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A Legalização Da Maconha E Suas Consequências


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A legalização da maconha e suas consequências

Autor:Francisco Alejandro Horne

Texto extraído do Boletim Jurídico - ISSN 1807-9008

http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1537

1 – INTRODUÇÃO

Quando nos disponibilizamos para buscar informações para escolher o tema deste trabalho, descobrimos uma notícia interessante na CNN: no Canadá se aprovava uma lei pela qual o estado permitia o uso de maconha com fins terapêuticos em uma série de doenças crônicas e terminais.

A legalização da maconha é um tema bastante controvertido, pela quantidade de interesses ocultos que existem por trás da mesma, sobretudo sociais e econômicos.

Essa falsa concepção que existe, relacionando os usuários da Cannabis à “vagabundagem”, cairia por água abaixo com a sua legalização. Assim como acreditamos que, se a natureza nos deu substancias para combater quase todas as doenças, seria um absurdo omitir o valor da Cannabis para o uso medicinal.

2 – CÂNHAMO: MEDICINA MILENAR

Já se passaram quase 5.000 anos desde a primeira referencia escrita sobre o uso médico do cânhamo. Em 2737 a.C, o imperador chinês Shen Nung, em seu compêndio de ervas medicinais já recomendava a Cannabis para um grande número de disfunções e enfermidades. Em todas as grandes culturas ancestrais, encontramos referencia de primeira ordem que nos recordam a importância secular desta planta no cuidado da saúde da humanidade. Citando as mais relevantes, na Índia temos o Athavarda Veda, que atesta o valor da planta sagrada usada em rituais religiosos. Também o Zend-Avesta pesa, o Susruta assírio, e diversos papiros egípcios, citam a Cannabis como planta medicinal de grande valor. Na Odisséia de Homero, Helena usa a Cannabis para aliviar suas dores.

A medicina ocidental iniciada por Hipócrates e Galeno, também recomendava o seu uso. O obscurantismo religioso medieval, precursor do atual obscurantismo proibicionista, levou este valioso saber ao esquecimento. Com o resurgimento da medicina empírica no Renascimento, que a nossa cultura voltou a recuperar essa valiosa fonte de saúde que outras culturas haviam conservado. As campanhas Napoleônicas no Egito e, sobretudo a colonização inglesa na Índia, serviu para situar a Cannabis e seus derivados num lugar preeminente de nossa farmacopéia. Mais tarde no século VII, diversos médicos e psiquiatras a utilizavam para combater estados de ansiedade e para amenizar o sofrimento dos afligidos por dores da alma.

No final do século IX Sir John Russell Reynolds, médico particular da rainha Victória afirmava: “puro e administrado corretamente, é um dos fármacos mais valiosos que possuímos”.

A proibição, no início do século XX, fruto de questões morais e religiosas, e auspiciadas por interesses econômicos, chocou com os pronunciamentos contrários de reputados médicos e instituições. Estes “hereges” foram tratados sem piedade, desprestigiados, arruinadas suas carreiras profissionais e tratados como delinqüentes. Uma vez eliminados os pecadores, essa nova inquisição tentou eliminar o pecado: o conhecimento e a investigação sobre o uso terapêutico da Cannabis. Ao medo dos médicos se juntou uma campanha de manipulação sobre a opinião científica, que criou uma imagem de droga prejudicial ao extremo para a saúde, geradora de todo tipo de deterioramento físico e condutas anti-social.

No Brasil a maconha surgiu, trazida pelos escravos da região de Angola. Por isso é conhecida como “Fumo de Angola”. Os negros utilizavam nos rituais religiosos, culturais e para aliviar as dores da alma e do corpo.

Os senhores de engenho, preocupados em denegrir a imagem dos negros, passaram a associar a droga à vagabundagem. Diziam que os negros utilizavam a droga para não realizarem os trabalhos. Assim sendo, a discriminação ocorreu desde que a maconha aqui chegou.

3 – CANNABIS SATIVA – MACONHA

Cannabis é um gênero de plantas herbáceas de grande tamanho. Da espécie cannabis sativa se obtém o cânhamo e diversas drogas alucinógenas.

A cannabis sativa é um arbusto silvestre que cresce em zonas temperadas e tropicais, podendo chegar a uma altura de seis metros, extraindo de sua resina o haxixe. Seu componente pisco ativo mais relevante é o delta-9-tetrahidrocanabinol (delta-9-THC), contendo a planta mais de sessenta componentes relacionados. Os fármacos psicotrópicos descobertos até agora contêm sempre alcalóides indólicos. A única exceção a essa regra é o cânhamo, pois o THC não contém nitrogênio e não é, portanto um alcalóide.

A maconha é o produto formado pelas subunidades floridas, folhas, frutos, talos, sementes do cânhamo. Uma vez secos são triturados finamente, por isso tem uma aparência de tabaco, variando sua coloração segundo a sua procedência de verde a marrom.

Seu consumo se realiza de forma pura ou mesclada com tabaco, podendo ainda ser encontrada em forma de cápsulas, incensos e chá. Os efeitos da mesma variam dependendo da sua riqueza em THC. Essa riqueza depende do clima em que cresceu a planta, método de cultivo, armazenamento e colheita. Seus efeitos podem ser similares ao do haxixe, porém menos potentes.

Consome-se preferencialmente fumada, mas pode realizar-se infusões com efeitos distintos. O cigarro de maconha pode conter 150 ml de THC e chegar até o dobro, caso seja consumida com o óleo de haxixe. Em respeito à dependência, se considera primordialmente psíquica, os sintomas característicos da intoxicação são: ansiedade, irritabilidade, tremores, insônia, muito similares aos das benzodiacepinas.

O consumo oral da maconha implica efeitos psicológicos similares aos expressados na forma fumada, porém em maior intensidade e duração, e com efeitos nocivos potencializados.

A maconha pura contém inúmeros agentes químicos, alguns deles sumamente causam danos à saúde. Porém o THC em forma de pílula para consumo oral (não se fuma), poderia ser utilizado no tratamento dos efeitos colaterais (náuseas e vômitos) em alguns tratamentos contra o câncer. Outro químico relacionado com o THC (nabilone) foi autorizado pela “Food and Drug Administration” para o tratamento dos doentes de câncer que sofrem de náuseas. Em sua forma oral o THC é usado em doentes com AIDS, porque os ajuda a comer melhor e manter seu peso.

O THC afeta as células do cérebro encarregadas da memória. Isto faz com que a pessoa tenha dificuldade em recordar eventos recentes (como os que se sucederam a minutos atrás), e dificulta o aprendizado quando da influencia da droga. Ao ser fumada é facilmente absorvida pelos pulmões e passam rapidamente ao cérebro. Seus efeitos se manifestam poucos minutos após, e podem durar entre duas e três horas.

4 – EFEITOS

A maconha fumada causa a maioria dos mesmos problemas de saúde relacionados ao tabaco. Fumada ou comida, a maconha pode quebrar o equilíbrio, a coordenação física e a percepção visual. Isto pode ser perigoso ao dirigir um automóvel ou operar máquinas. Algumas pessoas se sentem narcotizadas (desorientadas e vertiginosas) ao usar a maconha. Esse efeito pode ser mais forte quando se come que quando se fuma.

Alguns usuários desenvolvem uma tolerância a maconha. Isto significa que necessitam de doses cada vez mais altas para conseguirem o mesmo efeito. Os usuários também podem tornar-se dependentes da maconha e podem ter síndrome de abstinência quando deixam de usa-las.

O principal inconveniente para o uso estritamente médico da cannabis, é o chamado efeito “globo” ou “muito doido”, que consiste em um transtorno das conexões nervosas que produz um fenômeno de dispersão mental, debilitando a memória imediata e dispersando as faculdades discursivas.

O efeito psicotrópico da cannabis, similar ao de outras substancias como o LSD, Peiote, Psilocibina, consiste basicamente em uma sensibilidade incrementada que leva também a uma certa falta de equilíbrio e de segurança psíquica do sujeito, acompanhada de uma “alteração do estado de consciência”.

Esses efeitos em gente insegura podem acabar em reações de pânico e ansiedade. De todas as formas esses casos são escassos. Pois as pessoas propensas a isso, normalmente deixam o consumo. A maconha reduz a tensão sangüínea (por isso seus efeitos relaxantes), e em caso de abuso pode produzir o desmaio momentâneo do consumidor “teto branco”, que com uns minutos de relaxamento e um pouco de glicose, se solucionam.

5 – POSSIBILIDADES TERAPEUTICAS

Todos os atos médicos estão baseados no binômio risco-benefício, e a maconha não é uma exceção. Apesar do THC ser o principio ativo mais estudado, existem outros componentes com possíveis usos terapêuticos, como o: canabidiol. O possível uso terapêutico dos canabinoides, mede-se com os mesmo parâmetros com que se valora outras moléculas potencialmente terapêuticas, ou seja, baseada em analises cientificas metodologicamente rigorosas.

Os riscos do consumo da maconha não devem ser considerados apenas em função dos efeitos adversos agudos, senão também e, sobretudo nos efeitos de longo prazo em sujeitos com doenças crônicas, dadas os riscos de aparição de tolerância aos ditos efeitos terapêuticos.

Fatores como a idade, o estado imune, e o desenvolvimento de doenças intercorrente ou concomitante deve ser considerado na determinação do risco. Nos estudos levados a cabo até o momento, a maconha pode ter utilidade terapêutica em:

• Analgesia – existem evidencias da capacidade analgésica da maconha. Estudos indicam que existe uma estreita margem terapêutica entre as doses efetivas e as que provocam efeitos indesejáveis no sistema nervoso central;

• Transtornos Neurológicos e dos Movimentos – há evidencias de que a maconha melhora os espasmos provocados pela esclerose múltipla e a lesão parcial da medula espinhal, porém não há publicações de que a cannabis seja superior ou equivalente a terapia existente;

• Náuseas e Vômitos Associadas a Terapias Oncológicas – em estudos sobre pacientes que não conseguiram alivio mediante a medicina tradicional(Reino Unido), 78% admitiram uma notável melhoria ao fumar maconha, na Europa, desde 1985 os oncologistas foram legalmente autorizados a administrar oralmente o THC sintético em forma de cápsulas;

• Glaucoma – o descobrimento de que a maconha reduz a pressão intraocular, se deu acidentalmente em experimento na Universidade da Califórnia. Os sujeitos da experiência eram totalmente voluntários que fumavam maconha cultivada pelo governo. A maconha reduziu a pressão intraocular por uma média de 4 a 5 horas. Os investigadores concluíram que a maconha pode ser mais útil do que os medicamentos convencionais e provavelmente atua por um mecanismo diferente, essa conclusa foi confirmada em experiências adicionais com seres humanos e estudos com animais;

• Estimulante do Apetite – estudos clínicos e de segmento em população sadia, mostraram uma forte relação entre o uso de maconha e o aumento do apetite. A maconha aumenta o prazer de comer e o numero de refeições ao dia “larica”;

• Estresse – pode ser um bom alimento para o espírito, porque a fumaça aromática ajuda a reconciliação com nós mesmos;

• Insônia – inúmeras pessoas que sofrem de insônia encontraram no uso da maconha uma forma de dormir com tranqüilidade;

6 – IMPACTO SOCIO-ECONÔMICO DA LEGALIZAÇÃO DA MACONHA

Há muitas questões a analisar sobre a legalização das drogas, pois a aceitação ou não terá uma grande influencia na sociedade e na economia.

As pessoas que são a favor da legalização assumem que o governo não pode evitar que façamos danos a nós mesmos, se nós mesmos não podemos fazê-lo.

Alegam que se não podem legalizar a s drogas, por que então legalizaram o álcool e o tabaco, que causam danos e podem ocasionar a morte. Alegam também que não podem proibir nada, se não causa danos a terceiros.

O tema da legalização e da descriminalização das drogas tem a ver com uma pergunta: que deve fazer o governo? O governo pode evitar que façamos danos uns aos outros, evitar que matemos, seqüestremos, pode garantir a seguridade e a justiça, que são as legitimas funções do governo.

A proibição atenta contra a liberdade de consumir. É mais confiável correr o risco do mau uso e da liberdade, sempre e enquanto não atente a terceiros, do que esperar a ação cada vez mais rara do governo.

Afirma-se que o narcotráfico é causa da proibição das drogas, e para que o narcotráfico, que se converte em narcopolítica, desapareça, é necessário legalizar e regulamentar o consumo de drogas, levando em consideração que isso não acabará com o consumo, mas sim com o narcotráfico.

Tem que se distinguir o narcotráfico, do consumo de drogas. Este é um problema de saúde, muito diferente do narcotráfico, que é um grave problema de segurança nacional. “O modelo repressivo de combate às drogas, muito bem simbolizado pela chamada” guerra contra as drogas, comprovadamente falhou”. (Rocco, 1996. P.07).

Legalizando e regulamentando o consumo de drogas, não se resolve o problema do vicio, mas sim elimina o narcotráfico, que pode ajudar em certa medida a redução do problema do vicio, por duas razões:

1) Os recursos que o governo utiliza para combater (sem resultados proporcionais), ao narcotráfico, poderiam destinar-se a combater mais eficazmente (prevenção e reabilitação), dos viciados;

2) Eliminando o narcotráfico, se elimina uma importante fonte de oferta de drogas, que se encarrega de “fazer propaganda” do produto entre os mais desprotegidos da sociedade (crianças e jovens), com os quais os narcotraficantes fazem um esforço para “fisga-los”.

Aos narcotraficantes, é conveniente que se aumente à demanda por seus produtos e se esforçam para que assim seja. Eliminando-se o narcotráfico, elimina-se uma fonte de oferta, que está muito interessado em que a demanda cresça cada vez mais.

O narcotráfico se converteu numa atividade que lucra milhões de dólares por ano e que corrompem o mundo. Com essas cifras eles financiam guerrilhas e golpes de estado, transformando o narcotráfico em narcopolítica. Desaparecendo o lucro, desaparece também o narcotráfico.

Porém, a legalização não seria um processo que aconteceria em um único tempo. É difícil pensar em legalizar todos os tipos de drogas de uma só vez. Acredita-se que a legalização da maconha seria o primeiro passo nesse processo, por ser ela uma droga que trás benefícios à sociedade, e que é amplamente consumida por diversas camadas sociais.

Desmistificando assim uma droga que trouxe consigo inúmeros preconceitos, desde sua associação aos negros escravos até os dias atuais, onde está associada a marginalidade e proibida por uma legislação ultrapassada (que classifica os usuários como verdadeiros marginais), estaríamos evoluindo verdadeiramente para uma solução acertada.

7 – CONCLUSÃO

É necessário pensar a questão da legalização deslocando o enfoque dado a droga para o sujeito. Com isso, estaremos envolvidos em ações que possibilitem uma intervenção direta na sociedade, pois os recursos destinados hoje em dia ao combate do narcotráfico, estariam a disposição para serem aplicados na recuperação dos usuários.

REFERENCIAS

1. OLIEVENSTEIN, Claude. A Droga. Tradução Marina Camargo Celidônio. São Paulo: Brasiliense, 1980.

2. HUXLEY, Aldous. As Portas da Percepção e Céu e Inferno. Tradução Osvaldo de Araújo Souza. Rio de Janeiro: Globo, 1987.

3. BAUDELAIRE, Charles. O Poema do Haxixe. Tradução Annie Paulette Marie Camber. Rio de Janeiro: Newton, 1996.

4. Rocco, Rogério. O que é legalização das Drogas. 11aed , São Paulo, ed.brasiliense, 1996.

5. Nahas GG. The medical use of cannabis. En. Nahas GG, eds. Marihuana in Science and Medicine. New York: Raven Press; 1984.

6. Hall W, Solowji N, Lemon J. The health and psychological consequences of cannabis use. Monograph Series No. 25. National Task Force on Cannabis; 1994.

7. Segal M. Cannabionids and analgesia. En: Mechoulam R., ed. Cannabinoids as therapeutic agents. Boca Ratón, Florida: CRC Press; 1986.

Sobre o autor:

FRANCISCO ALEJANDRO HORNE:

Acadêmico das Faculdades Jorge Amado - BA.

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