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Drogas “Ilícitas”: Tentando Superar A Hipocrisia


Bas

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ou qual o mal maior: a descriminalização ou a violência do narcotráfico?

Luzete Pereira

Vou fazer aqui tão somente um exercício e defender a hipótese de que não existe qualquer interesse em acabar com o tráfico de drogas e que a sua descriminalização se apresenta como a única saída, para por fim à violência decorrente das fracassadas políticas repressivas. Seria também uma forma de a sociedade se repensar, na medida em que o uso indiscriminado da droga funciona como fuga a algo que não está sendo fácil de enfrentar pelos individuos.

Todos nós sabemos que, do ponto de vista individual, o uso indiscriminado de qualquer droga provoca danos à saúde do indivíduo. Este dano se agrava se nossa referência for aquelas drogas classificadas de ilícitas. E é disto que queremos tratar aqui. Estamos falando de cocaína, maconha, ópio, anfetaminas, drogas cujo uso indiscriminado e sem finalidade terapêutica, alteram o estado de consciência do sujeito, a ponto de provocar danos com severas repercussões sobre a vida pessoal do sujeito e estendendo-se sobre a vida familiar. E, do ponto de vista social, todos nós somos vítimas da violência decorrente do flagrante insucesso das políticas de repressão, comandadas desde sempre pelo país que agrega o maior número de usuários.

Apesar de ser um país que reúne as condições mais precisas para ser definido como portador de uma narcoeconomia, os Estados Unidos continuam reunindo o maior número de consumidores de cocaína do mundo, com 2,5% da população viciada na droga, algo em torno de 7 milhões de pessoas, seus sucessivos governos se declaram e assim agem como o grande gestor das políticas mundiais de combate ao narcotráfico.

E é aí que reside a hipocrisia!

Para se entender este aparente paradoxo, é importante saber que a indústria do narcotráfico movimenta entre 750 bilhões de dólares a US$ 1 trilhão, com lucros que não se comparam àqueles obtidos em qualquer outro ramo da produção. E isto sem falar na indústria de combate às drogas e que vai desde a produção de armas, aviões, até as políticas de repressão, à manutenção de presídios e hospitais, além do fornecimento de parte importante dos insumos e compostos químicos destinados a industrialização da droga, o qual rende à economia norte-americana algo em torno de US$ 240 bilhões anuais.

Estes números se elevam se considerarmos dados da revista Newsweek. Ela estima que o capital acumulado, a cada ano, por todas as máfias do mundo é estimado em US$ 3 trilhões, ou seja, mais de 10% de toda produção mundial de bens e serviços.

Talvez esta seja a contribuição mais relevante do neoliberalismo dos anos 90: a abertura indiscriminada dos mercados, a desregulamentação financeira internacional, abrindo as comportas do sistema financeiro mundial para uma enxurrada de narco-dólares que são lavados em paraísos financeiros do Caribe, Uruguai, Argentina, Brasil, Suíça, EUA, Israel. Grandes bancos aceitam de bom grado o que se estima em US$ 1 trilhão de narco-dólares que são lavados anualmente no sistema financeiro mundial.

A parte do leão fica com os países imperialistas que recolhem a maior parte dos lucros deste negócio, enquanto que para os países "produtores de matérias primas", ficam as menores fatias do bolo e, mesmo assim, nas mãos dos grandes traficantes.

A etapa principal do processo está nas mãos dos distribuidores nos grandes centros de consumo (principalmente EUA, que consome 240 toneladas de cocaína por ano, e Europa), em geral controlada pelas máfias destes países, estas raramente denunciadas ou perseguidas. Elas ficam com a maior parte dos lucros do negócio e estima-se que, sozinho, os EUA reciclam US$ 500 bilhões do negócio. Isto transforma os EUA no país onde a narco-economia tem uma importância vital, ocupando, aproximadamente, 5% do PIB e se convertendo no setor mais importante da economia norte-americana. Estima-se que apenas 10% do lucro ficam nos países produtores, enquanto 90% vão para as mãos das máfias que operam dentro dos EUA.

Estudo efetuado pela Secretaria de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro "A Economia do Tráfico na Cidade do Rio de Janeiro: Uma Tentativa de Calcular o Valor do Negócio", efetuado em dezembro de 2008, estimou que o tráfico de drogas no Rio de Janeiro, envolvendo maconha, cocaína e crack, fatura entre 316 e 633 milhões de reais por ano.

Portanto, os interesses em jogo são muitos. No que se refere as políticas de combate às drogas, os Estados Unidos servem, novamente como referência. Dados indicam que, entre 1980 e 2000, o orçamento federal passou de 1 bilhão para 18.5 bilhões de dólares. E são reveladores estes dados trazido por Jack Cole. Detetive aposentado da Polícia de Nova Jersey, nos Estados Unidos, ele diz que quando o combate começava, na década de 1970, os estudos apontavam que cerca de 1,3% da população era viciada em algum tipo de droga. Por conta disso, começamos uma guerra, diz ele, com custos de aproximadamente US$ 100 milhões ao ano. Passadas algumas décadas, os gastos que temos nessa área já chegam a US$ 70 bilhões e o percentual de viciados continua nos 1,3%, argumenta.

E, apesar disto, o acesso a droga não é nenhum mistério. Dados de 1999 revelam que estudantes secundários americanos consideram fácil adquirir drogas ilícitas: 88% dos entrevistados disseram que é fácil comprar maconha e 47% afirmaram poder comprar cocaína sem dificuldades. E as coisas não mudaram. No Brasil, a realidade das ruas é suficiente para ilustrar o fato.

Se formos considerar a letalidade das drogas ilícitas, anualmente (para dados por volta do ano 2000) morrem, nos Estados Unidos, aproximadamente 500.000 pessoas em conseqüência do uso de drogas lícitas e apenas 20.000 mortes relacionam-se ao uso de drogas ilícitas. A ponderação dos dados mostra que as drogas lícitas são, de fato, muito mais letais: morrem 506 pessoas em cada 100.000 usuários de álcool e tabaco, contra 166 em cada 100.000 usuários de maconha, cocaína, crack e heroína. Talvez aqui, tenha que se considerar o custo psicológico e social das drogas ilícitas, sem dúvida mais danoso.

As mortes clínicas são superadas pelas mortes decorrentes da violência que ronda as políticas de combate ao tráfico. Nos Estados Unidos, 2/3 dos homicídios envolvendo drogas são provocados por armas de fogo. E aqui o dano é final.

Mas, para o grande gerente do mundo, o mal está nos produtores das matérias primas. São citados os 20 países que, de acordo com o Departamento de Estado norte-americano, são considerados produtores ou plataformas de drogas: Afeganistão, Bahamas, Bolívia, Brasil, Mianmar, Colômbia, República Dominicana, Equador, Guatemala, Haiti, Índia, Jamaica, Laos, México, Nigéria, Paquistão, Panamá, Paraguai, Peru e Venezuela.

Trata-se apenas de mais uma desculpa para criar outra frente de negócios, numa forma clássica de transferência de problema e abrir mais uma frente de exploração. Esta é a hipocrisia. Por exemplo, a pretexto de defender uma política de combate às drogas, Estados Unidos e Colômbia anunciaram, em 31 de agosto de 2000, em Cartágena, o lançamento do Plano Colômbia que, apesar do nome, estendia as ações americanas, desde o início, para o Equador e Peru. Com a eleição de Rafael Correa, o Equador se retirou do processo e revogou a presença dos EUA na base localizada em Manta, no litoral noroeste do país.

A Colômbia previa ceder sete bases em seu território e um investimento de US$7,5bilhão, em cinco anos, para fomentar o desenvolvimento econômico do país e financiar culturas alternativas em substituição às plantações de coca. Mas, do montante, os EstadosUnidos forneceriam apenas U$1,3 bilhão (incluindo U$47 milhões como ajuda ao Equador), e US$4 bilhões seriam providos pelo Governo da Colômbia, US$1.9 bilhão pela Europa e algumas instituições. Essa iniciativa afigurou-se uma estratégia, visando a redesenhar o mapa da América do Sul. Não é à toa que tal “ajuda” tem sido questionada especialmente por Bolívia, Venezuela e Equador, que veem riscos a sua soberania. Mas tal plano também foi levado aos mexicanos.

Oficialmente aprovado em maio de 2008, o Plano México tem um orçamento de 1,4 bilhão de dólares durante três anos e pretende, sobretudo, criar um corredor de capacitação das instituições de segurança mexicanas, estadunidenses e colombianas, numa clara intromissão no gerenciamento do país.

Com essa estratégia, os Estados Unidos visam diminuir a oferta da cocaína em seu país. Mas, além de obter vantagens com a venda de armas e aeronaves norte-americanas,, também ficam livres para exercer o poder na região. Como é o caso do que ocorreu no departamento de Arauca, no oriente colombiano, onde está a segunda riqueza em petróleo do país, explorada pela multinacional dos Estados Unidos Exxon. Ali, o governo estadunidense entregou uma quantidade enorme de recursos para a unidade militar da região e, assim, tratando a população camponesa local como se fosse guerrilha, perseguiram sistematicamente os movimentos sociais que se opunham ao projeto. E, em se tratando de fronteira com a Venezuela, é fácil entender o valor desse investimento.

Atualmente, os EUA mantêm cerca de 820 bases em 60 países. Dispõem de um exército de 1,5 milhões de homens, dos quais 300 mil no exterior, sendo metade no Iraque e no Afeganistão. A outra metade espalha-se por outros países. O Grande Império do Norte gasta em seu aparato bélico o equivalente a 42% dos gastos militares globais, algo próximo a 610 bilhões de dólares.

Muitas são as mentiras. Pouco interessa o combate às drogas. Pouco interessa que as sociedades regulem seu destino. Se alega que a descriminalização da droga fará com que os traficantes se desloquem para outras áreas, inclusive chegando-se ao cúmulo de alegar que isto provocaria desemprego.

Proibir é o que mais interessa. É a única coisa que interessa. Só isto gera os lucros astronômicos que assistimos impávidos. Mas a sociedade e seus homens precisam entender que políticas de prevenção (no Brasil o caso da política de combate à AIDS é exemplar) é a única política que pode dar certo. Orientar. Prevenir. Este é o caminho.

A agressividade tem que mudar de lugar. Tem que ir para a nossa coragem de dizer não. Para a coragem de exigir uma legislação de controle de venda da droga. Para uma política que busque entender porque tantos dos nossos homens precisam desta fuga psicológica que arruína suas vidas. Arruína, sobretudo, porque a violência resulta na única forma de vida permitida por aqueles que alegam defender a sociedade.

E, afinal, por que tantos precisam de drogas para viver? Estamos esquecendo de ensinar que viver é bom, mas não é fácil. É fácil apenas para os aproveitadores da boa fé dos homens ingênuos.

Para fazer este texto usei referências de artigos encontrados nestes endereços:

http://www.brasildefato.com.br/v01/impresso/anteriores/jornal.2009-...

http://cebrapaz.org.br/site/index.php?option=com_content&task=v...

http://www.ucamcesec.com.br/md_art_texto.php?cod_proj=33

http://veja.abril.com.br/idade/educacao/pesquise/drogas/1465.html

http://processocom.wordpress.com/2009/09/14/bases-militares-dos-eua...

http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=40919

http://www.portalpopular.org.br/joomla/index.php?option=com_content...

http://www.pampalivre.info/narcotrafico_maior_negocio_imperialista.htm

Fonte: http://blogln.ning.com/forum/topics/drogas-ilicitas-tentando

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  • Usuário Growroom

O texto é excelente em mostrar qual a real intenção da guerra às drogas. Como todas as guerras o motivo real é financeiro. O resto é tudo retórica para a população.

Só pecou em não mostrar que existe o consumo responsável e no mais fundamental ao meu ver, que é a questão da liberdade pessoal de cada ser humano nesta terra de meu Deus.

Faltou também falar das drogas legais pintadas como inocentes como a Coca-cola, Big-macs e tal. Nos EUA o que mais mata gente lá é problemas cardíacos, derivados principalmente de má-alimentação.

O mundo é para poucos e a gente não tem direitos nele.

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  • Usuário Growroom

23/12/2009

Mais batalhas de uma guerra perdida

Sinistra coincidência de manchetes: na Folha, edição papel, "Sequestro de governador comove Colômbia". No "New York Times", também no papel, "Vingança na guerra das drogas aterroriza o México".

A primeira manchete refere-se ao sequestro e posterior assassinato de Luis Francisco Cuéllar, governador do Departamento (Estado) colombiano de Caquetá, crimes praticados ao que tudo indica pelas Farc (que já foram as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia e hoje não passam de um grupo narcoterrorista).

Como diz editorial do jornal colombiano "El Tiempo", "o brutal assassinato do governador Cuéllar (...) confirma que, para a guerrilha, os reféns não são mais que mercadoria com que jogam a seu capricho".

A segunda manchete é para relatar a vingança dos narcotraficantes mexicanos contra a família de um suboficial da Marinha que morrera na batalha que levou à morte de Arturo Beltrán Leyva, cujo codinome ("el jefe de los jefes") diz tudo sobre sua importância no esquema do crime organizado.

A Marinha mexicana foi a responsável pela operação em que Leyva morreu. Seus sicários, em represália, fuzilaram a mãe, dois irmãos e uma tia do marinheiro. O nome dele aparecera nos jornais, o que, de resto, levantou polêmica a respeito dos limites da informação em tempos de guerra contra as drogas.

Tempos tão duros que os bandidos agem de rosto descoberto, mas policiais e militares são obrigados a cobrir os seus. Morto, o marinheiro não pôde nem esconder o nome. A família pagou por isso.

Detalhes relevantes: até o sequestro e assassinato do governador Cuéllar, a sabedoria convencional dizia que as Farc estavam na iminência de serem definitivamente derrotadas. No México, a morte de Leyva, na semana passada, era tida como o maior sucesso do presidente Felipe Calderón na guerra que declarou ao crime organizado e que envolveu as Forças Armadas, decisão polêmica e que, vez ou outra, é discutida em outros países latino-americanos também às voltas com o narcotráfico.

Daria para dizer --e é verdade-- que crimes como os que assustaram Colômbia e México podem ser facilmente cometidos mesmo por organizações (ou até indivíduos) sem maior poder de fogo. Mas é óbvio que, em ambos os casos, trata-se de ações com efeito midiático, como quase tudo hoje em dia. Narcotraficantes e narcoterroristas sabem perfeitamente que sua sobrevivência depende, também, da capacidade de mostrar potencial para ações espetaculares. São elas que metem medo na sociedade e a tornam menos propensa a colaborar com as autoridades, se é que, em algum momento, realmente se dispõe a tal.

Quando dou a este texto o título de "batalhas de uma guerra perdida" é para remeter o leitor ao texto de 7 de setembro, chamado "As drogas ganharam a guerra. E daí?" e para as respostas dos leitores, publicadas no dia seguinte.

É triste verificar que a cada dia há mais batalhas perdidas, sem que os governos da América Latina, o brasileiro inclusive, tenham mais que respostas espasmódicas.

Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Assina coluna às quintas e domingos na página 2 da Folha e, aos sábados, no caderno Mundo. É autor, entre outras obras, de "Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo e "O Que é Jornalismo".

E-mail: crossi@uol.com.br

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  • Usuário Growroom

07/09/2009

As drogas ganharam a guerra. E daí?

"The Observer", que vem a ser a edição dominical do "Guardian", publicou belo editorial sobre as drogas. Suas duas primeiras frases bastam para definir todo o espírito da coisa: "Em junho de 1971, o presidente norte-americano Richard Nixon declarou uma guerra às drogas. As drogas ganharam".

É significativo que idêntico espírito tome a edição julho/agosto da revista "Nueva Sociedad", editada pela Fundação Friedrich Ebbert, da social-democracia alemã, e dedicada essencialmente a temas latino-americanos (www.nuso.org).

O tema central é "Drogas na América Latina - Depois da guerra perdida, o que [fazer]"?

Que a guerra foi perdida parece evidente. A tese é reforçada, no "Observer", em artigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que basicamente reproduz a argumentação da comissão que ele integra ao lado de dois outros ex-presidentes (o colombiano César Gavíria e o mexicano Ernesto Zedillo).

Assim: "Depois de décadas de sobre-vôos, interdições e ataques às fábricas de drogas na selva, a América Latina permanece o maior exportador mundial de cocaína e maconha. Está produzindo mais e mais ópio e heroína. Está desenvolvendo a capacidade de produzir drogas sintéticas em massa".

Fica claro pois que o enfoque militar/policial não produz resultados significativos - ou, pior, só tornou mais grave o problema.

Para complicar as coisas, há o fato de que toda a legislação internacional que buscou fornecer o marco legal para controlar as drogas tem um século de vida (desde a Comissão sobre o Ópio de Xangai, de 1909). O documento mais recente e mais abrangente, a Convenção Única sobre Estupefacientes, já vai fazer meio século (é de 1961).

É natural, nesse cenário, que cresçam as vozes propondo a legalização das drogas, tão audíveis como as que as que insistem no proibicionismo.

É um erro, diz Juan Gabriel Tokatlian, talvez o maior especialista latino-americano no assunto, professor da Universidade argentina de San Andrés.

"Depois de muito tempo creio que é essencial superar em primeiro lugar o debate, estéril e ideológico, entre proibição e legalização".

Reforça, em recente artigo para a Folha de S. Paulo, o dinamarquês Bo Mathiasen, representante para o Brasil e o Cone Sul do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime:

"A aparente contradição entre legalização ou não legalização tende a tirar a discussão do foco realmente fundamental e que, em última análise, revela muito mais convergências do que divergências: a busca por uma abordagem equilibrada entre as ações de prevenção, de tratamento e de repressão ao crime organizado".

Tokatlian é mais específico: "O razoável é colocar a discussão em termos do estabelecimento de regimes regulatórios modulados. Regimes porque devem cobrir o amplo espectro de atividades e fases do fenômeno da droga (desde a demanda até a oferta, além de outros componentes direta e indiretamente ligados ao fenômeno).

Regulatório porque se requer uma forte intervenção dos Estados em geral, para fixar as regras, os procedimentos, os mecanismos e as normas para lidar melhor com essa questão. E modulado porque é preciso desagregar cada droga de acordo com seu prejuízo ou perigo e estabelecer o regime regulatório específico, em vez de genérico como se se tratasse de produtos idênticos".

De fato, há uma desproporção colossal entre usuários de cocaína e de maconha, de acordo com os dados apresentados em "Nueva Sociedad" pela pesquisadora chilena Lucía Dammert: seriam 165 milhões os consumidores de maconha no mundo todo, 10 vezes mais que os 16 milhões que usam cocaína. Vinte e quatro milhões consomem anfetaminas.

Luiz Eduardo Soares, que foi secretário nacional de Segurança, no início do primeiro governo Lula, apresenta outros números, sempre em "Nueva Sociedad", sobre a diferença de riscos para a vida envolvidos na questão das drogas. Informa que, no Rio de Janeiro, morrem por ano menos de 100 pessoas por consumo excessivo de cocaína.

Mas cerca de 65% dos mais de 6 mil crimes letais que ocorrem todos os anos no Estado "têm relação direta ou indireta com o tráfico de drogas". Dá, portanto, 4 mil mortes/ano pela violência associada ao narcotráfico.

Parece evidente, pois, que o ponto principal do debate está voltado para a violência relacionada ao tráfico, por sua vez associada ao proibicionismo, como acreditam os defensores da legalização

"Nosso problema não são as drogas; é o tráfico - e só existe por causa da penalização", acha Luiz Eduardo Soares.

A tese é tentadora, admito. Mas o texto de Lucía Dammert apresenta uma comparação que abalou minha crença nela: no mundo todo, os mortos por uso de drogas são 200 mil. As vítimas do tabaco - legalizado há muito tempo- são cinco milhões ou 25 vezes mais.

Legalizar as drogas, como é legalizado o tabaco (e, de quebra, o álcool), não levaria a uma explosão de consumo?

Se a guerra está perdida, parece longe, no entanto, o desenho de uma estratégia capaz de recuperar a iniciativa e vencê-la.

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  • Usuário Growroom

08/09/2009

O leitor e as drogas

Abro hoje a janela para o leitor, por dois motivos: primeiro porque choveram cartas a propósito do tema "drogas" (leia a coluna "As drogas ganharam a guerra. E daí?". Segundo, porque já era minha intenção ao iniciar a coluna eletrônico criar uma seção de aparição eventual que se chamaria exatamente "Janela do leitor".

As cartas estão necessariamente resumidas. Algumas ficariam mancas se resumidas, motivo pelo qual não posso reproduzi-las.

Vamos a elas.

Reynaldo Moreira

"A pergunta que se deveria fazer é porque o tipo de sociedade em que vivemos promove a cada dia com mais força um tipo de insatisfação, de infelicidade, que leva um número crescente de pessoas não a usar de forma lúdica, mas a a abusar do cigarro, do álcool e outras drogas? Onde está o perigo, nas drogas ou na sociedade? O foco, claro, não deve estar na legalização ou não das drogas, já que a única saída para esse e tantos outros problemas está numa mudança radical do sistema. Como ninguém se arrisca a ir tão fundo, debatem-se eternamente os falsos dilemas da superfície.

Respondi ao Reynaldo que não sei se é o tipo de sociedade atual que promove a insatisfação que levaria às drogas. Afinal, a primeira legislação restritiva é de 1909, um século atrás, portanto, o que induz a supor que já havia consumo suficiente para fazer as autoridades tentarem controlá-lo via legislação.

*

José Antônio da Conceição

Enviou proposta de sete pontos para atacar o problema, que diz ter sido elaborada originalmente por seu amigo e vizinho Darci Ferreira Bedetti. Pede que a proposta seja encaminhada à Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia, aquela que é conduzida pelos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, César Gavíria e Ernesto Zedillo.

Por extensa demais, pinço apenas pontos que me parecem centrais. Primeiro, "é de conhecimento geral que o que estimula o tráfico e o faz crescer é o LUCRO alcançado, lucro este que alimenta a criminalidade em outras áreas, que constrói verdadeiros exércitos ilegais e armados cujo único dever é atacar a sociedade e defender as organizações criminosas".

Ou, resumindo, o problema não é a droga, mas a violência associada ao tráfico.

Segundo ponto, decorrência do primeiro: "Países consumidores (ainda em segredo) distribuiriam a tão cobiçada mercadoria em toda rede de saúde, com proteção especial das polícias e das forças armadas, até o momento de deflagrar a 'Verdadeira campanha de combate ao Tráfico de Drogas'.

Por fim, o slogan da campanha: "Você, usuário dependente de estimulantes, não precisa mais pagar caro pelo produto que consome. Procure a unidade de saúde mais próxima e usufrua gratuitamente e sob controle médico o seu produto preferido. O governo federal garante.

*

Gustavo Esperidião

"Na parte final em que pondera se a legalização não faz o consumo aumentar, penso que o capitalismo não esta preocupado com o bem estar e saúde, visto que o consumo de algumas substancias é incentivado em todas as mídias possíveis. Partindo desse raciocínio, não existe nada nesse sistema que não carregue sua carga destrutiva, visto que o importante é... o lucro!

*

Leitor que prefiro não identificar

Conta que, há 10 anos, uma equipe de policiais invadiu sua casa, encontrou "um baseadinho e algumas pontas". Consequência: com 19 anos foi fichado e deixou de ser réu primário. Segundo e mais grave consequência: "Anos mais tarde, quase bacharel em filosofia, perdi uma oportunidade de emprego bastante vantajosa no Itaú Cultural por conta desta estupidez, este ato de violência contra o corpo. Sem ter a quem recorrer, permaneço até hoje desempregado e, com 28 anos, jamais consegui um emprego com carteira assinada ou benefícios. Tão Brasil..."

*

Felipe Câmara de Azevedo

"A droga que mais defendemos a legalização é sem dúvida a maconha. A maconha vicia, sim, é claro, ainda que não estivéssemos falando em termos químicos, que desconheço. Só o vício social já seria o suficiente.

E legalizá-la aumentaria o consumo? Sim, sem dúvida. E, sendo ela porta de entrada para outras drogas (sim, ela o é) isso causaria um efeito dominó de consumo de substâncias potencialmente muito mais perigosas e viciantes? Não!

Não porque ela é uma porta de entrada para drogas mais pesadas como arroz e feijão são porta de entrada para chocolate, balas e guloseimas inúteis e maléficas em geral, isto é, o canal de venda é o mesmo. Quem entra no supermercado dificilmente pensava em comprar todas aquelas coisas caras que acabou comprando para acabar com sua dieta.

Se você já está comprando maconha, cujo consumo é 10 vezes maior que o da coca, segundo informação sua, e sente vontade de experimentar crack você não precisará de um novo canal. (...) Ou seja, o consumo de maconha aumentaria e o de outras drogas diminuiria.

*

Manuela de Almeida

"Qual a razão pela qual a imprensa e os estudiosos só se aterem aos problemas decorrentes da violência da oferta, do tráfico das drogas, nunca mencionando qualquer atitude que iniba a demanda, especialmente dos países ricos. O ônus é sempre dos países pobres das Américas central e sul. Da mesma forma que uma bem formulada campanha reduziu o consumo do tabaco porque não fazer algo parecido, mas mais adequado, no caso das drogas pesadas? Os grandes consumidores são, sabidamente, as classes médias dos países de primeiro mundo onde, certamente, não faltam recursos para isso. É ocioso afirmar que, sem demanda, não há oferta, ou esta sábia lei de mercado foi abolida e ninguém me avisou?"

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