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O Cotidiano


MAJOR GANJAH

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  • Usuário Growroom

Ae galera, vou postar pra vocês um texto muito interessante e que eu acho de muita importância pra nós ou para qualquer um que lute por uma causa, este texto da "pistas" de como fazer a revolução... Eu acho interessante para quem for ler este texto que leia o trabalho alienado de marx que são textos intimamente relacionados...

Por favor comentem sobre, vamos discutir em cima deste texto, quem sabe assim ajuda a organizar nosso pensamento. E se quiserem que eu poste também o manuscrito do Marx eu posso dar uma procurada.

Eu postei o texto em forma de citação por não ser um texto meu nem adaptado por mim, se alguem quiser eu posso enviar o arquivo txt por e-mail.

                INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO DE AGNES HELLER *      

Apontamentos para um estudo, extraído de Agnes Heller, “O Quotidiano e a História" e" Para Mudar a Vida"- Elaboração de Maria Helena S. Patto.

1. DADOS BIOGRÁFICOS

Agnes Heller nasceu em Budapeste, em 1929 . Foi discípula de Luckáes mas faz a crítica de suas idéias. É membro da Escola Marxista de Budapeste, integrada pelos discípulos de Luckáes e foi pesquisadora do Instituto Sociológico de Budapeste.

Sua produção intelectual é vasta e tem como cerne a relação entre ética e vida social; suas preocupações suo ético-políticas: volta sua capacidade de reflexão para a análise dos padrões morais, da sociologia da moralidade e da moral da sociologia, do preconceito, da teoria das necessidades em Marx, da teoria marxista dos valores, das teorias dos sentimentos, do instinto e da agressividade humana. Na busca de avançar o pensamento marxista no sentido de levá-lo a dar conta das questões políticas, sociais e econômicas que emergem no séc. XX, A. Heller volta-se para a elaboração de uma sociologia da vida quotidiana.

2. Repensando Marx e o Marxismo

Agnes Heller é uma pensadora marxista; segundo ela mesma ser marxista não significa repetir dogmaticamente as principais teses de Marx mas desejar a transformação da sociedade capitalista num sentido socialista e falar a linguagem de Marx(PMV,p.22). Faz a crítica das leituras positivistas de Marx e do conseqüente dogmatismo delas decorrente. Mas nem por isso deixa de considerá-las marxistas e afirma: "o marxismo de Althusser é , sem dúvida, um marxismo de matriz positivista. Mas eu não posso, por causa disso, dizer que Althusser não é marxista; no máximo posso criticar fortemente suas posições" (PMV, p.22).(1)

A. Heller faz uma releitura de Marx("escolhi o meu próprio Marx",PMV,p.3) e se dedica a encontrar alternativas filosóficas e sociais para questões que não poderiam ter sido colocadas por Marx, nem pelos marxistas até muito tempo depois dele, pois são desafios atuais que requerem uma atualização do pensamento de Marx e novas táticas.

O fio da meada, que a conduz até a vida quotidiana como centro de seu pensamento sociológico, tem início naquilo que ela considera uma contradição fundamental na obra de Marx(2);nesta obra, segundo ela, ora a classe operária comparece como motor da História, ora as contradições inerentes à formação capitalista são este motor; nesta segunda versão, o processo histórico é objetivo, não passa pela subjetividade de uma classe nem de um indivíduo, é uma conseqüência necessária desse modo de produção . Deste ponto de vista, a classe operária deixa de ser o sujeito histórico; a história se processa como decorrência do desenvolvimento das forças produtivas. Vejamos como esta contradição é expressa pela própria A.Heller: "...o sistema de Marx contém uma contradição particular: por um lado, Marx construiu filosoficamente o sujeito da revolução, ou seja, formulou a hipótese de uma classe que, necessariamente, enquanto classe, através de um processo revolucionário, liberta toda a humanidade. Por outro lado, descreveu a sociedade capitalista de modo a demonstrar que as leis econômicas conduzem necessariamente a uma revolução histórico-social" (PMV,p.14).

Segundo ela, esta contradição interna gerou, no próprio marxismo, categorias teóricas opostas: há os que deixam de lado a questão do sujeito e se voltam para a objetividade das leis do desenvolvimento econômico; outros desenvolvem o mito da classe operária e ignoram a crítica da economia, considerando-a irrelevante. A.Heller analisa criticamente essas duas teses. Além disso revê a utopia marxista da sociedade sem Estado e sem produção de mercadorias. A. Heller defende a tese de que, no século XX, não é mais possível pensar na extinção do Estado e no desaparecimento da produção de mercadorias. A questão agora é outra: que Estado queremos construir e que tipo de produção de mercadorias queremos implantar.

Os acontecimentos sociais de nosso tempo levam-na à constatação de que nem sempre a classe operária pode  ser tomada como o sujeito da História. Diz ela: "Não questiono o fato de que a classe operária possui um papel histórico extremamente significativo"; a história contém exemplos eloqüentes disto. "Minhas dúvidas referem-se apenas à teoria de que uma só classe possa assumir o poder e ser a única representante da transformação"(PMVp.17). Marx refere-se a uma só classe social em sua teoria da revolução; para A. Heller , uma teoria revolucionária fala a todos os que têm carecimentos radicais e não pode, portanto, referir-se apenas a uma determinada  classe. Há extratos operários que exprimem estes carecimentos: há outros movimentos sociais (femininos, juvenis, raciais etc.) que os exprimem. É muito difícil, por exemplo, imaginar a classe operária norte-americana como protagonista da revolução.

Na busca de caminhos revolucionários que não sejam necessariamente a ação da classe operária ou o processo histórico que se concretiza automática e mecanicamente, A.Heller volta ao Marx de" A Ideologia Alemã" e dos "Primeiros Manuscritos" e resgata a questão do homem-homem e do homem-natureza. A questão fundamental da História torna-se, deste ângulo, a questão da produção do homem no processo histórico é o processo de constituição da humanização do homem, do homem-homem, em oposição ao homem-natureza. Num extremo do processo está o homem-natureza, no outro os homem-homem, livre das necessidades naturais. Como Marx, A.Heller afirma que é o homem que faz a sua própria história; a história humana não é, portanto, uma história natural- o homem não se humaniza para cumprir os ditames da natureza. A. Heller rejeita, assim, qualquer possibilidade de naturalização do homem.

Por considerar que a subjetividade foi banida do pensamento marxista (subjetividade no sentido da individualidade, da pessoa, do sujeito), A. Heller a resgata e a coloca no centro do processo histórico, concebido como expressão do homem em busca de sua humanização. Uma das principais contribuições suas ao marxismo contemporâneo é, portanto, a colocação da temática do indivíduo no centro de suas reflexões. Mas a que indivíduo ela está se referindo? Ao indivíduo da vida quotidiana.

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  • Usuário Growroom
3.A ESTRUTURA DA VIDA QUOTIDIANA

Em algumas de suas obras e ensaios, A.Heller dedica-se à tarefa de desvendar a dimensão quotidiana da vida humana, lugar da exploração, da dominação e da alienação e , portanto, lugar da libertação.

Em "Estrutura da Vida Quotidiana"(in Q.H.,pp.17-41) a autora caracteriza a vida diária de maneira geral, ou seja, sem se deter num modo de produção ou num momento histórico específicos. Vejamos como ela a define:

A vida quotidiana é a vida de todo homem; não há quem esteja fora dela (desligado inteiramente da cotidianidade) nem há quem viva tão somente na cotidianidade, embora esteja preponderantemente absorvido por ela.

A vida quotidiana é a vida do homem inteiro, absorve o homem todo- nela colocam-se em funcionamento todos os seus sentidos, todas as suas capacidades intelectuais, manipulativas, sentimentos, paixões, idéias e ideologias. O fato de todos estes aspectos serem colocados em funcionamento faz com que nenhum possa se realizar em toda a sua intensidade.

A vida quotidiana é heterogênea e hierárquica; heterogênea quanto ao conteúdo e à importância ou significado dos tipos de atividades exercidas; hierárquica quanto à importância das atividades. Ao contrário da heterogeneidade, a hierarquia da vida quotidiana não é eterna ou imutável; ela muda de modo específico  em função das diferentes estruturas econômico-sociais. Por exemplo: o trabalho pode ocupar um lugar dominante na hierarquia e a vida quotidiana se constituir em torno da organização do trabalho, à qual se subordinam as demais formas de atividades; mas este lugar central pode ser ocupado em diferentes estruturas sociais, pela contemplação, pelo devertimento, pela atividade social etc.

O Homem já nasce inserido em sua cotidianidade. Em qualquer sociedade, amadurecer significa adquirir as habilidades necessárias à vida quotidiana nesta sociedade (ou camada social). É adulto quem é capaz de viver por si mesmo a cotidianidade; o domínio das habilidades imprescindíveis à vida quotidiana implica em assimilação de relações sociais, mesmo em seus aspectos mais corriqueiros e manipulatórios. A submissão ao poder da natureza é sempre mediatizada pelas relações sociais.

A aprendizagem da manipulação dos objetos e das formas de comunicação social começa sempre em grupos primários - família, escola, pequenas comunidades - que fazem a mediação entre o indivíduo e os costumes, as normas e a ética de integração maiores.

A vida quotidiana é a vida do indivíduo. O indivíduo é sempre ser particular e ser genérico. Por exemplo: as pessoas trabalham (uma atividade do gênero humano) mas com motivações particulares; têm sentimentos e paixões (manifestações humano-genéricas) mas os manifestam de modo particular, referido ao eu e a serviço da satisfação de necessidades e da teleologia individuais. A individualidade contém tanto a particularidade quanto o humano-genérico.(3).Neste sentido, ela afirma: "o indivíduo é um ser singular que se encontra em relação com sua própria individualidade particular e com sua própria genericidade humana; nele tornam-se conscientes ambos os elementos"(C.H.'p.22).

Além de seu caráter heterogêneo e hierárquico, o tecido da vida quotidiana apresenta outras características, das quais a dominante é a espontaneidade. Com este termo, A. Heller designa a tendência de qualquer forma de atividade quotidiana a não ser refletida; esta característica não é, como poderia parecer à primeira vista, desvalorizada pela autora; ao contrário, sua inexistência tornaria impossível a produção e a reprodução da vida nas sociedades humanas. Se nos dispuséssemos a refletir sobre o conteúdo de verdade material ou formal de cada uma de nossas formas de atividade, não poderíamos realizar nem sequer uma pequena parte das atividades cotidianas imprescindíveis. Portanto, na vida quotidiana, a maioria de nossas motivações permanece muda.

Além de ser espontânea, a ação, na vida quotidiana, baseia-se na probabilidade. é impossível, no cotidiano, calcular com segurança científica a conseqüência de uma ação. "Orientamo-nos pelo caso médio, pela segurança suficiente". Por exemplo, ao atravessarmos uma rua, jamais calculamos com precisão a nossa velocidade e a do veículo que se aproxima. Se resolvêssemos fazê-lo, não sairíamos do lugar. Há riscos imprescindíveis e necessários à vida.

Outra característica da ação e do pensamento, no cotidiano, e que decorre da anterior, é sua tendência a serem econômicas; ambos manifestam-se e funcionam na medida em que são imprescindíveis à continuação da cotidianidade. O pensamento cotidiano orienta-se para a realização das atividades cotidianas; existe uma unidade imediata do pensamento e da ação na cotidianidade. As idéias necessárias à cotidianidade jamais se elevam ao nível da teoria, assim como a ação quotidiana não é práxis(por práxis A.Heller entende a atividade humano-genérica consciente).Esta unidade imediata de pensamento e ação faz com que o "correto" seja tomado como sinônimo de "verdadeiro". A atividade quotidiana é portanto, essencialmente pragmática.

Em seu cotidiano, o homem orienta-se baseado na fé e na confiança porque não pode dominar toda a realidade, em nenhum de seus aspectos. Embora ao cientista não baste a fé na ocorrência de um determinado fenômeno (por exemplo, que a Terra gira ao redor sol; que determinado remédio tem um poder curativo), ao homem da vida quotidiana esta fé é suficiente.

O pensamento cotidiano baseia-se na ultrageneralização, seja em suas formas consagradas culturalmente, seja como conseqüência da experiência individual. Esta tendência é também necessária à vida; seria impossível analisar integralmente as características de cada situação ou pessoa antes de nos comportarmos frente a ela ( estes juízos provisórios são refutados pela prática do momento em que não nos capacitam mais a nos orientarmos e atuarmos com base neles). Como na vida quotidiana lidamos grosseiramente com o singular, é necessário que o incluamos, o mais rapidamente possível, sob alguma universalidade. O pensamento por analogia está na base do conhecimento do outro- classificamos a pessoa com quem entramos em contato em algum tipo humano já conhecido e nos orientamos frente a ela a partir desta classificação; o uso de precedentes está na base do conhecimento cotidiano de situações; sem estes recursos, seríamos condenados à imobilidade diante de cada situação com que nos defrontamos.

A imitação desempenha um papel vital na cotidianidade; sem ela, o trabalho e as relações humanas seriam impossíveis, embora seja preciso lembrar que há setores da vida quotidiana nos quais a simples imitação é mais necessária do que outros.

Finalmente, A.Heller faz referências à entonação como um aspecto importante da cotidianidade, sobretudo no que se refere às relações humanas, à comunicação, à avaliação do outro. A presença de uma pessoa em determinado meio produz uma atmosfera tonal específica em torno dela; o indivíduo que não produz este tom carece de individualidade; a pessoa incapaz de percebê-lo revela-se insensível a um aspecto vital das relações interpessoais; ambos terão dificuldades de comunicação e de relacionamento. Através desta categoria, A.Heller chama a atenção para a dimensão afetiva das relações pessoais na vida quotidiana.

Todos estes aspectos são formas necessárias do pensamento e da ação na vida quotidiana, enquanto lugar onde se produz e reproduz a vida. Quando se cristalizam em absolutos, não deixando uma margem de movimento e de possibilidade de explicitação para o indivíduo, estamos diante da alienação da vida quotidiana.

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  • Usuário Growroom
4.A VIDA QUOTIDIANA NAS SOCIEDADES CAPITALISTAS: REPRODUÇÃO E REVOLUÇÃO

Nestas sociedades, o indivíduo da vida quotidiana é o indivíduo que realiza o trabalho que lhe cabe na divisão social do trabalho, produz e reproduz esta parte, perdendo de vista a totalidade, a dimensão humano-genérica. Ao perdê-la de vista, perde de vista as condições de sua objetividade; ao alienar-se torna-se particularidade, parcialidade, indivíduo preso a um fragmento do real, preso à tendência espontânea de orientar-se para o seu eu particular.

Quanto maior a alienação produzida pela estrutura econômica de uma dada sociedade, tanto mais a vida quotidiana irradia alienação para as demais esferas- por exemplo, a ciência moderna, ao colocar-se sobre fundamentos pragmáticos, absorveu a estrutura  da vida quotidiana . A alienação ocorre quando se dá um abismo entre a produção humano-genérica e a participação consciente dos indivíduos nesta produção - o indivíduo alienado(indivíduo enquanto particularidade) cria objetivações em si e não realidades objetivas para si. A. Heller chama a atenção para o fato de que este abismo não tem a mesma profundidade em todas as épocas nem em todas as camadas sociais. Fechou-se quase completamente no Renascimento italiano( Heller tem um estudo sobre O HOMEM DO RENASCIMENTO ); no capitalismo moderno aprofundou-se desmesuradamente. No entanto, este abismo não é insuperável; em qualquer época, um número maior ou menor de indivíduos - com a ajuda de seu talento, de sua situação e das grandes constelações históricas - conseguiram superá-lo.

Nas condições de manipulação social e de alienação, o homem vai se fragmentando cada vez mais em seus papéis. Nestas circunstâncias, o homem pode ser devorado por e em seus papéis e viver a estereotipai dos papéis ( Q.H.p.92); quando isto ocorre, orienta-se na cotidianidade através do simples cumprimento adequado destes papéis, assimilando maduramente as normas dominantes e vivendo de uma maneira que caracteriza o conformismo. Nestes casos, a particularidade suplanta a individualidade; a tendência necessária à supergeneralização, baseada em juízos provisórios, analogia, uso de precedentes (quer no plano cognitivo, quer no emocional), desemboca em pré-juízos ou preconceitos. Engolido pelos papéis e pela imitação ,o indivíduo vive de esteriotipias. A grande maioria dos homens modernos não é individualidade, na medida que acaba por tornar-se muda unidade vital de particularidade e genericidade.

Nas sociedades capitalistas existe uma dimensão celular da exploração e da dominação; são as formas cotidianas de exploração que incluem formas domésticas de manifestação. Como colorário, Heller afirma o caráter cotidiano e celular da revolução. A dominação se dá nas pequenas situações do dia-a-dia e atinge a todos os integrantes da sociedade civil que padecem de carecimentos radicais; o desenvolvimento da sociedade capitalista, baseada nos ideais de igualdade e liberdade, abre caminho para o desenvolvimento da sociedade civil. Num determinado momento, as necessidades desta sociedade são maiores do que a sociedade capitalista pode satisfazer; trata-se de necessidades historicamente geradas por estes ideais de liberdade etc.. Daí os movimentos de negros, mulheres, estudantes etc. , numa sociedade em que a classe operária está acomodada. Outros grupos, que não a classe operária, reivindicam mudanças estruturais para que se realizem estes ideais. É nesse sentido que Heller afirma que o sujeito da História não é estritamente a classe operária; é todo e qualquer grupo que seja objeto de exploração, dominação, discriminação, ou que seja, portador de carecimentos radicais. Onde quer que exista relação de poder existe a possibilidade de questioná-la e de trabalhá-la; há relação de poder sempre que se estabelece uma relação em que o outro é objeto, (Heller chama a atenção para os centros moleculares do poder, entre os quais inclui a escola e a família ).

Daí ela postula que uma revolução só ocorre quando o é na vida quotidiana, quando são atendidos revolucionariamente os carecimentos radicais. A revolução passa, portanto, pela subjetividade, pela participação. Por isso, a revolução é um processo lento, celular. Assim, não se pode fazer a revolução visível sem a revolução invisível. Desta forma, a constituição do pequeno grupo é um momento importante de passagem da particularidade para a individualidade e, portanto, para o próprio processo revolucionário.(5)

A passagem da particularidade, onde há alienação e inconsciência dela, para os pequenos grupos que se indagam - por quê? como? - é feita de pequenas conquistas. O meio pelo qual se realiza esta passagem é a prática política não obrigatoriamente partidária, pois é possível pertencer a um partido revolucionário e não se ter condições de passagem para a individualidade, ou seja, pode-se pertencer a um partido revolucionário e tratar o outro como objeto, não levar em conta sua subjetividade; neste caso, a prática política estará sendo reacionária, mesmo que a imposição se faça em nome da revolução. Uma relação libertadora é aquela em que o outro deixa de ser objeto e passa a ser objetivo(faço com ele, nós). A tomada do Estado, sem este trabalho invisível, será uma atitude revolucionária mas não a revolução, o que significa afirmar que a questão alienação não se resolve por um golpe de Estado que aboliria a exploração. Nem o Partido resolve a questão da alienação, pois o Partido e a fidelidade a ele podem alienar. Sua diminuição torna-se possível quando tomamos consciência dela e sabemos que é agindo que acabamos com ela. Neste sentido, Heller invalida a possibilidade de uma leitura de Marx segundo a qual haverá uma seqüência mecânica de modos de produção; a revolução é possibilidade e não destino e se fará na vida quotidiana. Esta possibilidade não é natural, mas depende da práxis, definida como ação consciente. É a partir deste novo ângulo de visão que A.Heller afirma: “espero que as mudanças não ocorram nos escritórios dos burocratas, mas no interior de novas comunidades"(PMV, p.20). Embora não negue o papel da sociedade política na transformação social revolucionária, acrescenta: “se o acerto é colocado exclusivamente nesta esfera, esse acerto não me convence"(PMV.p.143)

A vida quotidiana é plena de alternativas, de escolhas. Tais escolhas podem ser totalmente indiferentes do ponto de vista moral, mas podem estar moralmente motivadas. Quanto maior a importância da moralidade, do compromisso pessoal, da individualidade e do risco na decisão sobre uma alternativa, tanto mais facilmente esta decisão supera o nível da cotidianidade e tanto menos se pode falar  de uma decisão quotidiana. Quanto mais intensa é a motivação do homem pela moral, isto é, pelo humano-genérico, tanto mais facilmente sua particularidade se elevará à esfera da individualidade; neste ponto termina a muda coexistência de particularidade e genericidade. Para isso, é necessário o conhecimento do próprio eu e o conhecimento e a assimilação apaixonada das intimações humano-genéricas; somente assim o homem será capaz de decidir, colocando-se acima da cotidianidade. Contudo, é importante lembrar que, para A.Heller, esta passagem não pressupõe que o homem deixa de lado a sua particularidade nem o seu cotidiano(6);a elevação ao humano-genérico não significa uma abolição da particularidade- as paixões e sentimentos orientados para o eu particular não desaparecem mas se dirigem para fora, convertem-se em motor da realização do humano-genérico ou permanecem em suspenso.

Esta elevação, no entanto, deve ser entendida como uma tendência; não é possível, a rigor, distinguir entre as decisões e ações cotidianas e as moralmente motivadas. A maioria das ações e escolhas tem motivação heterogênea, portanto, a superação da particularidade também pode ocorrer em maior ou menor medida. O mesmo se dá em relação à distinção entre cotidianidade e nåo-cotidianidade. "Não há uma muralha chinesa entre as esferas da cotidianidade e da moral"(C.H.p.25).

Todo homem pode ser inteiro, inclusive na cotidianidade. Como superar a particularidade como tendência dominante da vida quotidiana? Através da homogeneização, já que. por ser heterogênea, a vida quotidiana solicita nossas capacidades em várias direções, nenhuma delas com especial intensidade. Por homogeneização Heller entende(C.H.p.27-29) uma postura na qual:

    1)Concentramos toda a nossa atenção sobre uma única questão e suspendemos qualquer outra atividade durante a execução desta tarefa;

    2)Empregamos nossa inteira individualidade humana na resolução desta tarefa;

    3)Agirmos não arbitrariamente mas dissipando nosso eu particular na atividade humano-genérica que escolhemos consciente e autonomamente, isto é, enquanto individualidades.

É somente quando estes três requisitos se realizam conjuntamente que podemos falar de uma homogeneização que permite transcender a cotidianidade. Numa sociedade compartimentalizada e compartimentalizante, a homogeneização em direção ao humano-genérico, a suspensão do eu-particular é algo excepcional na vida do homem médio- a vida da maioria dos homens termina sem que se tenha produzido um só ponto crítico semelhante. Esta tendência só deixa de ser excepcional naqueles indivíduos cuja paixão dominante se orienta para o humano-genérico e, ademais, quando têm a capacidade de realizar tal paixão (estadistas revolucionários, artistas, cientistas, filósofos). Nestes casos, não só sua paixão principal mas  seu trabalho principal, sua atividade básica, promovem a elevação ao humano-genérico e a implicam. No entanto, também eles possuem uma vida quotidiana; a particularidade manifesta-se neles, tal como nos demais homens. Somente durante as fases produtivas esta particularidade é suspensa ou canalizada.

Embora a alienação não possa mais ser eliminada, mas apenas limitada; embora as possibilidades que o mundo moderno oferece de construção da subjetividade, de homogeneização da personalidade(que A.Heller contrapõe à personalidade fraturada, que transforma o eu num simples objeto) sejam limitadas, A.Heller continua defendendo como tarefa básica  a transformação de sujeitos particulares em sujeitos individuais, o que permitirá ao homem controlar o seu eu particular e agir sobre as condições objetivas da sociedade. Embora não seja mais possível realizar o Estado não alienado de Aristóteles - o Estado no qual o cidadão participa plenamente na formação das decisões - A.Heller defende a possibilidade de Instituição de comunidades sociais em cujo interior sejam elaboradas propostas para toda a vida estatal e civil, e onde qualquer cidadão poderá assumir uma importante função em proposição e de poder(PMV,pp.58-59). Desta forma, Heller distancia-se tanto de Adorno, que adota o ponto de vista da mais completa desesperança de que, no interior da estrutura social capitalista, algum grupo ou classe seja capaz de ser força propulsora de transformações, quanto de Marcuse, que defende a tese de que é preciso buscar fora da estrutura social os possíveis sujeitos do processo histórico.

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  • Usuário Growroom
                                                NOTAS

*Este texto foi elaborado a partir de duas fontes: 1. uma aula ministrada por José de Souza Martins em sua disciplina quotidiana "Sociologia da vida Quotidiana"(Departamento de Ciências Sociais, USP,1982);2. as seguintes  obras de Agnes Heller: O Cotidiano e a História (CH) e Para Mudar a Vida(PMV). Texto Provisório.

1)Além disso, A.Heller atribui uma função social a esse marxismo  positivista, apesar do empobrecimento nele contido do pensamento marxista: ele "salvou" o marxismo diante do mito da ciência. Em outras palavras, a articulação do marxismo com o positivismo moderno foi útil e necessária no momento em que Althusser a realizou; a reconstituição do marxismo como ciência num período histórico em que ainda predominava a fé na ciência e o marxismo perdia sua legitimidade científica, pelo abuso do materialismo dialético, foi essencialmente valiosa à sua preservação(PMV,pp.38-39).

2)A.Heller recusa-se a se relacionar com o pensamento de Marx como se fosse um dogma e ele um pai religioso capaz de explicar todos os problemas sociais passados, presentes e futuros. Porém, matar este pai seria um gesto que ainda conteria uma relação fanática com a teoria. Para ela, “Marx é uma tradição de vida, não uma escritura sagrada; é preciso levar em conta o período histórico em que ele escreveu" (PMV,p.15).

3)A.Heller reserva o termo individualidade para referir-se ao indivíduo que tem liberdade(sempre relativa) de fazer escolhas, que não é subjugado por ditames externos dos quais não tem consciência; para designar esta segunda condição, ela usa o termo particularidade.

4)Lembremos que por individualidade a autora entende a aliança da particularidade com a genericidade, via explicitação das possibilidades de liberdade, de fazer escolhas moralmente orientadas, de conduzir a vida.

5)Vale a pena relembrar, neste momento, que na particularidade, o indivíduo faz história mas não sabe que a faz, o que não ocorre quando ele vive como individualidade; aqui, ele faz história e sabe disso; sabe que é alienado e se apropria da alienação. É desta perspectiva que os grupos nos quais é facilitada esta passagem da particularidade para a individualidade assumem um papel fundamental.

6)A.Heller declara-se contrária às teorias da desestruturação da subjetividade no processo de desalienação; segundo ela, o sujeito não deve ser destruído mas construído.

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  • 1 month later...
  • Usuário Growroom

Vc deveria ter adaptado, pq ta mto grande, mas prometo que vou ler e volto aqui p/ gente discutir.

Eu tbm postei uma tese bem simples sobe a relação do home c/ o ecosistema, mas ninguem respondeu, não vou chorar por isso né?!?! Vai ver não e tão interessante p/ eles qnt é p/ mim.

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