditarem
que algumas drogas foram proibidas porque eram mais perigosas do que as
outras drogas. E não teve nada disso! A história da proibição das drogas
é mais um capítulo da história do racismo no Brasil e no mundo. Aliás, a
Cidade do Rio de Janeiro foi a primeira cidade no mundo a proibir a
maconha. Em 1830, foi publicada uma postura municipal da Cidade do Rio
de Janeiro que proibia o Pito do Pango – como era conhecido fumar
maconha na época. Sabe como essa lei foi escrita? Ela dizia assim: é
proibido aos escravos e a outras pessoas o Pito do Pango. A letra da lei
já mostra o seu caráter racista.
A primeira delegacia de
polícia responsável por reprimir o uso de maconha no Brasil também
encontrava-se na Cidade do Rio de Janeiro. Chamava-se Inspetoria de
Tóxicos e Mistificações. O mesmo delegado de polícia era responsável por
prender o maconheiro, por prender o sambista, por prender o
capoeirista, por prender o pai de santo. Era a cultura negra que estava
sendo criminalizada pela república recém-instalada no país. E foi nesse
contexto que a maconha foi proibida.
Os médicos e os diplomatas
brasileiros militaram internacionalmente para que a maconha fosse
incluída no rol das substâncias proibidas, a partir das conferências de
1901. E o argumento dos médicos e dos diplomatas brasileiros eram coisas
do gênero: “A prova de que a maconha faz mal à saúde é que os negros
são débeis mentais, porque fumam maconha. A maconha foi a vingança dos
negros contra a escravidão. Os brancos escravizaram os negros e os
negros, para se vingar, ensinaram os brancos a fumar maconha.” Essas
duas aspas que realcei agora foram discursos das nossas delegações nas
conferências internacionais sobre as drogas.
E até hoje é
assim. Hoje, não existe mais, depois dos movimentos contraculturais dos
anos setenta, o gueto das drogas, como existia antes. Não podemos
afirmar mais hoje que a maconha é a droga dos negros, ou que a cocaína é
a droga dos ricos. Isso tudo se misturou. Mas o nosso sistema policial e
o nosso sistema judiciário continua punindo apenas os usuários e os
traficantes que são oriundos das classes populares. Se no início a
perseguição às drogas era claramente um instrumento do racismo, hoje a
proibição das drogas é um instrumento de criminalização da pobreza.
Porque, em determinadas regiões da nossa cidade, sob o argumento de
procurar drogas e armas, viola-se a constituição, e não existe o direito
das pessoas da inviolabilidade dos seus domicílios! Mas em outros
bairros da cidade, não! A política de drogas não leva a uma ocupação
militar do Leblon, nem de Ipanema, em busca de drogas e armas. E tenho
certeza de que se fizesse, em Ipanema e Leblon, o que se faz no Complexo
do Alemão, iríamos encontrar, sim, muitos traficantes, muitas armas e
muitas drogas. Então, até hoje a proibição serve fundamentalmente a um
instrumento de perseguição de determinados grupos sociais. Não existe
nem no Brasil nem no mundo uma política que seja efetivamente uma
política de defesa da saúde das pessoas, dos malefícios que as drogas
podem trazer.
Sobre o que vem acontecendo recentemente no Rio
de Janeiro, desde 2011, com a política de internação compulsória, falei
isso tudo até agora porque é importante para compreendermos o que
acontece em nossa cidade. Porque a imprensa, o Executivo e muitos
parlamentares fazem discurso como se o crack fosse o principal problema
de saúde pública em relação às drogas na cidade do Rio de Janeiro e no
Brasil. E não é. Se considerarmos apenas as drogas que têm efeito
psicoativos, o álcool é o campeão dos problemas de saúde. Então, essa
política da prefeitura, em primeiro lugar, está equivocada ao focar no
crack. Em segundo lugar, está equivocada ao focar em um tipo de usuário,
que é o usuário que está nas ruas. Não temos uma política municipal de
drogas eficaz porque não temos uma política municipal de drogas que
tenha como objetivo atender ao conjunto da população que desenvolve o
uso problemático de drogas, e não apenas as crianças, adolescentes e
agora adultos em situação de rua. Quando defendemos a instalação dos CAP
AD, aliás, a ampliação da rede de CAP AD, até trinta CAP AD na cidade
do Rio de Janeiro, o que estamos fazendo não é absolutamente um discurso
irresponsável de criticar a internação compulsória dizendo que não tem
que fazer nada, como algumas pessoas já estão nos acusando. Não.
Queremos que se faça o que tem que ser feito, que é muito além de
internação compulsória e que é muito além de conseguir vagas para
internação. Esta Casa, para debater esse assunto com seriedade, tem que
estudar as experiências em volta do mundo. O que vem conseguindo reduzir
o uso de drogas pelo mundo é a instalação justamente desse tipo de
política com uma rede básica de saúde mental à disposição da população,
para que a população possa conseguir se tratar quando houver
necessidade. E aí toda a população, não apenas morador de rua, mas
também o filho da classe média e os filhos das elites. Todos precisamos,
toda a sociedade precisa que essa rede seja instalada. Os usuários que
estão em situação de rua têm que ser atendidos pelos consultórios de
rua. Esse mecanismo precisa existir, até para que quando a internação
for necessária seja feita de maneira adequada, seja feita em função de
uma política de tratamento daquele indivíduo, e não em função de uma
política de espetáculo da prefeitura, ou de higiene social de nossas
ruas. Quero então, fazer um chamado a todos os colegas para que
consigamos fazer esse debate para além dos tabus e dos preconceitos. Não
estou aqui defendendo a ampliação da rede de CAP AD porque defendo a
legalização da maconha, ou a legalização das drogas. Eu estou aqui
defendendo a ampliação da rede de CAP porque esse é o instrumento
adequado, é o instrumento eficaz, é o que pode fazer com que tenhamos
realmente uma política pública de enfrentamento do problema das drogas.
Sobre a operação da prefeitura – trinta segundos para eu concluir – na
madrugada passada, fiz uma série de requerimentos de Informações para
ter a ciência dos detalhes da operação. Porque aparentemente a
prefeitura, dessa vez, se preocupou em ter o mínimo de legalidade em sua
ação e levou médicos para fazerem laudos dos pacientes. Mas, mesmo
assim, precisamos saber, com detalhes, como essa operação aconteceu,
para que possamos saber, realmente, se a legalidade dessa vez foi
respeitada. No caso das internações compulsórias que aconteceram até
anteontem, não existe base legal alguma para as crianças e adolescentes
terem sido internadas.
Obrigado.
Fonte: Facebook