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Seguindo as rotas da maconha...


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  • Usuário Growroom

Seguindo as rotas da maconha, no Marrocos, na Espanha e na Europa

A maior parte da droga consumida na Europa é produzida do Marrocos; para encaminhá-la do produtor ao consumidor, a criatividade não tem limite.

Michel Samson

enviado especial ao Marrocos e à Espanha

Um policial marselhês que leva regularmente seu moleque para assistir aos jogos do Olympique, numa das curvas do Estádio Velódromo, confessa: "Quando vejo um pai e seu filho compartilharem um baseado ao meu lado, eu acho isso um pouco estranho". Tanto mais que a sua profissão é de perseguir os traficantes.

Contudo, esta curtição singela e quase ingênua de um "fuminho" é o ponto final de um percurso muito longo, repleto de riscos, de negociações ocultas, de perseguições bem-sucedidas ou fracassadas, de arriscadas transferências de mercadoria de um veículo para outro. A maconha, da qual é extraído o haxixe, não é cultivada em grande escala na França, nem nas cidades-dormitórios nem nas casas dos burgueses boêmios.

Ela vem do Marrocos que fornece, segundo o relatório de 2005 do Centro das Nações Unidas contra a droga e o crime, 31% da produção mundial e 80% das 3.000 toneladas que são fumadas todo ano na Europa. A ONU avalia que o mercado marroquino da maconha movimentou 10,8 bilhões de euros em 2004 (R$ 30,11 bilhões), e 12,3 bilhões de euros (R$ 34,3 bilhões) em 2003. Entra a compra inicial e a venda no varejo, o quilo de resina passa de 300 ou 400 euros (entre R$ 836,47 e R$ 1.115,29) para 1.500 ou 2.000 euros (de R$ 4.182,33 a R$ 5.576,44).

Tudo começa no Rif, a montanha marroquina situada na ribanceira do

Mediterrâneo. Ali, o inverno é rude e nevado, e a cultura da maconha uma tradição. Neste lugar, ela se estendeu de maneira avassaladora com a explosão da demanda européia, durante os anos 70. Nos dois vales os mais elevados de Chefchauen e de Ketama, ela assumiu a aparência de uma quase monocultura. Em certas aldeias foram construídas inúmeras

"garagens-oficinas" onde táxis Mercedes, vans 4 × 4 e caminhões são

"blindados", ou seja, equipados com esconderijos para levar a mercadoria para as cidades ou a região costeira.

Nestes vales áridos onde se sucedem "douares" (aglomerações nômades)

miseráveis, as terraplanagens onde cresce a planta verde estão empoleiradas nas áreas onde o declive não é tão forte. Os dutos de irrigação formam uma rede eficiente e, com a exceção de algumas hortas e amendoeiras, não se vê outra coisa senão esta planta. Os camponeses os mais pobres só possuem uma única parcela de terra. Eles não extraem a resina, e sim vendem sua modesta produção de plantas aos mais ricos de que eles. Os outros (cerca de 65% dos camponeses) deixaram para trás esta era artesanal.

Eles empregam uma mão-de-obra oriunda em muitos casos de outras regiões e transformam a resina em barrinhas prensadas de haxixe, produzidas por meio de imprensas manuais instaladas dentro de abrigos onde trabalham alguns operários. Esses camponeses empreendedores vendem diretamente e não raro propõem eles mesmos um transporte para a Europa. Em muitos casos, eles recorrem a intermediários que policiais e sociólogos qualificam de "barões", instalados nas cidades costeiras: Tanger, Tetuan, Nador ou Casablanca. Em 2003, 3.070 toneladas de haxixe saíram das províncias do Norte, enquanto foram 2.760 toneladas em 2004.

O politólogo marroquino Mohammed Tozy, que contribuiu para o relatório da ONU, divide os 120.000 a 130.000 hectares de cultura da maconha no Rif em três zonas, que se diferenciam pelo grau mais ou menos importante de tolerância das autoridades. A primeira é a dos altos vales, onde o kif é cultivado desde o século 16. Ali, a cultura é tolerada, sendo que esta tolerância é objeto de negociações permanentes com as autoridades. Em certos casos, pode ocorrer que uma campanha, mais ou menos imposta pela Comissão européia, ou por uma mudança de delegado local derrube as proteções locais ou... reabra negociações sobre as tarifas. Os camponeses vivem sob a imposição de multas cujo pagamento posterior não é exigido... até que ele o seja. Naquele momento, eles arriscam serem presos. Uma vez passada a tempestade, tudo volta como antes no quartel de Abrantes.

Segunda zona de produção: o alto-relevo do Rif, na região Oeste em

particular, e os piemontes. Aqui, a maconha é rainha. As autoridades exercem uma pressão permanente: não há tolerância oficial alguma, mas tampouco operações de erradicação. A idéia do poder, explica Mohammed Tozy, é de equipar melhor essas zonas, urbanizá-las "para tornar as coisas mais transparentes e inventar outros recursos": azeitonas, amêndoas, turismo.

Terceira zona: a planície costeira que se estende até a cidade atlântica de Larache. Lá, a política oficial é a erradicação. Em junho de 2005, 80% da produção da região teriam sido destruídos por meio de lança-chamas. Esta erradicação explica também a diminuição da produção global entre 2003 e 2004.

Primeira razão que explica esta política: o capital necessário para

implantações recentes provém de "barões" de Tanger ou de outros lugares. Esses temíveis homens de negócios podem importar armas e cocaína e são incontroláveis, o que é intolerável para a monarquia. Além do mais, vários dentre os autores dos atentados islâmicos de Madri, na Espanha (em 11 de março de 2004) eram originários de Larache. Isso permitiu descobrir a existência de vínculos entre o fundamentalismo islâmico e o tráfico: o Palácio não quer nem saber disso.

Qual quer que seja a zona de onde vem o haxixe, ele precisa ser exportado. As rotas de saída são tão numerosas quanto engenhosas. O meio mais seguro, e provavelmente o principal são os contêineres nos navios de comércio. Tanger, e, sobretudo, Casablanca, são as melhores portas. O mais fácil é trabalhar com pessoas que exercem atividades de importação/exportação oficiais.

Mas os pacotes de barrinhas podem sair em qualquer artefato que flutue. O mais utilizado é a lancha pneumática de quatro motores, que parte durante a noite de uma orla atlântica ou mediterrânea rumo ao litoral espanhol. Um especialista relata que, ferido por uma bala de borracha atirada de um helicóptero espanhol, o piloto de uma lancha que partira de Tetuan e que transportava 4 toneladas de haxixe conseguiu alcançar as águas internacionais até enfrentar um vazamento de óleo. De Nador, um outro barco foi enviado de emergência e conseguiu salvar os homens... e a mercadoria.

Uma outra modalidade é o veleiro. Recentemente, os funcionários da alfândega francesa interceptaram dois deles, em Port-Saint-Louis-du-Rhône (perto de Marselha). Policiais e traficantes mencionam ainda navios de cruzeiro russos, aviões de linha, ônibus regulares ou de viagens turísticas. Outros traficantes, no norte do Marrocos, se gabam de conhecer "barões colombianos".

Assim, de modo geral, as rotas de saída da maconha marroquina, das quais algumas seguem rumo à África negra, são múltiplas e praticamente

incontroláveis. Segundo reconhecem muitos policiais, funcionários de

alfândega e vendedores, a maior parte do tráfico passa pela Espanha, onde são realizadas, na sua maioria, as transferências da mercadoria de um veículo para outro.

O encontro noturno na praia de desembarque deve ser tão preciso quanto

rápido. Adolphe Ramacciotti, da brigada dos narcóticos de Marselha, explica: "Um carregamento de 2 toneladas está chegando. Alguns marselheses que compraram metade da mercadoria estão presentes, assim como outros, que encomendaram apenas 200 ou 300 kg. Cada um deles verifica que os lotes que ele está recebendo estejam mesmo estampilhados com a sua marca. Na entrega, só é paga a metade da mercadoria. Com isso, o fornecedor consegue cobrir suas despesas, sua mercadoria e obtém um pequeno lucro".

Um dos raros sociólogos que investigaram o "meio" confirma: esta modalidade de pagamento - metade na entrega, metade depois da venda - é generalizada ao longo de toda a corrente, do Rif até a revenda pelos "dealers" de rua.

As astúcias para ludibriar a vigilância policial são por vezes diabólicas. Patrick Del Molin, um oficial de ligação francês baseado em Madri relata que uma equipe de traficantes havia cavado um grande buraco numa poderosa lancha. Eles haviam mandado construir uma barca de fibra de vidro de fundo achatado, que estava afixada na parte de baixo do barco carregador e que estava repleta de mercadoria.

A embarcação híbrida subia rumo à nascente de um rio do sul da Espanha, e a barca submarina era largada perto de uma ponte. A lancha, então, tomava o caminho de volta. Por meio de um outro barco pequeno e recorrendo a um mergulhador, cúmplices recuperavam os pacotes impermeabilizados. O barquinho retornava ao porto, era içado sobre um reboque puxado por um carro, que corria até a casa de veraneio alugada por este bando de uma dezena de delinqüentes franceses.

Uma vez que o haxixe chegou a bom porto e foi distribuído entre os

compradores, começa um outro percurso: de carro, de caminhão, de trem... Ou, já faz alguns anos, de "go fast". Esta técnica consiste em formar um comboio "selvagem" de dois ou três veículos muito rápidos - Mercedes, Audi Quattro, A8... - que transportam a mercadoria, não dissimulada, por pacotes de 500 a 800 kg.

Os motoristas, que andam encapuzados para não serem reconhecidos caso eles sejam filmados, podem até mesmo forçar a passagem nos pedágios. Adolphe Ramacciotti relata uma movimentada operação de prisão. "Em 2004, nós perseguíamos um comboio vindo da Espanha. Os traficantes deveriam fazer sua entrega por volta das 4h30 na encruzilhada de La Fossette, na zona industrial de Fos (região de Marselha). Por terem sofrido um atraso, eles só chegam às 8h, num momento em que há muita gente na encruzilhada. Nós tínhamos instalado uma barragem-funil por meio de barreiras de concreto e estacionamos um guincho atravessado na estrada, com grades. Nós os pegamos. Eles arrancaram em velocidade em marcha à ré e empurram nossos carros. A sua van 4 × 4 conseguiu sair de um fosso de 2 metros de largura e partiu rapidamente na planície, em ziguezague. Por sorte, ela acabou se espatifando numa mureta: com os airbags, os dois rapazes conseguiram sobreviver e foram salvos!"

Eles foram presos, mas, em geral, muitos desses delinqüentes chegam ao seu destino sem maiores problemas.

Quando o carro se aproxima do seu ponto de encontro, o responsável pela

encomenda assume o controle da operação, escoltado por um homem de

confiança. Ele leva então o carro até o local de armazenagem, de onde a

mercadoria deve repartir rapidamente. Nem se cogita de deixar quilos de

haxixe sem proteção: o risco de ser roubado é grande demais. O policial

marselhês cita como exemplos de armazéns uma estufa abandonada perto da

lagoa de Berre, ou um hangar isolado perto de Marignane (ambos na região marselhesa). Nesses locais, não raro é efetuado um primeiro "corte" da resina, para aumentar os lucros sobre as vendas. De lá, o estoque armazenado vai sendo fragmentado, à medida que é levado por partes até os depósitos vazios de uma cidade ou até uma garagem alugada por um colega.

Neste caso também, o escoamento deve ser rápido. A transação seguinte é

efetuada num lugar protegido, mas que possa ser vigiado, e de onde seja

possível partir rapidamente. A cidade marselhesa de La Cayolle, onde os

policiais prenderam revendedores recentemente, foi concebida pelo seu

arquiteto como uma "medina" (parte antiga de uma cidade árabe), com as suas vielas e seus becos. Nela, o comprador entra e desaparece: é impossível ver de quem ele compra.

De lá, as "barrinhas" partem para a cidade, e espalham-se por todos os meios sociais. Decididos a mostrar para a justiça que um tráfico de importância estava ocorrendo num bairro tranqüilo, os policiais marselheses deixaram se desenrolar uma sessão de vendas durante uma tarde inteira. Então, eles alcançaram os compradores a algumas centenas de metros do "mercado". Cerca de quinze clientes caíram nas suas redes. Segundo se recorda Adolphe Ramacciotti, "havia comerciantes, docentes, empregados, desempregados..."

E o nosso torcedor de futebol constata: "O 'baseadinho' tornou-se um modo suave de contestação, bastante festivo. Aliás, as vendas sempre recrudescem dois ou três dias antes de cada festa. E nos dias que precedem cada partida importante".

Fonte: Jornal Le Monde

17/05/2006

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