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O Efeito "tropa De Elite"


kanneh

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  • Usuário Growroom

Guilherme Fiúza. Escritor e jornalista, ex-editor de política de “O Globo” e autor de “Meu Nome Não É Johnny” e “3.000 Dias no Bunker”

Junto de seu primo, o ex-traficante João Guilherme Estrella, cuja vida virou tema do livro - e depois do filme - "Meu Nome Não É Johnny", Guilherme Fiúza esteve em Belo Horizonte, no último mês, pela Bienal do Livro de Minas , quando concedeu esta entrevista exclusiva ao Magazine.

DOUGLAS RESENDE

Depois do sucesso de "Meu Nome Não É Johnny" - do livro e do filme - você se tornou uma espécie de referência no assunto do consumo de drogas e sua relação com a sociedade. Foi por isso, aliás, que você foi convidado a participar de um debate na Bienal do Livro de Minas que teve como tema "Drogas: o Consumidor não Tem nada com isso?" Como você vê essa pergunta depois da experiência com o livro?

Escrevi outro dia no blog que tenho na revista "Época" sobre uma lei municipal que saiu em São Paulo obrigando as boates a terem bebedouros, por causa do pessoal que toma ecstasy, que é uma droga que desidrata. É uma decisão polêmica porque se a droga é proibida não tem que instalar bebedouro nenhum, você tem é que proibir as pessoas de consumir. No entanto, a realidade é que as pessoas consomem drogas, algumas lícitas, outras não.

O que existe na sociedade é uma grande hipocrisia ao considerar que o consumo de drogas é uma coisa que pode ser erradicada. Eu não acredito nisso porque o consumo serve a diversos fins: diversão, fuga, alienação, expansão da consciência, autodestruição. Portanto, a droga é uma experiência que vai ser sempre perigosa e arriscada, mas as pessoas têm o direito de passar por aquilo, do mesmo jeito que têm o direito de beber e ver como se sentem, especialmente na juventude, que é uma época de busca, de autoconhecimento.

Então eu acho que existe uma certa simplificação exagerada da realidade e da condição humana quando você prescreve o consumo zero de drogas, porque tem uma série de outros hábitos e comportamentos humanos que a princípio também não são louváveis. Mas o ser humano é isso, uma eterna experimentação. Por isso, essa decisão dos bebedouros é, para mim, um alívio. É você dizer que não vamos acabar com o consumo de ecstasy inteiramente, pois não é porque uma droga é proibida que ela não vai ser obtida.

Ao contrário, o mercado é dominante. Quer dizer, onde há demanda vai haver oferta. Você poderia desejar, por exemplo, que não tivessem criado aquele princípio ativo, mas uma vez que existe o LSD, a canabis, o álcool, a papoula, e existe gente buscando isso, não dá mais para erradicar. Então o que dá para fazer? Buscar preparar as pessoas, preparar a sociedade para lidar com aquilo da melhor forma.

No livro "1968 - O que Fizemos de Nós", lançado recentemente, Zuenir Ventura aborda o tema de forma similar, considerando o combate às drogas "enxugar gelo".

A essa altura do campeonato estamos aí com o pessoal que viveu nos anos 1960 a primeira experiência em larga escala do uso de entorpecentes e de psicotrópicos. Já tivemos várias gerações que se sucederam e, portanto, já teria tido a possibilidade de lidar com isso de outra forma. Por exemplo, um um filho que chega em casa dizendo que teve uma experiência com drogas é muito raro. E se você fizer uma enquete com pessoas sinceras, com pais sinceros, você vai encontrar um resíduo de pais que são capazes de receber um filho que teve experiência com drogas e dialogar com ele, antes de condená-lo e reprimi-lo.

E você acha que "Meu Nome Não É Johnny" colabora para amadurecer a questão?

"Meu Nome Não é Johnny" entra justamente para ajudar nesse aspecto do diálogo e da não-estigmatização. Se você não estigmatiza você dá muito mais chance ao filho de entender o que está acontecendo com ele mesmo, de conseguir apoio para as perplexidades, para o sofrimento, para a busca dele e passar por aquilo e ir embora. Não estou advogando que todo jovem deve passar por drogas.

Absolutamente. Agora, quem buscou porque se garante vai se divertir com aquilo, pirar e ir embora, e entender que o porto seguro dele é a sua própria cabeça, não, alguma substância. Ótimo. A grande batalha aí é até uma questão simples, não sofisticada, e justamente por isso é tão absurda.

O que tem de principal nessa questão das drogas para mim é esse estigma. Quer dizer, a palavra maconheiro é ainda um negócio ligado a bandido, a mau elemento, a depravado. Enquanto o pinguço é um simpático, no máximo um inconveniente ou um falastrão. E o que difere uma coisa da outra? Só o carimbo, o preconceito, esse estigma.

Outro produto cultural contemporâneo que também trata do combate às drogas e da posição do usuário é "Tropa de Elite". O que você pensa do tratamento temático do filme?

O fato de as drogas serem proibidas é um enorme indutor de corrupção, porque elas movimentam muito dinheiro. Então é evidente que a banda corrupta da sociedade, da polícia, do judiciário, se beneficia dessa indústria, porque o policial corrupto não vai perder uma fonte de renda tão preciosa. É um sistema pervertido, mas não estou dizendo que o sistema todo tenha interseções. Agora, eu não admito que a culpa fique só no usuário. Aí é quando você vê o "efeito ‘Tropa de Elite’": "O sistema é uma merda e é pervertido. E já que ele é assim, a gente se resigna e vai discutir o usuário". Aí eu acho que está errado. Aqueles personagens estudantes da PUC são realmente nojentos, detestáveis.

No filme eles representam o usuário. E ali está o estigma do maconheiro.

Exatamente. Está caricatural demais a representação do usuário. Não é uma representação honesta. "Meu Nome Não É Johnny", considerando esse tema, também veio trazer a questão da responsabilidade do consumidor por financiar a violência. O cara compra a cocaína que é ilegal e ele está dando dinheiro para o traficante, que é um cara violento.

Só que o cara que compra ecstasy, do jeito que o mercado é, não compra de traficantes armados. Ele é vendido por pessoas não-violentas. Então a opção pelo uso de drogas não tem a ver, na origem, com a violência. É claro que se você tem a possibilidade de abrir mão daquilo, de tomar a decisão de nunca mais comprar cocaína porque está financiando o tráfico, ótimo.

Acho muito legal essa tomada de posição. Agora, você querer que a sociedade tome essa posição e estigmatizar o cara que não o fez, acho cruel e totalitário. Porque você está exigindo muitas vezes que o fraco seja forte. Você está dizendo que se o outro não tomar essa decisão ele não merece o nosso apoio, que está antes de mais nada moralmente condenado por nós.

Mas as pessoas são imperfeitas, precisam de ajuda e de tolerância.

Você acredita na idéia de que a intolerância e a criminalização são o que está financiado o tráfico e a violência, pois sem isso não haveria ilegalidade e, portanto, criminalidade?

Você até pode supor que os criminosos, se as drogas fossem liberadas, poderiam partir para outro tipo de crime, e a violência continuaria. Mas o fato é que não é a droga o problema. A droga é só a substância. A pessoa não pode ser cínica e dizer: "Vou usar porque não fui eu que mandei proibir". Mas a pergunta é: "Qual a discussão que tem que preceder o debate?". É o usuário ou é o sistema que é torto? Tudo bem, eu topo discutir o usuário, mas acho que tem que discutir antes o sistema, que é perverso e proíbe um negócio que tem uma enorme demanda e uma enorme oferta.

Publicado em: 22/06/2008

Fonte: Jornal O Tempo

Link: http://supernoticia.com.br/otempo/noticias...p;IdSubCanal=12

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