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ELISALDO CARLINI O Brasil deveria descriminalizar a maconha? O novo status da maconha SIM No século 19, medicamentos à base da maconha (Cannabis sativa L) eram disponíveis aos pacientes. Assim dizia o doutor J. R. Reynolds, médico da rainha Vitória da Inglaterra: "Em quase todas as moléstias dolorosas, eu achei a maconha ("indian hemp") a mais útil das drogas". Está escrito em famoso livro da terapêutica americana: "Cannabis é muito valiosa para o alívio da dor, particularmente aquela dependente de distúrbios nervosos..." E a maconha usada como medicamento naqueles tempos não causava "graves" intoxicações. D. S. Snyder, ao examinar a literatura médica do século 19, diz: "É marcante que muitos relatórios médicos não mencionam qualquer propriedade intoxicante da droga". Raramente existia (se é que houve alguma) indicação de que pacientes --e centenas de milhares devem ter recebido Cannabis na Europa no século 19-- estivessem "chapados" ou mudassem sua atitude em relação ao trabalho, seus semelhantes, ou sua pátria. Mas, na metade do século 20, a situação muda totalmente. "A maconha é uma droga totalmente viciante, merecendo o ódio dos povos civilizados", declarou o governo egípcio, em 1944. Na convenção de 1961, a ONU coloca a maconha, junto com a heroína, na classe das drogas com "propriedades particularmente perigosas". E a maconha passou a ser considerada "erva do diabo", satanizada que foi. Não importa discutir quais as razões, certamente pouco científicas, que levaram a tão esdrúxula situação. Mas, a partir da segunda metade do século 20, o quadro começa a modificar-se, e a maconha renasce como poderoso medicamento para certas patologias médicas. A identificação dos princípios químicos ativos da maconha, a descrição segundo a qual o cérebro humano tem "receptores" para esses princípios, a surpreendente descoberta de que o nosso cérebro sintetiza uma substância capaz de atuar naqueles receptores (como se tivéssemos uma maconha produzida pelo nosso próprio cérebro, a anandamida) e a descrição de um sistema de neurotransmissão nervosa chamado de sistema canabinoide endógeno trouxeram um novo status científico para a maconha. E mais: muitos trabalhos científicos clínicos foram feitos no mundo demonstrando claramente que a maconha tem boas propriedades terapêuticas (dores neuro e miopáticas; esclerose múltipla; náusea e vômito resultantes da quimioterapia do câncer; e mais recentemente epilepsia e dores terminais do câncer). E, ainda, recentes pesquisas epidemiológicas, seguindo milhares de usuários crônicos e até pesados da maconha, feitas em importantes universidades dos Estados Unidos e do Reino Unido, cabalmente mostram que a maconha não afeta o desempenho cognitivo, não produz ganho de peso e não está associada a efeitos adversos da função pulmonar. Como consequência final desses conhecimentos novos, Canadá, Estados Unidos, Reino Unido e Holanda já têm medicamentos fabricados à base de maconha ou seus derivados. O medicamento fabricado no Reino Unido já foi aprovado pelos Ministérios da Saúde de 13 outros países (o último a aprovar foi a França) e é utilizado clinicamente, sob receitas, em mais de duas dezenas de outros países. E todos esses fatos estão à disposição do leitor em cerca de um milhar de trabalhos científicos, sendo apoiados pelo "American College of Physician", "American Medical Association", Ministério da Saúde de Israel, Espanha, Itália etc. (para maiores detalhes, ver o trabalho de revisão "Cannabis sativa L (maconha): Medicamento que renasce?"). Até poderia ser dito que, para o opositor brasileiro do uso médico da maconha, à semelhança de uma pessoa ao ser confrontada com um documento que contradiz frontalmente sua superada convicção, declara: não li e não gostei! ELISALDO LUIZ DE ARAÚJO CARLINI, 83, é professor titular de psicofarmacologia na Universidade Federal de São Paulo e pesquisador emérito da Secretaria Nacional de Políticas sobre Droga do Ministério da Justiça http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/150228-o-novo-status-da-maconha.shtml
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MAIS EQUÍVOCOS GOVERNAMENTAIS NAS POLÍTICAS DE DROGAS... Dartiu Xavier da Silveira Diversas instâncias governamentais tem apresentado propostas de enfrentamento dos problemas relacionados a dependência química. No entanto, a grande maioria delas parte de pressupostos equivocados a respeito do tema, não conseguindo assim caminhar para a real solução do problema. Uma dessas iniciativas questionáveis seria o projeto Recomeço. Ao dependente químico seria disponibilizada a quantia de 1.350 reais mensais, durante seis meses, paga diretamente a uma instituição de internação, preferencialmente uma comunidade terapêutica. Ou seja, o primeiro grande engano é que já se determina de antemão uma estratégia terapêutica fundamentada na internação e, pior ainda, em uma comunidade terapêutica. Não existe fundamentação cientifica para se privilegiar o tratamento através de internação em detrimento de um tratamento ambulatorial. A eficácia tende a ser maior quando o dependente é atendido ambulatorialmente por uma equipe multidisciplinar (a exemplo do que ocorre nos CAPS-AD, como preconiza o Ministério da Saúde). No caso das internações, a imensa maioria dos dependentes recai logo após o seu termino. Se agregarmos as avaliações de custo-beneficio aos estudos de eficácia, chegaremos a conclusão que este é um modelo incomparavelmente mais dispendioso e menos eficaz. Isto para não mencionar outros problemas bastante graves que foram levantados nos últimos anos a respeito das comunidades terapêuticas. Embora algumas delas sejam exemplares e ofereçam um tratamento de qualidade, infelizmente são exceções. Na grande maioria das vezes, as CT são instituições precárias, com equipes mal preparadas, que utilizam métodos pouco científicos, sem preocupação com avaliação da eficácia das intervenções propostas. São geralmente modelos mistos, com forte viés moralista, sem conhecimento adequado da complexidade do fenômeno dependência. A maioria delas sequer sabe distinguir um usuário de um dependente de drogas (e precisamos lembrar que os estudos epidemiológicos do mundo inteiro nos mostram que mais de 80 % dos usuários de drogas não são dependentes e portanto, não teriam que ser submetidos a nenhuma forma de tratamento!!!). Isto sem mencionar os frequentes casos de aviltamento a que são submetidos os pacientes internados, alguns deles sofrendo tortura psicológica e mesmo física, como foi amplamente documentado por vários órgãos, inclusive pelo Conselho Federal de Psicologia. Os pontos centrais que não deveriam ser negligenciados em qualquer iniciativa de abordagem da questão: A grande maioria dos usuários de drogas não são dependentes; deve sempre ser privilegiado o tratamento ambulatorial, sem o afastamento do dependente do seu meio (menos custoso e mais eficaz); nos casos que requerem internação (menos de 20 %), esta deveria ser de curta duração (geralmente de 2 a 4 semanas apenas) e serem feitas em ambiente de hospital geral. As internações longas não contemplam as necessidades do dependente químico e, pior ainda, reeditam o inadequado modelo psiquiátrico asilar e manicomial. Diante do exposto, os governos deveriam investir esses recursos do projeto nas suas próprias estruturas de atendimento, implementando as unidades básicas de saúde e os CAPS-AD, o que talvez não resulte em mais votos mas que certamente ajudaria muito mais os dependentes de drogas. A ONU preconiza que o tratamento de um dependente químico deva ser feito preferencialmente em regime ambulatorial e que os tratamentos coercitivos (como ocorre com a imensa maioria das internações) deveriam ser considerados como equivalentes a tortura. Acho irônico que justamente quando temos na chefia de nosso atual governo federal uma pessoa que foi vítima de tortura na época da ditadura militar, sejam incentivadas medidas “terapêuticas” que os órgãos internacionais consideram como sendo formas disfarçadas de tortura(!). Texto parcialmente publicado em: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/08/1327942-internacao-de-dependentes-quimicos-e-controversa.shtml E recebido na íntegra por email diretamente do Autor.
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Venda de produtos para cultivo de maconha em casa cresce na Argentina LÍGIA MESQUITA DE BUENOS AIRES Da vitrine se avistam vasos, adubo, ferramentas para mexer na terra e pesticidas. Para os desavisados, pode parecer uma loja de jardinagem. Mas basta entrar e ver a imagem da Monalisa com um cigarro de maconha na mão e um exemplar do DVD "O Uso Medicinal da Cannabis" para saber que o jardim a que se dedica a 420 (CuatroVeinte) é de outro tipo. A loja, localizada em uma galeria no bairro Belgrano, é uma das 20 "grow shops", espaços destinados à venda de produtos para o cultivo de maconha, que existem em Buenos Aires. Na Argentina, o número chega a 50. O dono, Bruno Aristarain, 32, músico, DJ e diretor de cinema e publicidade, cultiva sua própria maconha há 11 anos. Em 2009, depois de uma viagem a Amsterdã, onde a droga é legalizada, resolveu abrir a 420. "Estava cansado de fumar a maconha prensada, que é ruim, e não queria dar dinheiro para o tráfico. Aí comecei a plantar", conta ele, filho de Adolfo Aristarain, respeitado cineasta argentino. "Aqui eu junto as duas coisas que gosto, o cultivo e o trato com as pessoas. Consigo ganhar um bom dinheiro, me manter com esse negócio." Vitrine da loja Basta de Lobby, no bairro de Palermo, Buenos Aires (Kristina Gueraskina/Folhapress) No país, o cultivo e o consumo de maconha são ilegais, com pena de 4 a 15 anos de prisão. Mas as lojas, registradas como de acessórios de jardinagem ou tabacarias, são permitidas desde que não vendam sementes da planta. Para solucionar esse problema da operação é preciso recorrer a lojas on-line da Espanha e da Holanda, que enviam as sementes por correio. "Isso quando o carteiro não rouba [risos]! Já aconteceu comigo", diz Aristarain. O aumento do comércio voltado ao cultivo de maconha, segundo os donos das lojas visitadas pela Folha, se deve ao fato de que muitos usuários estão perdendo o medo à medida que têm mais informação. A procura por informações alimenta a área editorial. O país já tem duas revistas especializadas no tema, vendidas em banca: "Haze", com tiragem de 10 mil exemplares, e "THC", com 30 mil. Um dos colunistas da "Haze" e editor da versão brasileira da publicação é o baiano Eduardo "Camarón", 35, que vive na Argentina desde 1989 e mantém cinco plantas da droga em casa. "A maior parte dos leitores quer saber como começar a cultivar, quais as melhores sementes, como cuidar da planta", conta. As lojas também dão dicas para os clientes não serem denunciados, como saber exatamente onde plantar e não divulgar que possui uma planta em casa. O alerta máximo, segundo a vendedora Florencia Larrosa, da 420, é ficar de olho nos vizinhos. Eduardo 'Camarón' com maconha que cultiva em casa, em Buenos Aires (Kristina Gueraskina/Folhapress) O empresário Javier Marcheggiano, 36, planta maconha há 12 anos e nunca teve problema com a vizinhança. Há cinco meses, inaugurou a segunda unidade da Olivos Grow. Vende, entre outras coisas, fertilizantes, pesticidas orgânicos e estufas sob medida para cultivo "indoor", dentro de casa, usando, por exemplo, um guarda-roupa. Um modelo em madeira com lâmpadas específicas --as plantas precisam de luz artificial para crescer-- sai por 4.000 pesos (R$ 1.672). "Pago imposto, dou emprego. Tenho três filhos e quero ter a felicidade de dizer, quando crescerem e decidirem fumar maconha, que livrei três pessoas do tráfico", diz. Outro argentino que já conta com duas lojas "grow" em Buenos Aires é Ignacio Goyret, 36. Em 2009, ele abriu as portas da Basta de Lobby em Nuñez. Dois anos depois, chegava a Palermo Soho. "O cultivo cada um faz na sua privacidade. Não há apologia. A maconha é uma flor, não é algo perigoso", diz. A legalização, para Goyret, não é algo que só o Uruguai, que teve a lei aprovada na Câmara de Deputados, pede. "É um pedido global, uma questão cultural. Não quero que me tratem como delinquente porque tenho uma planta." Fonte: Folha de SP (http://folha.com/no1333688)
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As drogas e a guerra perdida 25/05/2013 A recente decisão do governo do Estado de São Paulo de destinar uma quantia em dinheiro para que usuários de crack possam ter recursos para tentar abandonar o vício está gerando muita polêmica, e o programa até já recebeu alcunha de "bolsa crack". Há muito o que se discutir a respeito desta medida, mesmo sob a perspectiva de quem acredita que as atuais políticas de combate a drogas não surtem efeito, alimentam ainda mais o tráfico e acabam criminalizando quem na maioria dos casos não deveria ser tratado como criminoso. Mas o que este debate esconde é algo mais profundo, qual seja, o fato de o Brasil ainda continuar na velha e antiquada linha de combate ao usuário: permanece atacando o doente em vez de combater a doença. E ao que tudo indica o principal Estado e principal cidade do país consolida esta linha de atuação, conforme ficou claro na participação do psiquiatra Ronaldo Laranjeira no programa Roda-Vida (TV Cultura) da última segunda-feira. Laranjeira, porta-voz de tudo o que se refere a drogas na Universidade Federal de São Paulo, agora também é responsável pela aplicação do programa do governo do Estado em que a tal "bolsa crack" se inclui e ainda por um outro programa referência da prefeitura paulistana, no populoso hospital Heliópolis. Esta atuação em esferas tão abrangentes não é suficiente, porém, para que o médico tenha uma visão no mínimo mais holística do tema. Durante todo o programa da segunda-feira, embora confrontado com dados e informações relevantes, ele insistiu que a única maneira de se enfrentar a questão das drogas é assim mesmo, à sua maneira: atacando o usuário pela via da abstenção total, sem distinção de que tipo de droga use, como usa e em quais situações. É proibido e faz mal. Ponto. Ao longo do programa o especialista ficou visivelmente contrariado todas as vezes em que se colocou a questão da redução de danos, em contraponto à criminalização, como política viável para enfrentar o problema. Redução de danos é um conjunto de ações, inclusive de políticas públicas, segundo a qual quem usa drogas não é tratado como criminoso, mas, quando é o caso, como alguém que precisa de ajuda para diminuir os males que eventualmente cause a si e aos outros por causa da ingestão de substâncias ilíticas. Gasta-se mais, também, em prevenção, educação, esclarecimentos do que em repressão e controle policial. Estas práticas permitem por exemplo que, por não ser considerado um criminoso e portanto não correr o risco de ser preso, um número muito maior de usuários com problemas busque ajuda de verdade em centros especializados. Mesmo que esteja sendo aplicada com êxito em países como Holanda, Alemanha, Suíça, Espanha, Noruega, Dinamarca, Canadá e Austrália, este tipo de postura é desprezada por Laranjeira, que é intransigente ao defender sua linha proibicionista, afirmando genericamente que a política de redução de danos está sendo "abandonada" em todo o mundo. Exemplo concreto de que não é bem assim foi apresentado no programa por Ilona Szabó, da Comissão Global de Política Sobre Drogas, órgão da ONU comandado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que busca alternativas à fracassada "guerra" empreendida por diversos países liderados pelos EUA. Trata-se do caso de Portugal, que em 2001 se transformou no primeiro país europeu a descriminalizar a posse e uso de qualquer tipo de droga. Para Laranjeira, este exemplo não é válido porque segundo ele disse "o consumo aumentou no país". O que também não é bem assim, porque o que ele não disse é que o consumo em Portugal, cujo governo considera seu programa um êxito, não aumentou mais do que qualquer outro país da Europa. E que desde a liberalização houve uma queda acentuada da criminalidade relacionada a drogas e tráfico, bem como uma enorme diminuição, de mais de 50%, dos casos de mortes relacionadas a consumo de drogas. Ou seja concretamente: redução de danos. Outra afirmação feita por Laranjeira que surpreendeu os participantes do programa refere-se ao Estado americano do Colorado. Numa demonstração de que até mesmo os Estados Unidos está mudando sua visão do tema, a população daquele Estado aprovou a liberação do uso recreativo de maconha para maiores de 21 anos. Questionado sobre a validade desta medida num país radical no combate às drogas, Laranjeira afirmou ser contra porque ela significou "aumento de 25% do consumo". Acontece que o referendo que liberou o uso da maconha e até mesmo o plantio doméstico em pequena escala foi realizado no Colorado em novembro do ano passado, ou seja, há apenas seis meses. E não são conhecidos, até o momento, dados oficiais que permitam afirmar que o consumo aumentou ou que diminuiu. Estes dois exemplos são reveladores de uma postura, externada ao durante todo o programa, que só admite mão única nesta questão: proibir, combater e tentar a todo custo eliminar o uso, nem que seja à força. Possibilidades alternativas não são consideradas. Tudo bem que esta seja a visão pessoal de Laranjeira como médico e que ele a aplique em seus pacientes, que podem ou não optar por isso. Mas é uma pena seja esta a política a prevalecer de forma hegemônica, com sua liderança, em São Paulo Estado e capital para ser aplicada compulsoriamente a todos os cidadão. Mesmo porque há cada vez mais evidências, e até alguém como Fernando Henrique Cardoso não cansa de repetir isso, de que combater drogas desta maneira (tratamento escudado por polícia, armas e prisão em vez de educação, esclarecimento e apoio) não tem funcionado e, pior, serve para alimentar toda uma cadeia "do mal" decorrente do fato de ser algo valioso, proibido e criminoso, a saber: tráfico, violência, mortes. Luiz Caversan http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizcaversan/2013/05/1284968-as-drogas-e-a-guerra-perdida.shtml
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Uma nova voz no debate sobre as drogas FERNANDO HENRIQUE CARDOSO CÉSAR GAVIRIA RICARDO LAGOS ERNESTO ZEDILLO GEORGE P. SHULTZ PAUL VOLCKER LOUISE ARBOUR Após mais de quatro décadas de guerra fracassada contra as drogas, as declarações pedindo mudanças profundas nessa estratégia aumentam a cada dia. Na América Latina, o debate engrenou. Chefes de Estado da Colômbia, Guatemala, México e Uruguai assumiram a liderança para transformar suas políticas nacionais de drogas, desencadeando forte dinâmica de mudança por toda a região e ao redor do mundo. A discussão chegou aos Estados Unidos. Pela primeira vez, a maioria dos norte-americanos apoiam a regulação da maconha para uso adulto. Em nenhum outro lugar tal apoio é tão evidente como em Washington e Colorado, que aprovaram leis locais nesse sentido. A mudança na opinião pública representa um desafio não apenas à lei federal dos EUA, mas também às convenções da ONU e ao regime internacional sobre drogas. Desde 2011, a Comissão Global de Política sobre Drogas, formada a partir da mudança de paradigma apresentada pela Comissão Latino-Americana de Drogas e Democracia, tem insistido nesse caminho. Mais de 20 lideranças globais vêm expondo as consequências desastrosas de políticas repressivas. Nosso relatório "Sobre a Guerra às Drogas" traz duas recomendações principais: substituir a criminalização do uso de drogas por uma abordagem de saúde pública e experimentar modelos de regulação legal de drogas ilícitas para reduzir o poder do crime organizado. Ao promover uma verdadeira conversa global sobre a reforma na política de drogas, nós quebramos um tabu que perdurava há mais de século. Na semana passada, uma inesperada voz foi adicionada ao debate. O secretário-geral da Organização de Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza, apresentou ao presidente Juan Manuel Santos, da Colômbia, uma resposta à demanda dos chefes de Estado americanos. O estudo da OEA propõe quatro possíveis cenários e reflete um consenso emergente na América Latina. Felizmente, nenhum cenário insiste em manter o status quo. A maior parte dos especialistas subscreve aos três primeiros cenários --trocar a repressão por abordagens que privilegiem a segurança cidadã, experiências com diferentes formas de regular drogas ilícitas e o fortalecimento da resiliência comunitária. Obviamente, todos concordam que o quarto cenário --a ameaça da criação de narcoestados-- deve ser evitado a qualquer custo. Na prática, o relatório é o primeiro tratado de reforma de política de drogas proposto por uma organização multilateral. Indica caminhos complementares e não excludentes. Parte da premissa realista de que a demanda por substâncias psicoativas continuará a existir e que apenas uma pequena parte dos usuários se tornará dependente. Cesar Habert Paciornik De fato, vários países e Estados já estão descriminalizando o uso de drogas, testando a regulação da maconha e implementando programas de redução de danos incluindo o fornecimento medicinal de drogas como a heroína. Essas políticas têm gerado resultados positivos e mensuráveis, e não o agravamento do consumo. É tempo de permitir aos governos do mundo que, de forma responsável, experimentem modelos adequados às suas necessidades locais. A liderança demonstrada pelo presidente Santos e o secretário-geral da OEA é bem-vinda. Porém, o relatório é apenas um começo --autoridades do continente devem considerar seriamente as propostas de cenários e avaliar como suas políticas nacionais podem ser melhoradas. Assim, romperão com o ciclo vicioso de violência, corrupção e prisões superlotadas e priorizarão a saúde e a segurança das pessoas. FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, ex-presidente do Brasil, CÉSAR GAVIRIA, ex-presidente da Colômbia, RICARDO LAGOS, ex-presidente do Chile, ERNESTO ZEDILLO, ex-presidente do México, GEORGE P. SHULTZ, ex-secretário de Estado dos EUA, PAUL VOLCKER, ex-presidente do Federal Reserve, e LOUISE ARBOUR, ex-alta comissária das Nações Unidas para Direitos Humanos, são membros da Comissão Global de Política sobre Drogas http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2013/05/1282660-tendenciasdebates-uma-nova-voz-no-debate-sobre-as-drogas.shtml
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