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  1. Não é o primeiro e nem será o último artigo que vou postar desse cara aqui, muito orgulho de tê-lo em tão importante função na cidade de Curitiba, amigão do peito http://oesquema.com.br/penselivre/2013/09/24/coragem-e-serenidade-para-levar-o-brasil-da-coercao-a-coesao/ 24 de setembro de 2013 às 16h45 Coragem e serenidade para levar o Brasil da coerção à coesão Diogo Busse * Vivemos um momento único no que se refere à Política Sobre Drogas Nacional. Na última quinta-feira (19), foi divulgada a mais ampla e precisa pesquisa já desenvolvida sobre o perfil dos usuários de crack no Brasil. O estudo trata a maior carência da atual discussão e formulação de políticas públicas sobre drogas: a falta de dados e de estatísticas embasadas em metodologias científicas sérias e confiáveis. A pesquisa foi desenvolvida pela Fiocruz, com uma metodologia inédita no país, elaborada por pesquisadores da Universidade de Princeton, nos EUA. O levantamento traz uma quantidade muito grande e aprofundada de informações, principalmente qualitativas – que dizem respeito ao perfil dos usuários -, que ainda estão sendo analisadas. Mas já é possível fazer algumas importantes reflexões. A grande maioria dos usuários de crack do país (quase 80%) deseja receber tratamento. O tempo médio de uso é de oito anos e, contrariando o senso comum, a região de maior prevalência não é o Sudeste, onde as “cracolândias” impressionam, mas o Nordeste, onde o uso é pulverizado e a desigualdade social mais evidente. Isso quer dizer que políticas públicas baseadas em internação involuntária são desnecessárias e que os usuários de crack não morrem em dois ou três anos, como se imaginava. Por isso, é preciso focar em ações de redução de danos que procurem humanizar o cuidado com essa população em extrema vulnerabilidade, integrando-a na rede de serviços mais básicos da administração pública. É possível inferir também que os problemas relacionados ao uso do crack são complexos e estão presentes muito antes do uso ter iniciado. No último blueprint apresentado pela Drug Policy Alliance, o resumo dos resultados indica que “a maioria das abordagens atuais para o uso de drogas tendem a intervir no nível do indivíduo, sem levar em conta o contexto ambiental maior, comunitário, familiar e econômico que contribuem para o uso prejudicial da droga”. De acordo com a publicação, não precisamos de “tolerância zero”. Muito pelo contrário, “no lugar de tolerância zero, precisamos de sistemas e suportes que ajudem as pessoas com o uso problemático de drogas a minimizar os problemas e diminuir os danos associados a esse uso. (…) Nossas políticas de drogas não devem ser impulsionadas pelo julgamento moral, mas pelo objetivo de melhorar a saúde e a segurança dos indivíduos, famílias e comunidades”. Dois cientistas contemporâneos, o psiquiatra e especialista em neurofarmacologia britânico David Nutt, e o pesquisador da Universidade de Columbia, em Nova Iorque, Carl Hart, realizaram pesquisas que apontaram como fator principal para o uso do crack questões ambientais. Em um recente artigo publicado no The New York Times, Nutt afirmou que “a dependência possui um elemento social que é amplificado por ociedades com poucas oportunidades de trabalho e de satisfação pessoal”. Sabendo disso, por que ainda insistimos em políticas públicas focadas na eliminação das drogas? Carl Hart atribui este falido foco de enfrentamento à conveniência: “é muito mais fácil para os políticos e jornalistas se concentrarem nos malefícios da droga, do que lidar com os problemas sociais por trás do uso”. Infelizmente, é exatamente esse o conveniente tom do debate que presenciamos atualmente no Congresso Nacional brasileiro, onde tramita um projeto de lei que vai na contramão da pesquisa divulgada pela Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas (Senad) e das mais recentes discussões na comunidade científica internacional. No dia 10 deste mês, foi realizada uma audiência pública na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal, para instruir o Projeto de Lei da Câmara (PLC 37/2013) que dispõe sobre o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas. Na oportunidade que teve de se pronunciar, o deputado autor do projeto, Osmar Terra, lançou o seguinte uestionamento: “como se diminui uma epidemia”? Para o parlamentar, a resposta é que devemos “retirar o vírus de circulação”. Esta afirmação é chocante. O vírus a ser eliminado seria a droga ou o usuário de drogas? De qualquer maneira, tanto uma quanto a outra forma de se encarar os problemas relacionados ao uso de drogas são evidentemente equivocadas. O projeto em discussão mantém a criminalização do usuário de drogas, prevê aumento da pena para traficantes, sem diferenciá-los dos usuários, e institui a internação involuntária de dependentes como prática básica. É preciso que nos mobilizemos contra essa falsa ideia de que a arena adequada onde se deve tratar o tema das drogas é o Direito Criminal, porque todos estão pagando este custo. Não há nada mais insano do que encaminhar um usuário de drogas para o sistema penitenciário. Além de ser muito mais caro para o Estado, estamos formando criminosos que, antes de serem estigmatizados quando encaminhados ao sistema prisional, eram seres humanos que resolveram fazer uso de alguma substância por infinitas e imprevisíveis razões, que não dizem respeito ao Direito Penal. Enquanto se discutia o retrógrado projeto de lei no Senado, os mais renomados e bem sucedidos especialistas do assunto no mundo participavam, também em Brasília, do “Simpósio internacional sobre drogas: da coerção à coesão”. Na carta da comissão organizadora entregue aos participantes, se defendia uma ideia que me parece muito mais séria e honesta do que as propostas apresentadas no Congresso Nacional brasileiro. Os organizadores defendem “a mudança de uma abordagem coercitiva para uma abordagem que valorize a construção de espaços de coesão social, o que requer o enfrentamento de uma série de problemas sociais como a violência, corrupção, desemprego, a cobertura dos sistemas de saúde, educação incipiente, encarceramento crescente, dentre outros”. No simpósio, um dos grandes exemplos contemporâneos de política sobre drogas inteligente, Portugal, estava representado pela palestrante Paula Vale de Andrade, que afirmou que, no seu país, “a grande virada não se deu quando se deslocou o tema das drogas para a saúde pública, mas quando ele se tornou assunto do primeiro ministro”, obrigando, consequentemente, todos os outros ministros a se envolverem com o problema. Em outras palavras, os gestores portugueses tornaram os problemas relacionados ao uso de drogas uma prioridade de governo. Paula mostrou em sua exposição os resultados dessa corajosa iniciativa: em 1997 as drogas eram a preocupação nacional número um dos portugueses. Atualmente aparecem como a 15ª da lista. Trata-se da mesma recomendação proposta pelo Diretor-Executivo da Drug Policy Alliance, Ethan Nadelmann, com quem estive recentemente em Nova York, que tem sugerido a implantação de uma multi-agência que consista em um mecanismo transetorial para analisar as políticas municipais. Outro exemplo mundial presente no evento de Brasília foi a cidade de Praga, na República Tcheca, representado pelo seu ex-prefeito, Pavel Bém. O político tcheco apresentou a sua política de redução de danos desenvolvida ao longo dos últimos anos, que, segundo ele, não reduzem apenas os riscos para a saúde das pessoas, mas também os custos econômico-sociais do enfrentamento. Nessa linha de raciocínio, Bém afirmou que o processo de descriminalização adotado pelo seu país, além de proteger o indivíduo fragilizado, protege toda a comunidade. A aceitação de medidas como estas, contudo, demandam serenidade e seriedade do meio político que geralmente está atrás de números que possam gerar repercussão eleitoral. Conforme destacou Paulo Vannuchi logo na palestra que abriu o simpósio, “o novo suscita reação”. Diante de tantos desafios, eu não me incomodaria com o projeto de lei e com tantas propostas simplificantes para os problemas relacionados ao uso de drogas, se estas propostas não afetassem tão significativamente a minha vida. O Brasil gasta milhões com o encarceramento de pessoas que, muito em breve, retornarão ao nosso convívio ainda piores, porque o sistema penitenciário pode ser considerado qualquer coisa menos “ressocializante”. É muito confortável defender a ideia de que estaremos resolvendo o problema ao prender todos aqueles que fazem uso de drogas, mas eu me pergunto aonde chegaremos com essa política insana, que reproduz uma cultura do medo e do terror em torno das drogas, cujas raízes fogem à nossa compreensão, mas repercutem de forma muito importante na sociedade contemporânea. Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), de 2006 a 2010, mesmo após a publicação da Lei 11.343/2006, que teoricamente despenalizou o consumo de drogas, o número de presos por tráfico aumentou de 47.472 para 106.491 pessoas, ou 21% da população carcerária do país, o que representou um aumento de 124%. Apesar do cenário preocupante, existem admiráveis iniciativas que optaram pelo caminho, muito mais árduo, da genuína recuperação de pessoas que clamam por condições mínimas de existência e dignidade e da estruturação de políticas que modifiquem estas tão precárias condições ambientais a que estão sujeitas as populações de extrema vulnerabilidade. É o caso do Projeto “Ponto de Encontro”, em Salvador, que procura simplesmente olhar para os usuários de crack em situação de extrema vulnerabilidade, levando até eles alternativas culturais, educativas e redutoras de danos. Essa promoção da interação da sociedade com seus membros mais marginalizados demanda humanidade, vontade de ajudar àqueles que mais precisam e constitui caminho muito mais difícil a ser trilhado, mas que, sem dúvida, é um primeiro passo que pode levar à emancipação dessa população tão vulnerável. Mudar o foco de enfrentamento dos problemas relacionados ao uso de drogas, da segurança para a saúde pública, pode parecer uma medida simples, mas os efeitos de uma concepção como essa em toda uma nação ainda são pouco compreendidos. Será preciso coragem e muita serenidade para levarmos o Brasil da coerção à coesão. * Diogo Busse é diretor de Política Pública Sobre Drogas da Prefeitura de Curitiba
  2. O Growroom vai além do autocultivo Entrevista: Emílio Nabas Figueiredo Por Rebeca Lerer No processo de construção de um debate qualificado sobre política de drogas, a Pense Livre está conversando com especialistas, juristas, usuários, policiais, agentes de saúde e lideranças políticas para aprofundar e detalhar as propostas de mudança da Rede. Um dos pontos da agenda positiva da Pense Livre é regular o uso medicinal e o autocultivo da cannabis para consumo pessoal, como forma de romper o vínculo entre usuários de maconha e o crime organizado. Segundo a ONU, a maconha é a droga mais usada do mundo, representando cerca de 80% do consumo de substâncias consideradas ilícitas. Para entender melhor o contexto e propostas em torno do autocultivo de maconha, entrevistamos Emílio Nabas Figueiredo, advogado e consultor jurídico do Growroom.net, uma rede de usuários de cannabis que discute esta questão há mais de dez anos. O que é o Growroom, quantas pessoas participam e como funciona? O Growroom.net é um espaço de convivência de usuários de cannabis (maconha), onde cultivadores para consumo próprio trocam informações sobre a planta. O Growroom está online desde 2002 e atualmente tem 48.300 membros inscritos, dos quais centenas são ativos diariamente. Funciona como uma comunidade e plataforma de ativismo canábico, com regras rígidas de segurança e convivência, que excluem a participação de menores de 18 anos e permitem apenas a troca de informações entre seus membros. Como surgiu a ideia de criar uma comunidade como o Growroom.net? O Growroom surgiu da união de cultivadores domésticos brasileiros que frequentavam fóruns estrangeiros sobre cultivo de cannabis e sentiam falta de espaço para tratar da realidade brasileira. Nesses 10 anos de atividades, o Growroom participou ativamente da organização das marchas da maconha pelo Brasil, auxiliou na defesa de cultivadores presos através de seus consultores jurídicos, e também foi objeto de estudos acadêmicos e reportagens. Como diferenciar cultivadores de traficantes? A lei vigente diferencia o cultivo para uso próprio do cultivo para tráfico com base na expressão “pequena quantidade” e na não circulação da colheita. Porém, as autoridades não definem o que significa pequena quantidade e o que acontece é que presumem a circulação da safra no momento da prisão. E quais são as consequências disso? Primeiro, desconsideram que a cannabis, é uma planta de ciclo anual, ou seja, para ser autossuficiente, o cultivador tem que cultivar um número plantas para suprir o seu consumo até a próxima colheita, o que demora meses para acontecer. Em um cultivo com fins comerciais (para a venda), são necessárias uma extensa área de cultivo – uma verdadeira lavoura – e uma ampla estrutura de distribuição. Em segundo lugar, a “circulabilidade” da cannabis nunca é provada com investigação, a polícia simplesmente usa de sua fé pública para afirmar que a produção é destinada a terceiros ou para fins diversos do consumo próprio, o que impõe o enquadramento do cultivador para consumo próprio como traficante. O cultivadores hoje são considerados traficantes no Brasil? Hoje, o cultivador é sumariamente enquadrado como traficante pelas autoridades policiais, tem sua vida exposta na imprensa que, algumas vezes, entra em sua casa junto com a polícia. Após a prisão, as plantas apreendidas são pesadas como um todo, desconsiderando o fato de que somente as flores fêmeas são consumidas. Com isso, a quantidade de maconha informada no laudo pericial é muito maior do que a real. No fim, o cultivador é julgado e condenado como traficante, com base em denúncias anônimas e na quantidade de plantas. Qual é a proposta do Growroom para regulamentar o autocultivo de cannabis no Brasil? O Growroom vai além do autocultivo. Elaboramos uma minuta de projeto de lei onde propomos a regulamentação plena do ciclo socioeconômico da cannabis. Sugerimos a criação de uma lei específica para cannabis, considerando sua complexidade e suas substâncias intrínsecas e criando uma estrutura nova que, além de regular, também fiscaliza por meio de uma Agência Brasileira da Cannabis subordinada ao Ministério da Saúde e responsável direta pela questão. E como funcionaria este modelo? Propusemos a criação de um banco de informações da cannabis para fomentar pesquisas, divulgar informações idôneas sobre o vegetal e seus usos, desenvolver ações de prevenção e saúde e um fundo para financiar essa nova estrutura. Os recursos desse fundo viriam de uma contribuição sobre a cannabis comercializada. E como seria regulamentados a venda e o consumo da cannabis? O Growroom sugere o veto à publicidade aberta de produtos da cannabis, seu uso em locais públicos e em estabelecimentos comerciais próximos às escolas e o uso e cultivo por menores de 18 anos, exceto em caso de prescrição de uso medicinal. E o autocultivo? O autocultivo seria independente de quantidade de plantas ou de área de plantio, sendo regulado pela destinação exclusiva para consumo próprio dos adultos residentes no imóvel instalado. Em caso de comércio por quem não é autorizado, propomos penas administrativas com a cobrança de multa e dos tributos sonegados. Vocês se inspiraram em países que já regulamentaram o autocultivo? Qual o melhor modelo em prática hoje? Ao elaborar a proposta de regulamentação do Growroom, foram pesquisadas as experiências da Califórnia, Espanha e Holanda. Contudo, nenhum desses modelos nos parece ideal. Na Califórnia, só é autorizado o cultivo para fins medicinais; na Espanha, o cultivo individual e cooperativado é permitido, mas somente tem acesso à cannabis quem é membro de um Cannabis Social Club; e na Holanda o cultivo doméstico é meramente tolerado, sem haver qualquer regulamentação que dê segurança jurídica aos cultivadores. Atualmente, a expectativa é pelo inovador modelo de regulamentação que está sendo discutido no Uruguai, que embora possua um viés estatizante, possivelmente permitirá o cultivo doméstico. O cultivo doméstico de maconha pode ser parte de uma política de redução de danos? Considero o autocultivo redução de danos individual, pois o cultivador supera a figura do simples usuário na medida em que precisa esperar meses para obter seu resultado. Ao mesmo tempo, o indivíduo tem acesso a uma substância sem herbicidas ou pesticidas usados nas lavouras que abastecem as “bocas de fumo”, o que melhora sua qualidade de vida. No âmbito social, o autocultivo também pode representar uma grande redução de danos, pois aquele que cultiva deixa de fomentar o tráfico mantido pelo proibicionismo, o que significa que o dinheiro que iria para a guerra às drogas, passa a circular em meios lícitos como contas de luz e de água, ou no comércio de fertilizantes. Quais são os riscos desse modelo? Nem todo usuário tem aptidão para ser jardineiro. Por isso, além da regulamentação do autocultivo é necessária a regulamentação do acesso seguro para os demais usuários. Há também riscos pontuais, como a necessidade de uso das normas técnicas no momento da construção da estufa de cultivo indoor – uma instalação elétrica mal feita pode gerar problemas. Outro risco é em relação ao consumo da cannabis mal cultivada ou colhida de forma prematura, pois as flores jovens vêm com concentrações diferentes de canabinóides. Mas todos esses riscos podem ser minimizados com a divulgação de informações.
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