Ir para conteúdo

Discreto Gosto Pelo Cânhamo


BC_Bud

Recommended Posts

  • Usuário Growroom

Discreto gosto pelo cânhamo

Por Jean Marcel Carvalho França 03/08/2007 às 23:37

artigo publicado em:

http://www2.uol.com.br/brhistoria/reportagens/discreto_gosto_pelo_canhamo.html

www.midiaindependente.org/pt/blue/2007/08/389747.shtml+"Discreto+gosto+pelo+cânhamo"&cd=3&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br

por Jean Marcel Carvalho França

Engana-se quem pensa que o uso da maconha é algo novo no Brasil. A erva era plantada e consumida desde os tempos coloniais, especialmente pelos escravos .

O antropólogo pernambucano Gilberto Freyre, em um livro publicado em 1937 e há pouco reeditado no país, Nordeste, dizia que, no Brasil de outrora, a cana-de-açúcar, cultura sazonal que ocupava o colono por no máximo duas estações, deixava um imenso tempo livre para outro cultivo, o do ócio. Curiosamente, pondera Freyre, não passou pela cabeça da maior parte dos empenhados colonos que o tempo não consumido com a cana poderia ser usado de maneira produtiva, plantando-se arroz e feijão, por exemplo. Ao contrário, em paralelo ao plantio da cana, o colono resolveu dedicar-se a produções voltadas para o devaneio, para o escape: a indústria da aguardente, produto do agrado de todos; a cultura do tabaco, artigo indispensável para preencher as infindáveis tardes de calor e enfado dos senhores; e a cultura do cânhamo, da maconha, erva apreciada pelos pretos e pela gente pobre, gente que precisava, digamos, relaxar, pois, afinal, eram “os pés e as mãos do senhor de engenho”.

Da tradicional cachaça e do apreciado tabaco, o passado colonial legou-nos muitas informações não somente sobre o preparo, interesse e valor comercial de tais produtos, mas também sobre os usos que os colonos faziam deles. Do tabaco ou petume (betum, petema, peti, petigma, petima, petume, pitima, pituma, potum, petum) há notícias constantes, que remontam ao início da colonização. Andre Thévet, Jean de Léry e Nicolas Barré, por exemplo, todos participantes da conhecida tentativa francesa de instalar uma colônia na região da baía de Guanabara, a França Antártica (1555-1567), referem-se ao peti, amplamente utilizado pelos índios, em razão de suas virtudes medicinais. É de Léry a seguinte passagem: “(...) colhem-na e a preparam em pequenas porções que secam em casa. Tomam depois quatro ou cinco folhas que enrolam em uma palma como se fosse um cartucho de especiaria; chegam ao fogo a ponta mais fina, acendem e põem a outra na boca para tirar a fumaça que, apesar de solta de novo pelas ventas e pela boca, os sustenta a ponto de passarem três ou quatro dias sem se alimentar”.

Ao longo dos séculos XVII e XVIII, quando a vida nas cidades do litoral ganhou corpo, raro foi o visitante estrangeiro que, de passagem por um dos grandes portos brasileiros (Rio de Janeiro, Salvador, Recife ou Santos), não teceu algum comentário sobre o tabaco local, um tabaco de boa qualidade, fácil de ser encontrado nas casas comerciais, barato e, sobretudo, muitíssimo consumido pelos habitantes, que o apreciavam, como salientou o inglês James Tuckey, em 1803, “na forma de charutos e de rapé”. Um século antes, em 1711, André João Antonil, no seu Cultura e opulência no Brasil, abria os seus comentários sobre a cultura do tabaco no país com uma nota reveladora da importância que tinha então o produto pelo mundo afora: “Se o açúcar do Brasil o tem dado a conhecer a todos os reinos e províncias da Europa, o tabaco o tem feito muito afamado em todas as quatro partes do mundo, em as quais hoje tanto se deseja e com tantas diligências, e por qualquer via se procura”.

Da aguardente de cana “ que conta com centenas de designações na língua portuguesa “, o passado colonial legou-nos ainda mais notícias. Há descrições de seu preparo, de seu consumo pelas tripulações dos navios, da facilidade com que era encontrada no comércio local, dos lucros que propiciava e, sobretudo, dos excessos a que eram levados os seus apreciadores mais extremados, que não eram poucos. Há notícias de tais excessos por todos os lados: dos célebres pileques do poeta Gregório de Matos à história mais picante “ contada pelo padre Cepeda, em 1764 “ de um jesuíta teólogo do colégio da Bahia, que, todas as noites, “vestido de marinheiro”, saía para beber cachaça, armar confusão e se encontrar com “mulheres perdidas”.

Não por acaso, muitos daqueles visitantes que notaram o quão apreciado era o tabaco no país notaram também que os brasileiros consumiam copiosamente “uma aguardente forte e nociva para a saúde, que, em razão de seu preço, estava ao alcance dos indivíduos de fortunas modestas” “ como explicou, em 1799, um visitante inglês de nome George Semple Lisle. Notaram, ainda, que era comum a briga de embriagados nas cidades brasileiras, nas quais todos andavam armados de adaga e espada. Apesar de tais problemas, contudo, o sucesso que a pinga alcançou na colônia foi tanto que, nas primeiras décadas do século XIX, período de intenso nacionalismo, o viajante francês Saint-Hilaire registrou que a bebida já havia se tornado uma espécie de patrimônio nacional, e os patriotas a tinham como um símbolo do espírito de independência que arrebatava o país.

A maconha (abango, abangue, aliamba, bagulho, bango, bangue, bengue, birra, bongo, cangonha, chá, diamba, dirígio, dirijo, erva, fumo, fumo-de-angola, jererê, liamba, marijuana, massa, nadiamba, pango, rafi, riamba, seruma, soruma, suruma, tabanagira, umbaru), ao contrário de seus dois primos importantes, talvez por ter sido sempre relacionada aos escravos “ comumente se atribui ao negro africano a introdução das primeiras sementes do “fumo de Angola” no país “, jamais gozou de muito prestígio entre nós e menos ainda de divulgação. O que está longe de significar que esteve ausente do cotidiano dos colonos.

Para ter uma idéia de como a cultura do cânhamo era presente, vale recordar uma passagem do instrutivo relato sobre o Rio de Janeiro, deixado pelo médico John Barrow. Em visita à cidade em 1793, Barrow, inglês culto e curioso, descreveu longamente as pinturas que enobreciam os pavilhões do Passeio Público da cidade, pinturas, segundo o inglês, “descritivas das oito fontes de riqueza do Brasil”. Uma delas, para espanto do leitor contemporâneo, representava a “vista de uma plantação de cânhamo e da manufatura de cordas”. Barrow explica que a planta era “cultivada sobretudo nos distritos meridionais, perto de Santa Catarina”, mas que carecia, naquele momento, de maiores incentivos para que se pudesse ampliar o seu cultivo na colônia. Um pouco mais tarde, Luís dos Santos Vilhena, no seu Recopilação de notícias soteropolitanas e brasílicas (1802), oferece-nos uma informação complementar. Diz o cronista: “A ilha de Santa Catarina, e continente a ela adjacente, capitania do Rio Grande de São Pedro do Sul, e parte da de São Paulo produzem admiravelmente o linho cânhamo”.

Obviamente que nem Vilhena nem o respeitável médico Barrow pensavam nos usos recreativos que alguns colonos faziam da planta, ou, se pensavam, não se dignaram a deixar isso registrado. Barrow, a propósito, um experiente “homem do mar”, pensava, sim, na imensa utilidade que o cânhamo tinha para as navegações, onde era usado prodigamente na calafetagem das embarcações e na feitura de velas e de cordas. Utilidades, aliás, que tinham sido mencionadas por outro navegador que passara pelo Rio de Janeiro antes dele, em 1767 “ John Byron, avô do célebre poeta inglês Lorde Byron.

Malgrado, no entanto, essa presença no meio dos colonos e o conhecimento por parte destes de suas propriedades entorpecentes, pouquíssimos testemunhos restaram dos usos recreativos ou medicinais que se faziam da planta. Há somente referências esporádicas, quase sempre relacionadas a delitos morais e religiosos. Em 1749, por exemplo, um tal Antônio do Carmo, natural da Ilha Terceira, no arquipélago português dos Açores, compareceu diante do comissário do Santo Ofício da Comarca da atual cidade de Mariana, em Minas Gerais “ lugar em que se plantava muito cânhamo “, para explicar-se sobre um caso comprometedor em que o acusaram de estar metido. Eis a acusação que pesava sobre esse músico português: “(...) estava chumbado de aguardente e de pitar e se deitou na cama com vários rapazes músicos, por muitas vezes, e com eles estava com brincos desonestos, fazendo pulsões com as mãos e outras vezes entre as pernas dos ditos rapazes, e foi no pecado de sodomia agente e paciente com o pardo Valentim Pereira”. Em 1777, o mesmo Santo Ofício, desta vez em Lisboa, recebeu uma denúncia proveniente de Itapecerica da Serra, lugarejo próximo à cidade de São Paulo, acerca de uma parda, de nome Brígida Maria, que, em companhia de seu amante, natural de Angola, andava pelas imediações da cidade promovendo umas festanças, durantes as quais dava uma erva para os participantes aspirarem “ o cânhamo em forma de rapé, muito provavelmente “ que os deixava “absortos e fora de si”.

Uma nota mais contundente e direta “ mas não menos negativa “ sobre o uso recreativo do cânhamo pela população local, ao menos pela sua parcela mais pobre, vamos encontrar somente no relato legado pelo renomado orientalista, escritor e diplomata britânico Richard Burton. No seu Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho (1769) há duas passagens curiosas sobre o uso do cânhamo, ambas em Minas Gerais e ambas envolvendo cativos. Ao descrever uma “revista dos escravos” a que assistiu em Morro Velho, o inglês comenta: “(...) depois disso, os diligentes vão cuidar das casas e das hortas, dos porcos e das galinhas; vão lavar roupa e costurar, ou carregar água, lenha ou capim para vender. Os preguiçosos e dissolutos vão gozar a santidade do dia à moda africana, deitados ao sol e, se puderem, bebendo e fumando haxixe, como os semi-selvagens de Serra Leoa”. Mais adiante na sua narrativa, dissertando sobre os cuidados que se deveria ter com a escravaria e sobre o quanto esta apreciava uma aguardente “ gosto que tantos transtornos trazia aos senhores “, Burton salienta: “O negro também se mostra muito amigo do pango, aqui chamado ariri, o conhecido bhag, Cannabis sativa da Índia e da costa ocidental e oriental da África. Mostra-se prontamente disposto a pagar até mil réis por um punhado desse veneno”.

Burton, contudo, é uma referência tardia, da metade do século XIX. Antes dele, ao que parece, o cânhamo não deixou de marcar presença no país “ a ponto de merecer uma pintura no terraço do requintado Passeio Público da capital da colônia, no Rio de Janeiro “, mas o seu uso “recreativo”, religioso e medicinal não mereceu a atenção nem dos letrados, nem dos religiosos católicos, nem dos viajantes, em suma, de ninguém que tivesse meios para registrar tais usos. Aos olhos desses homens, o “pito de cânhamo” era um “mau hábito” de gente preta ou de gente que se “africanizara”, de “estropiados” da sociedade colonial, um mau hábito que não suscitava quaisquer preocupações ou reflexões do ponto de vista da lei “ a não ser quando associado a um excesso moral ou religioso “ e não tinha importância social suficiente para que se gastasse tinta com a sua descrição.

O gosto pelo cânhamo, no entanto, nunca desapareceu ou chegou a perder a sua força entre os brasileiros, e isso antes mesmo da moda hippie ou dos milionários negócios do tráfico. O mesmo Freyre, para ficarmos num único exemplo, não se cansa de destacar o quanto a erva era, então, na década de 30 do século XX, popular no Nordeste “ e é claro que esta não era uma peculiaridade nordestina. É verdade que não procedemos aqui como nos Estados Unidos, onde, no início do século passado, os plantadores de madeira para celulose, interessados em eliminar os concorrentes que produziam papel de cânhamo, patrocinaram, com o precioso auxílio do FBI, uma verdadeira campanha nacional, associando maconha, negros e criminalidade. Houve, sem dúvida, no Brasil, seguindo as tendências do norte, uma crescente criminalização do uso do cânhamo e um esforço em associá-lo às camadas mais pobres da população. Afinal, tratava-se, como dizia o antropólogo e educador Arthur Ramos, em 1934, de uma droga de uso ainda restrito, que saíra das “macumbas e catimbós” e se alastrara somente “pelos quartéis, prisões e nos grupos de mala vita brasileiros”.

Por aqui, pois, ninguém julgou necessário levar adiante algo tão sistemático como nos Estados Unidos. Optamos por uma solução menos drástica e com mais “cor local”. Adotamos uma quase tolerância do ponto de vista prático “ bem ao gosto do secular desleixo que herdamos dos lusos “, mas tivemos o cuidado de condenar moralmente o uso da diamba e de praticamente banir a erva da história pátria, como se a pobre não tivesse ocupado um espaço considerável tanto na economia quanto na mente dos brasileiros “ e, certamente, não apenas nas mentedos brasileiros negros e pobres.

SAIBA MAIS

Nordeste. Gilberto Freyre. Global Editora, 2004.

O negro brasileiro. Arthur Ramos. Graphia, 2001.

Diamba Sarabamba: coletânea de textos brasileiros sobre a maconha. Especialmente, Luis Mott. A maconha na história do Brasil, 117-135. Anthony Henman e Osvaldo Pessoa (org.). Editora Ground, 1986.

A maconha: coletânea de trabalhos brasileiros. Ministério da Educação e Saúde. Departamento de Imprensa Nacional, 1951.

*****************************

Jean Marcel Carvalho França é professor do Departamento de História da Unesp e autor, entre outros livros, de Literatura e sociedade no Rio de Janeiro oitocentista (Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1999) e Outras visões do Rio de Janeiro colonial (José Olympio, 2000).

URL:: http://www2.uol.com.br/brhistoria/reportagens/discreto_gosto_pelo_canhamo.html

www.midiaindependente.org/pt/blue/2007/08/389747.shtml+"Discreto+gosto+pelo+cânhamo"&cd=3&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br

Link para o comentário
Compartilhar em outros sites

  • Usuário Growroom

:(

não estou conseguindo achar o direct link pra notícia

achei muito interessante

já lí um trabalho de um cara da usp eu acho, falando sobre o uso do cânhamo no Brasil ...

analisando bem, fica realmente parecendo que foi tudo armado pela indústria, e principalmente o EUA que sabe o potencial produtor de cânhamo que o Brasil é, principalmente o NORDESTE!

mas agora eles vão se lenhar, porque a galera tá sacando aos poucos

eu mesmo estou criando vários e-mails daqueles tipos, pra gelera se ligar, que tudo que eles querem é que nós brasileiros fiquemos cegos para as nossas riquezas e com isso vão pegando pra eles, até que não nos reste nada (escrevo mais um monte de coisa.. até coloco aquela lenda da internet de que os livros lá a amazonia nao é do Brasil e talz.. cada vez estou escrevendo melhor o email.. se alguns desses viram moda...)

não vai ser por acidente

:)

abraço a todos

Link para o comentário
Compartilhar em outros sites

  • Usuário Growroom

galera, o link é onde a notícia foi originalmente postada, abaixo tem outro link onde se encontra no momento e lá havia este link como referência de onde a notícia foi retirada. é simples, o UOL retirou a página do ar :)

Link para o comentário
Compartilhar em outros sites

  • Usuário Growroom

Basta dah uma rodada pelo interior nordestino...

Depois de convesar alguns mais idosos... Eles dizem que ainda plantam uma ou duas plantas no quintal...

Pelo que jah conversei com eles...

Usam o chá das folhas pra gripe... As raízes para inflamações na coluna... E o fumo pra o fim do dia...

Naum eh taum comum... mas ainda se vê muito...

Aqui eu naum ouço Liamba e sim Diamba!!!

Link para o comentário
Compartilhar em outros sites

  • 2 years later...
  • Usuário Growroom

Não sei cara... Mas eu acho que eu posso ser um historiador cannábico, todos nós podemos... Já que em todo o lugar DO MUNDO, antes do CAPITALISMO chegar, existia A ERVA.

É só pegar uma civilização, por exemplo, os Maias, e falar assim: "A civilização Maia consumia cannabis, sabia?" Não temos nenhum registro dela mas eu tenho CERTEZA que eles consumiam.

Mas claro, eles ofuscam isso o máximo possível... Se fosse depender de escola, eu nunca aprenderia que as primeiras velas, e as velas que vieram aqui descobrir merdificar o país eram feitas de fibra de cânhamo...

E cito um Bad Religion pra galera:

"Welcome to the New Dark Ages... I hope you're living right.

These are the New Dark Ages and the world might end tonight."

Seja bem vindo à nova Idade das Trevas... Espero que esteja vivendo bem.

Música de primeira pra galera!

Link para o comentário
Compartilhar em outros sites

  • Usuário Growroom

Hmmm... é q na real eu sou historiador de profissão!!! E tive contato com documentos que comprovam tudo isso, existem varios deles em arquivos de florianopolis.

Aqui é a terra da maconha....

que massa irmão, então estamos resgatando nossas origens apenas kk... sabia que eu não tinha nascido no lugar errado...

Link para o comentário
Compartilhar em outros sites

  • Usuário Growroom

que massa irmão, então estamos resgatando nossas origens apenas kk... sabia que eu não tinha nascido no lugar errado...

Huahuahuah... pode cre parceiro!!! Isso aqui é o paraiso. Fumo andando na rua de boa, sem as pessoas olhando atravesado!!

  • Like 1
Link para o comentário
Compartilhar em outros sites

Join the conversation

You can post now and register later. If you have an account, sign in now to post with your account.

Visitante
Responder

×   Pasted as rich text.   Paste as plain text instead

  Only 75 emoji are allowed.

×   Your link has been automatically embedded.   Display as a link instead

×   Your previous content has been restored.   Clear editor

×   You cannot paste images directly. Upload or insert images from URL.

Processando...
×
×
  • Criar Novo...