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A Quem Interessa O Crime?


Na_Bruxa

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  • Usuário Growroom

A notícia é meio antiga mais valhe a pena lêr.

Por Janer Cristaldo - 02/06/2003

A quem interessa o crime?

Ainda as drogas. Há duas semanas, Gabriel García Márquez declarou-se a favor da legalização das drogas, para acabar com as lutas internas que fustigam a Colômbia, deixando um saldo de milhares de mortos todos os anos. Segundo a imprensa, é a primeira vez que o escritor se declara publicamente a favor da legalização das drogas. Alguns jornalistas, mais desconfiados, consideram que esta proposição visa favorecer o comunismo no continente e particularmente as FARC, guerrilha colombiana que se sustenta com um misto de marxismo e cocaína.

Os jornais, mesmo nestes dias de redações computadorizadas, deveriam manter em seus quadros um jornalista mais velho e de boa memória, com a função exclusiva de evitar que os mais jovens escrevam bobagens. Pois consultar arquivos, que é bom e salutar, já não se usa mais. Ora, em 1997, García Márquez publicou um manifesto na revista espanhola Cambio 16 defendendo a legalização mundial controlada das drogas. O documento foi assinado por mais de dois mil intelectuais latino-americanos. Bastou o transcurso de seis anos para que jornalistas, que têm por ofício a preservação da memória, não mais lembrassem deste manifesto que tanta celeuma provocou na época.

Quanto a favorecer o comunismo... É o que os militares brasileiros diziam da pornografia nos anos 70. Os famosos livrinhos suecos não passariam de uma sórdida conspiração dos soviéticos para perverter a juventude e desestruturar a família, em suma, para minar os valores do Ocidente. A pornografia foi liberada, os livrinhos – que antes davam cadeia – saturaram as bancas de jornais, salas convencionais de cinema se transformaram em salas de pornô, o cinema nacional investiu no novo mercado com suas produções baratas, o novo produto invadiu as ruas, salas e lares... e nada. A família continuou estruturada – ou desestruturada – como antes. Se as separações aumentaram, é porque a legislação passou a permitir o divórcio. A juventude – quem diria? - deixou a pornografia de lado e preferiu a droga, coisa que livrinho ou filme sueco algum recomendava. As salas de cinema pornô foram perdendo seus clientes e hoje abrigam templos evangélicos. Quanto ao comunismo, morreu com o século. Morreu onde nasceu. Fora excrescências como China, Cuba e Coréia do Norte, está morto e bem sepultado. Na América Latina e em especial no Brasil viúvas saudosas tentam reerguer a bandeira. Mas já não há clima. Não mais existe uma todo-poderosa URSS para bancar colônias no Terceiro Mundo. A Santa Madre Rússia, a mãe da peste, há anos deixou de subsidiar a ilha de Castro e já não consegue sequer manter-se nas pernas. A religião que dominou o século morreu no berço e dela hoje só resta o cheiro abominável do cadáver do deus morto.

Ou vamos imaginar que há um complô comunista no Canadá, cujo primeiro-ministro, Jean Chretién, enviou ao Parlamento um projeto de lei descriminalizando o porte de pequenas quantidades de maconha? A posse de até 15 gramas da droga seria punida apenas com multas equivalentes a US$ 182, no caso de menores de 18 anos e até US$ 291, para os maiores. O projeto, aparentemente liberal, continua mantendo a canabis proscrita, afinal 200 ou 300 dólares por um baseado é fator bastante dissuasivo. Além do mais, conserva um item hipócrita: a sentença máxima para plantadores de maconha será elevada para 14 anos de prisão. Ora, se fumar já não é crime, porque criminalizar quem fornece o produto? Na província de Ontario, tribunais locais já decidiram, com mais realismo, que é nula a lei federal canadense contra a posse de maconha.

Desde 1976 a Holanda permite o uso da maconha, para maiores de 18 anos e em bares especiais. Há quase três décadas, mais de 1500 bares vendem a erva livremente. Apenas 5% da população fuma maconha, contra 9% nos Estados Unidos e na Inglaterra, onde vige a proibição. Há traficantes fuzilando autoridades ou fechando escolas na Holanda? Nada disso. Na Espanha e Itália, há multa por seu consumo, mas não prisão. Na Espanha, foi organizada em 1997 a Copa da Maconha, em que 50 produtores se reuniram para eleger a melhor maconha do país. O objetivo da Copa era pressionar o governo pela legalização. Hoje, apenas quatro Estados da União Européia - Suécia, França, Finlândia e Grécia – ainda punem com certo rigor o uso da maconha. A Suécia, cabe lembrar, já teve política bastante liberal em relação à maconha nos anos 70. No ano 2.000, a Assembléia Nacional portuguesa optou pela descriminalização das drogas no país. Os usuários flagrados com drogas não são mais presos pela polícia, mas encaminhados para tratamento médico. Consumidores não-dependentes pagam multas entre 30 e 140 dólares.

Seriam comunistas os demais legisladores europeus? Ou Milton Friedman, que desde os anos 90 defende a liberação das drogas? Ou a conservadora revista britânica The Economist, que em 2001 assumiu esta defesa? Existiria nas decisões européias alguma intenção de favorecer as FARC? Não me parece. Que mais não seja, as FARC são o principal interessado na ilegalidade da droga. Com a droga legal, adeus lucros fabulosos. Sem falar que os impostos reverteriam ao Estado, e não a uma guerrilha marxista e assassina.

Talvez García Márquez queira descriminalizar não as drogas, mas sim as FARC e seu amigo dileto, Fidel Castro, que em outras épocas abriu o espaço aéreo de sua ilha particular ao tráfego. É possível. Esta intenção não invalida a proposta. A criminalização das drogas, hoje, só interessa a quem vive do tráfico.

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