Ir para conteúdo

O Tráfico Nada Tem De Revolucionário


Recommended Posts

  • Usuário Growroom

TRÁFICO NADA TEM DE REVOLUCIONÁRIO

por Marcelo Freixo - professor de História e pesquisador da ONG Justiça Global.

"O tráfico é uma empresa capitalista das mais eficientes e completamente adaptada à realidade neoliberal que se instalou no Brasil na década de 90. É uma empresa concentradora de renda, altamente lucrativa, que utiliza mão-de-obra barata. É uma empresa que se estabeleceu num espaço onde ela não tem nenhuma preocupação com exigências legais ou cobranças de impostos. É uma empresa com forte produção de alienação do trabalho, onde a mão-de-obra não tem a menor idéia do quanto rende a empresa. E o efeito social disso é terrível.

Você tem uma juventude que está completamente perdida, sem nenhuma expectativa de futuro, que segura em armas e que tem toda uma ilusão fortíssima de poder. Porque esse poder existe, mas é um poder local, limitado e finito. O futuro dessa garotada que está no tráfico não tem jeito: ou é a morte ou é a cadeia.

Não tem nada de revolucionário ou transformador no tráfico. Além de ter essas características capitalistas, ele é absolutamente opressor e se estabelece na favela através da construção de uma política de terror, onde jovens pobres matam jovens esfarrapados diante de facções que representam o que a opinião pública entende por crime organizado.

O crime é muito organizado no Brasil. É tão organizado que a sua real organização não é visível. O que boa parte da imprensa e da opinião pública entende como crime organizado é exatamente onde ele não se organiza -nos setores mais pobres, onde o que existe é o ponto final de um investimento absolutamente hierárquico, lucrativo e desigual.

O tráfico está entre os três comércios mais lucrativos do mundo. Se você entra em uma favela, vai ver muita arma, muita droga e muita miséria. Tem alguma coisa errada nesse elo. O dinheiro não fica ali. E aí entra toda uma hierarquia onde as investigações nunca chegam, porque também não interessa. A lógica da segurança pública construída no nível federal e estadual é a da repressão, ponto final. Porque, na verdade, a repressão não é à empresa capitalista. É ao setor pobre da sociedade. Caso existisse algum interesse em combater o tráfico se trabalharia muito menos com repressão e muito mais com inteligência -o caminho da droga, da arma, os fornecedores, uma integração dos governos.

Quem chamamos de grandes traficantes são pessoas que, na maioria das vezes, nunca saíram da favela. São pessoas que não têm acesso à internet, que não sabem onde ficam a Colômbia ou a Bolívia, que só conhecem as vielas daquele grupo que controla com arma. Conheço boa parte dos chamados grandes traficantes que estão presos, por trabalhar muitos anos nos presídios, e eles são pessoas que têm baixíssima escolaridade e não teriam a menor condição de estar à frente de um negócio sofisticado como é o comércio internacional de drogas. Numa escala de um a dez na hierarquia do controle do tráfico, eles não chegam a dois. E a gente insiste em achar que, combatendo esses setores, combate o tráfico.

Existe um problema maior. O tráfico tem que ser entendido dentro da lógica de exclusão social, que é muito profunda. O processo de exclusão é geográfico, é cultural, é ideológico. Um programa de segurança tem que partir do princípio de se garantir segurança aos moradores da favela, combater o tráfico e não permitir que ele entre lá. Porque a principal vítima disso é o morador da favela. Não é a classe média. Quem perde seus filhos para o tráfico, seja pelo consumo ou pela morte, são os moradores.

O que mais impressiona no Rio de Janeiro, ao contrário do que se imagina, é o quanto a violência não cresce mais do que ela já existe. Porque é muito impressionante você entrar em uma favela do Rio e ver que menos de 1% daquela garotada se envolve no tráfico. Como é que tão poucos entram, diante de tanta exclusão? A Rocinha tem 180 mil moradores e você não tem 70 pessoas envolvidas no tráfico. Mas se você sair às ruas e perguntar qual o percentual de moradores das favelas envolvido com o crime, você vai ouvir que todos, ou uns 80% estão no crime.

Há um processo consolidado ideologicamente de criminalização da pobreza. Isso legitima toda essa lógica de segurança pública que opera exclusivamente na repressão e no controle aos guetos. E é ineficaz.

Artigo publicado na Folha de São Paulo de 26/03/06."

Link para o comentário
Compartilhar em outros sites

Join the conversation

You can post now and register later. If you have an account, sign in now to post with your account.

Visitante
Responder

×   Pasted as rich text.   Paste as plain text instead

  Only 75 emoji are allowed.

×   Your link has been automatically embedded.   Display as a link instead

×   Your previous content has been restored.   Clear editor

×   You cannot paste images directly. Upload or insert images from URL.

Processando...
  • Tópicos

  • Posts

    • Salve galera, tudo certo?! Alguns anos sem entrar aqui na casinha, mas como eu vi que tem alguns Growers retornando à casa e outros novos chegando, resolvi postar uma "atualização jurídica" (que não é tããão atual assim) para todos os usuários que já "rodaram/caíram" nesses anos todos de cultivo!!  Todos nós sabemos do julgamento do RE 635.659 (Recurso no STF para descriminalização do porte de maconha), agora chegou o momento de revisar as antigas condenações.  Sabe aquela transação penal assinada? Aquela condenação pelo 28 (que não foi declarada inconstitucional na época)?? Aquela condenação do seu amigo pelo 33, mas que se enquadrava nos parametros de um grower??? Pois então, chegou o momento de revisar todos esses processos para "limpar" a ficha de todos(as) os(as) manos(as) jardineiros(as)!! "O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) dará início, em 30 de junho, ao mutirão nacional para revisar a situação de pessoas presas e/ou condenadas por porte de até 40 gramas de maconha ou seis plantas fêmeas. A realização do mutirão cumpre determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) ao julgar recurso sobre o tema em junho de 2024, que resultou na fixação de parâmetros para diferenciar o porte de maconha para uso pessoal do tráfico. Entre o dia 30 de junho e 30 de julho, os tribunais da Justiça Estadual e regionais federais farão um esforço concentrado para rever casos de pessoas que foram condenadas por tráfico de drogas, mas que atendam aos critérios do STF: terem sidos detidos com menos 40 gramas ou 6 pés de maconha para uso pessoal, não estarem em posse de outras drogas e não apresentem outros elementos que indiquem possível tráfico de drogas. De acordo com da Portaria CNJ n. 167/2025, os tribunais atuarão simultaneamente para levantar os processos que possam se enquadrar nos critérios de revisão até o dia 26 de junho. Este é o primeiro mutirão realizado no contexto do plano Pena Justa, mobilização nacional para enfrentar a situação inconstitucional dos presídios reconhecida em 2023 pelo STF. O CNJ convidará representantes dos tribunais que atuarão diretamente na realização do mutirão para uma reunião de alinhamento na próxima semana, além de disponibilizar o Caderno de Orientações." LINK DO CNJ Caso o seu caso se enquadre, ou conheça alguém que também passou por essas situações, sugerimos buscar um Advogado de confiança ou entrar em contato aqui neste tópico mesmo com algum dos Consultores Jurídicos aqui da casinha mesmo!! Bless~~
    • Curitiba é sempre pior parte hahahaha!
    • o teu chegou? o meu já passou por Curitiba mas tá devagar (pelo menos o pior já passou) kkkkkkkkkk
×
×
  • Criar Novo...