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O Barato Agora É Natural


-Beronha-

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  • Usuário Growroom

Revista Carta Capital, 25/08/2004 - Ano XI - Número 305

O BARATO AGORA É NATURAL

Ervas, fungos, cactos e outros vegetais vindos “direto da horta” compõem a salada alucinógena do verão europeu.

Por Walter Fanganiello Maierovitch

Turim, segunda semana de agosto. Próximo ao Palácio Real, no centro da cidade, um grupo de turistas norte-americanos, composto por jovens e idosos, se divide. Os mais velhos estão interessados na chegada ao Duomo, que abriga a Cappela della Sacra Sindone, onde se encontra o Santo Sudário. Já os jovens dirigem-se à via Montebello dispostos a entrar numa smart shop (oficialmente, lojas de alimentos naturais) onde funciona um famoso smart bar (local em que alguns dos produtos à venda são elaborados com sofisticação e oferecidos em atraentes cardápios).

Os jovens se empolgam com o ambiente, as bebidas e os pratos do cardápio. Um deles confessa ao garçom estar acostumado a fazer pedidos exóticos pela internet, no site da Azarius Heashop. Segundo relata, a Smart Azarius oferece desde sementes de marijuana até as polêmicas camisetas confeccionadas pela empresa italiana de nome Puta Madre.

Em confortáveis poltronas, música oriental e iluminação fraca, a maioria dos mencionados turistas resolve optar pela Salvia divinorum. Mas o garçom dá a má notícia:

– Esta semana a polícia realizou a apreensão do estoque da planta recentemente proibida aqui na Itália.

Se estivessem na Holanda ou na Suíça, os jovens ainda poderiam adquirir a planta sem problemas numa crescente rede de smart shops.

O verão europeu sempre apresenta novidades em termos de mudanças de tendências no consumo de drogas. As drogas psicoativas sintéticas – feitas em laboratórios e sem matéria-prima natural – e a cocaína continuam imbatíveis. Só que entrou em alta a procura por produtos ou composições naturais, algumas não proibidas por lei. Aí entram as vendas nas smart shops e nos anexos smart bars.

Para muitos, as drogas sujas, feitas com misturas em fundo de quintal, são perigosas e a natural virou uma boa e tranqüila opção:

– Ninguém tá a fim de cheirar cocaína refinada com insumos tirados de um saco de cimento de construção. Nem tomar um speed (anfetaminas e metanfetaminas) misturado com veneno de rato ou ketamina, droga de uso veterinário – avisa um jovem sueco em férias no caríssimo balneário de Ibiza. A propósito, 50% dos turistas desse balneário usaram drogas proibidas no verão de 2003.

O proprietário de uma smart shop discorda dos que dizem ser a disseminação, principalmente em raves e discotecas, de drogas impuras a causa das mudanças:

– As pessoas não querem mais drogas de diversão para os fins de semana. Elas querem opções variadas. Por exemplo, ficar relaxadas, ligadas ou viajando numa boa, sem que se perca, em muitos casos, o componente da transgressão.

Enquanto o quadro começa a se alterar para o consumo de drogas naturais, como fungos, cactos e folhas, os responsáveis sanitários se esforçam na prevenção de amplo espectro, a englobar todas as drogas de abuso, lícitas ou proibidas. Folhetos distribuídos nos balneários mais famosos da Europa alertam que não se deve entrar no mar depois de tomar bebidas alcoólicas.

As publicações informativas avisam ainda que um copo grande de suco de frutas, a cada uma hora, ajuda a hidratar e a desintoxicar os que tomaram ecstasy ou metanfetaminas. Quem não gostar de suco deve tomar água, que também ajuda.

Outros alertas: não misturar drogas e prestar atenção ao traficante, para saber o que de fato vai-se ingerir. Todas essas medidas visam a minorar riscos.

Na primeira semana de agosto, a polícia inglesa prendeu o imigrante Mohammed Rahman, que circulava pela noite com uma camiseta branca e os seguintes dizeres: I Am a Dealer (Sou um Traficante). Os policiais acreditaram na frase estampada na t-shirt e na sua casa encontraram heroína e cocaína da pior qualidade, avaliadas em 30 mil euros.

O smart bar passou a funcionar como anexo das redes de smart shop, onde são vendidos produtos naturais, como, por exemplo, pó de guaraná brasileiro, sachê de cannabis e pastilhas de cafeína. Alguns especialistas em políticas sociossanitárias redutoras de danos e riscos definem o smart bar como uma “ante-sala das discotecas e das raves”.

Apenas para se ter idéia, pode-se comer num smart bar um prato de “spaghetti canábico”(receita com 2 mg de cannabis por quilo de massa).

Nesses bares, muitos entram também para um coquetel relaxante à base do mais famoso 5HTP (5 hydroxytryptophan). Evidentemente, leva cerveja e energéticos, feitos na hora ou na base da latinha de Red Bull.

Aqueles que querem entrar na dança com muito fôlego e transpiração natural (o ecstasy e as metanfetaminas desidratam de modo desequilibrado) sabem o que pedir num smart bar. Em confortáveis cadeiras, fones de ouvido com canais musicais diversos, partem para as máscaras de oxigênio. Assim, respiram 97% de oxigênio, com direito a escolher o aromatizante: menta, flores, frutas etc.

Depois do oxigênio, enfrentam as discotecas sem drogas. Uma opção psicoativa é o coquetel com cafeína, taurina, carnitina, sinefrina e destroribósio, sempre servido em recipiente colorido e decorado com frutas. Em muitos estabelecimentos, as “gotas mágicas”, as “garrafas dos sonhos”, os energizantes e os relaxantes são preparados com a supervisão de laboratórios. As bebidas chegam a ter mais cafeína e similares do que a Coca-Cola, a Fanta e o refrigerante brasileiro guaraná.

Os smart bars abrem em horários-chave, quando têm início as baladas. Ficam localizados nas chamadas zonas trendy (diversão) ou próximos às universidades, para pegar o fim das aulas.

As smart shops vendem pela internet e mantêm filiais e sistema de franchising. Nelas são vendidos os bong, longos tubos com reservatórios de água em baixo e bocal para puxar a fumaça das diferentes ervas.

O smart bar, sempre anexo à smart shop, ainda não atende na base do delivery. Seus cardápios, receitas e drinks de plantas exóticas, no entanto, podem ser encontrados nos sites da internet. [continua]

http://cartacapital.terra.com.br/site/index_frame.htm

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Muitos adeptos das políticas proibicionistas comparam o sistema de smart bar ao das coffee shops holandesas, nas quais são vendidos, para consumo exclusivo no local, a marijuana, o haxixe e o skunk. A propósito, o “AK-47” (referência metafórica a um potente fuzil-metralhadora muito popular, inclusive, nos morros cariocas) está caindo em desuso por ser muito potente e levar à redução do número de tragadas.

Os referidos críticos lembram que o primeiro café para venda de marijuana foi o Sarasani, inaugurado há 35 anos na cidade de Utrecht. Hoje, existem mais de 800 espalhados por toda a Holanda. Da mesma forma, dizem, proliferarão as smart shop e os smart bars.

Vale recordar que a filosofia inspiradora dos cafés holandeses foi a de afastar o usuário do traficante, fórmula de bons resultados no campo da prevenção ao consumo de drogas pesadas.

As vendas pela internet feitas por meio de uma smart shop também recebem críticas conservadoras. Muitos cactos proibidos – com propriedades alucinógenas – são vendidos, disfarçadamente, como plantas para decorar ambientes.

Enquanto no Primeiro Mundo multiplicam-se os smart bars, nos países em desenvolvimento mantém-se a tradição da mastigação de ervas naturais.

Na África Oriental e no Oriente Médio mastiga-se a folha do khat, que tem efeito estimulante e psicoativo, como a folha de coca nos Andes. O Iêmen é o maior produtor do khat. A comercialização do vegetal representa 4,2% do PIB do país. Outros centros produtores concentram-se na Etiópia, na Somália, no Quênia e na Eritréia.

Sem a sofisticação de um smart bar, na capital do Iêmen, Sanaa, o hábito é o corte da folha do khat ao alvorecer. Úmida, ela é vendida nos mercados populares e pequenos grupos fazem “rodas de khat”, nas quais conversam e mastigam a folha antes do trabalho.

Nas smart shops européias não existe o khat para venda. Se não for cortada e conservada úmida, a folha perde a propriedade estimulante e a exportação fica prejudicada. Quanto à folha de coca, trata-se de um produto proibido pela Convenção das Nações Unidas desde 1961.

Os fungos, as raízes e os cactos são atrações nas smart shops e nos seus anexos, os smart bars. Muitos são fritos em azeite de oliva e outros são servidos recheados com queijo ou chocolate.

A maior polêmica fica com a Salvia divinorum, que já está proibida em países como Áustria, Finlândia, Noruega, Canadá, Japão e Israel. Essa erva alucinógena cresce naturalmente no México, mais precisamente na região de Sierra Madre, no Estado de Oaxaca. Seu princípio ativo é a Salvinorina A e o uso tradicional dá-se por inalação. O princípio ativo, causador de alucinações, pode acarretar psicose aguda ou depressiva, estas algumas vezes até irreversíveis.

Nos países onde não há proibição, a Salvia divinorum é encontrada e servida em smart bars. Há toda uma preparação psicológica para o consumo, que gera estados alterados de consciência. Os bares condicionam a oferta da Salvia divinorum à presença de um sitter, indivíduo que conhece o produto e tem preparo para ajudar em casos de emergência.

O sitter, trocando em miúdos, é uma adaptação do xamã, o condutor de ritos sagrados em práticas indígenas, africanas e esotéricas. O sitter, em abstinência, introduz conversas alegres e retira as lembranças desagradáveis, capazes de gerar pesadelos, as famosas bad trips (viagens ruins) dos “psiconautas” (usuários). O termo psiconauta foi cunhado pelo escritor alemão Ernest Junger, em face dos transes dos usuários de alucinógenos.

Na obra intitulada Guiado pela Lua, o antropólogo Edward MacRae ensina que o xamã – palavra originária da tribo dos Tugs da Sibéria – “estabelece relações com as entidades espirituais para fins diversos: diagnosticar e tratar males, adivinhar, profetizar etc.”

Nas vendas encobertas pela internet, a Salvia divinorum é vendida com o nome de “folhas de Oaxacan”. Também como incenso aromatizante, sob a designação “salvia X5”.

Neste verão, a Salvia divinorum foi retirada das smart shops italianas. O procurador de Justiça de Turim, Raffaele Guarinello, entendeu que a Salvia é uma substância alucinógena. Provoca “distorções nas percepções e causa perda de contato com a realidade”.

A tendência de volta aos produtos naturais e à redução do consumo de drogas preparadas em laboratórios passa, também, pelos “fungos mágicos” e pelos cactos alucinógenos. Só na Europa são conhecidas 40 variedades de fungos. Nos bosques há 15 espécies e virou moda consumir fungos nos campos onde eles nascem e crescem.

Uma das substâncias que volta ao consumo é a velha e proibida mescalina, de efeito alucinógeno. A venda também é feita pela internet. Com a mesma facilidade se compram os famosos livros do consagrado escritor inglês Aldous Huxley, As Portas da Percepção, O Céu e o Inferno e A Ilha.

Na primeira obra mencionada, pelo que se sabe, o escritor inglês, com acompanhamento médico, usou alucinógeno, como os nativos faziam, para descrever o seu poder de alienação psicológica. Nas duas outras também trata dos efeitos das drogas como pesadelo, alienação e alteração da percepção espiritual.

Os potentes cactos peyote (Lophophora williamsii) e Trichocereus pachanoi, embora proibidos, são vendidos igualmente em sites a partir de 30 euros. Nas propagandas, são garantidos até “dez minutos de alucinações visíveis”.

Na Europa, o site mais visitado é o Everyone Does It, com 2,5 milhões de consultas mensais a respeito de drogas naturais.

Os “fungos” mais procurados são os que possuem como princípios ativos a psilocina e a psilocibina. O cogumelo psilocybe contém as duas substâncias alucinógenas e é chamado de liberty-cap.

Esses tipos de fungos foram encontrados na região mexicana de Oaxaca, nos anos 50, por Robert Wasson, um banqueiro de Nova York. O fungo seria empregado pela curandeira Maria Sabina. O uso inadequado ou abusivo pode causar vômito, diarréia, taquicardia etc. Existe o risco, fora das smart shops, de se obter um fungo venenoso causador de delírios e mortes: o Amanita falloide. Freqüentadores de raves usam uma variedade não letal, mas altamente tóxica, do Amanita.

Como anotou a especialista Donatella Poretti, o uso de substâncias alucinógenas naturais, que remonta a 3 mil e 4 mil anos a.C., era uma forma de aproximar o homem das divindades.

As smart shops sofreram duas pesadas baixas neste mês de agosto, na Inglaterra e na Espanha. Em Londres, o mercado de Camdentown vendia livremente fungos frescos com propriedades alucinógenas. A legislação britânica, até o início de agosto, apenas proibia a venda de cogumelos secos ou congelados. Agora, a comercialização dos produtos frescos, cujos efeitos foram equiparados aos do LSD (ácido lisérgico), também está proibida.

Na Espanha, estão catalogadas 197 plantas medicinais com toxicidade. Dessas, apenas 109 podem ser comercializadas. Como explica a Agência Espanhola de Fármacos, a “proibição deveu-se ao aumento do uso e da comercialização de plantas medicinais tóxicas nos últimos anos”. Estão proibidas, por exemplo, a Amanita faloide, a mescal e o peyote. Além, evidentemente, da cannabis, da coca, da papoula e do khat.

Nos EUA, foi preso um membro da Native American Church, conhecido por James Mooney. Durante as cerimônias religiosas, ele distribuía o cacto peyote sem observar que o uso é permitido, nesses rituais da Native American Church, apenas aos índios e aos seus descendentes. Mooney foi absolvido pela Corte de Utah, pois a droga era para emprego ritualístico e a entrega realizada apenas durante os cultos. A acusação recorreu e o apelo será apreciado pela Suprema Corte.

A mudança no comportamento por parte dos usuários parece não ter sido ainda percebida pelo governo George W. Bush, que insiste na idéia de uma “sociedade livre de drogas”.

No dia 6 de agosto, o czar antidrogas dos EUA, John Walters, de passagem pelo México, declarou que “todos os esforços feitos na ‘guerra às drogas’ não alcançaram os resultados esperados, com relação à redução de oferta de cocaína”.

Para muitos, o pronunciamento do czar foi entendido como o reconhecimento da falência do Plano Colômbia.

As cadeias de smart shops e smart bars não polemizam com as proibições e as políticas de guerra às drogas e de tolerância zero. Especialistas estudam como aproveitar o novo comportamento para aplicar medidas sanitárias redutoras de danos individuais e riscos coletivos.

Nos smart bars está sendo anunciado, para breve, um novo produto natural, pouco conhecido e não proibido. É o kratom, procedente da Tailândia. Dizem que ele vai permitir que se “entre na balada sem risco de tomar uma droga suja”.

http://cartacapital.terra.com.br/site/index_frame.htm

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