Ir para conteúdo

A Erva, A Culpa, A Cura (Por Lu Lacerda)


BraveHeart

Recommended Posts

  • Usuário Growroom

Lu Lacerda admite uso de maconha para fins medicinais e faz apelo

Texto publicado na seção Logo, A Página Móvel

deste domingo, na página 16 do jornal O Globo

A ERVA, A CULPA, A CURA

________________________________________

Por Lu Lacerda

Aproveito o lançamento do

documentário “Quebrando o

tabu”, sobre descriminalização

das drogas, estrelando Fernando

Henrique Cardoso, para fazer

um depoimento-desabafo: um

amigo californiano usa maconha

com fim medicinal (possui até

uma carteira de identificação

para, se preciso for, provar que

está legalizado). Em seu país, o

consumo terapêutico dessa

droga é autorizado por lei.

Numa conversa, descobri que a

planta o curara de um grande

problema que também tenho: o

bruxismo. Fiz o teste, dando

duas tragadas num desses

cigarros por algumas noites

alternadas. Resultado: vi-me

livre das dores com que convivo

a cada manhã, livre de acordar

no meio da noite com a cabeça

latejando, livre de, em certos

dias, sequer poder mastigar

uma colher de pudim.

Pensando mais no futuro,

veio-me ainda a esperança de

talvez não mais ter que conviver

com ameaças de surdez nos

próximos anos; não me sentir

na iminência de uma outra

cirurgia para implante de osso;

dar um basta na sensação de

que engoli mais um pedacinho

de metal; livrar-me de uma das

minhas inúmeras placas usadas

para dormir (tenho de todos os

tipos: plástico, silicone, acrílico

— todos os materiais,

modelagens, desenhos

existentes no terrível escopo do

bruxismo. Não há meditação,

ioga, homeopatia, marido,

Rivotril, esporte, que amenizem

o sofrimento provocado pelo

travamento dos dentes, muito

desgastados desde a pósadolescência.

Fiquei num

grande estado de excitação: a

cura estava ali, a meu alcance.

Pedi a duas médicas uma

declaração, um depoimento,

atestando que preciso fazer uso

dos benefícios dessa planta.

Nada obtive: nenhuma delas

está autorizada a fazê-lo. “Seria

ilegal”, diz uma psicóloga que

defende o uso dos cigarrinhos

verdes para alguns pacientes

(nas internas, que fique claro).

Ensina até quem vende a droga

sem química, plantada e colhida

na região fluminense. Maconha

orgânica. Conversei também

com um advogado. Ele me disse

que poderia tentar, mas

dificilmente conseguiríamos

alguma coisa. O único resultado

positivo seria o de estimular o

debate. Foi o que me impeliu a

escrever este apelo.

Quero apenas o direito de dar

duas tragadas num cigarro de

maconha todas as noites, na

minha cama, no meu quarto —

apenas duas! —, sem precisar ir

morar nos Estados Unidos,

vivendo na minha cidade, no

meu país, sem ter que me sentir

uma contribuinte do tráfico e,

por tabela, da violência. Não

suportaria essa culpa, mesmo

sabendo que é um argumento

sujeito a vários

questionamentos.

Duas tragadas. É tudo. Fazemme

amolecer um pouco, nada

mais. Não se trata de usar a

droga como quem o faz para

“suportar melhor a existência”

(já ouvi isso). Simplesmente,

encontrei um remédio. Uma

erva. Como outras, com fins

medicinais, dependendo,

sempre, da dosagem. Os índios

fazem bom uso de todas elas, e

o limite é estabelecido por cada

um de acordo com o

conhecimento acumulado ao

longo de milênios.

Não tenho interesse em

nenhuma droga como droga,

nem para o chamado uso

recreativo (álcool aqui incluído);

aliás, não suporto perder o

controle, em nenhuma situação.

Nem na adolescência, quando,

na minha fantasia, os baseados

tinham o poder de trazer

inspiração, criatividade e ideias

originais para escrever textos

maravilhosos, da mesma forma

como os roqueiros que eu

conhecia faziam com suas

músicas. Claro que na época

experimentei maconha, como

todos os jovens da minha idade.

Uma amiga insistia para que eu

fumasse mais, mais e mais (em

vez de aguardar, como se deve,

que as primeiras tragadas façam

efeito), resultando numa

primeira experiência bastante

penosa que terminou em

vertigem e vômito.

Não me tornei usuária, mas

tive, na ocasião, um sonho

intenso, marcante. Eu fumava e

começava a escrever

freneticamente. Parava,

analisava e concordava com

todos os pensamentos que

surgiam, não discordava de

nada. Coisas banais ficavam

importantes, coisas importantes

ficavam banais, mas todas iam

passando. Por vezes eu

abraçava as palavras, mas elas

conseguiam fugir de mim

quando eu menos esperava. As

letras criavam disfarces: elas

estavam ali, mas não estavam. E

nem sempre seguiam a ordem

de que eu gostaria. As mais

sinuosas se misturavam entre si

na forma de colares gigantes,

que iam de um país a outro, sem

se deixarem molhar no mar ao

atravessá-lo. Algumas só se

perdiam, levando com elas a

coesão do pensamento. O que ia

me restar, então? E escrevia,

relia os textos, as sensações, as

paixões, as confissões, mas tudo

se esvaía. Era mesmo o fim da

minha lua de mel com as

palavras. A morte era preferível.

O problema é meu ou do fumo?,

pensava, no sonho, cheia de

uma culpa injusta.

Ou seja, durante as décadas

que se seguiram, minha relação

com a maconha se resumiu a

esse pesadelo. Até eu tomar

conhecimento desse seu lado

atenuante para meu desespero

pessoal. O fato é que o meu

sonho agora é bem outro. Quero

apenas isto que considero

essencial: não ser privada do

que para mim é um

medicamento que me alivia o

insuportável bruxismo. Quero

poder consumir as ervas que

bem entender, assim como

posso usar hortelã para um

suco, ou a arruda para “limpar”

um ambiente, tranquilamente. A

sálvia anda difícil, segundo me

disse a espiritualista Ana Lang,

que vive na Gávea. Não poder

usá-las? “Arrenego”. Fiz questão

de escrever a palavra por achar

que combina bem com uma

camponesa como eu (fui criada

em fazenda), acostumada a uma

relação de intimidade e respeito

com todas as plantas e, apesar

disso, sem o direito de usá-las

como algo útil, essas dádivas.

Aliás, quando ouvi pela

primeira vez a palavra maconha,

era ainda uma criança. Foi

durante uma conversa entre

meu pai e um senhor muito

simples, candidato a vaqueiro.

Ao ver minha mãe nervosíssima,

numa crise violenta de tosse,

ele perguntou se não teria um

pé de maconha ali por perto. E

afirmou: “Se fizesse um chá, ela

se acalmaria e ficaria logo boa.”

Nunca soubemos se isso seria

real. Voltando à atualidade,

considero-me, de fato, uma

cidadã: trabalho muito, pago

imposto, respeito o outro. Por

que, então, no meu país me

proíbem um remédio que me

traria a paz ante um mal que me

consome? Isso dito, deixo uma

pergunta: entre o bruxismo e a

culpa, o que faço eu?

http://oglobo.globo.com/blogs/arnaldo/

Link para o comentário
Compartilhar em outros sites

  • Usuário Growroom

Arnaldo Bloch - O Globo

12/06/2011 - O Globo - Página 16

.

.

Muito tem evoluído a discussão sobre as drogas.

.

A ONU já admitiu o fracasso da política de confronto capitaneada pelos EUA

.

Novas abordagens, como a da redução de danos, ganham corpo, sobretudo na Europa.

Do lado de cá a Comissão Latino Americana Sobre Drogas e Democracia tem no ex-presidente Fernando Henrique Cardoso um porta voz entusiasmado.

.

É ele quem conduz a narrativa do documentário "Quebrando O Tabu", produção multinacional (em cartaz no Rio) que aprofunda o tema, mostrando que a equação drogas/violência é bem mais complexa do que prega a esparrela de culpabilização do usuário.

.

A descriminalização da maconha já é realidade em muitos paíse, inclusive, com todas as suas limitações relacionadas com sua aplicação, no Brasil. Paradoxalmente, nos EUA, onde se está muito longe de um estatus quo que penalize menos o usuário, avança a passos mais largos a permissão para uso medicinal da Canabis para o alívio de sintomas em diversas enfermidades, enquanto, no Brasil, pouco se discute esse aspecto do problema.

.

Por isso a página "Logo" abriu este espaço para a jornalista e colunista Lu Lacerda, que jamais foi usuária, relatar a descoberta que fez, recentemente, sobre os efeitos da maconha numa doença que lhe causava profundo sofrimento. E o estigma que, imediatamente, se abateu sobre sua consciência.

.

(Arnaldo Bloch)

A erva, a cura, a culpa

12.06.2011 - por Arnaldo Bloch - O Globo

.

Lu Lacerda admite uso de maconha para fins medicinais e faz apelo

.

Texto publicado na seção Logo, A Página Móvel deste domingo, na página 16 do jornal O Globo:

.

.

Jornalista admite uso de maconha para aliviar sintomas de doença e faz apelo para que se debata consumo medicinal da planta no Brasil.

.

.

Aproveito o lançamento do documentário “Quebrando o tabu”, sobre descriminalização das drogas, estrelando Fernando Henrique Cardoso, para fazer um depoimento-desabafo: um amigo californiano usa maconha com fim medicinal (possui até uma carteira de identificação para, se preciso for, provar que está legalizado). Em seu país, o consumo terapêutico dessa droga é autorizado por lei.

.

Numa conversa, descobri que a planta o curara de um grande problema que também tenho: o bruxismo. Fiz o teste, dando duas tragadas num desses

cigarros por algumas noites alternadas. Resultado: vi-me livre das dores com que convivo a cada manhã, livre de acordar no meio da noite com a cabeça latejando, livre de, em certos dias, sequer poder mastigar uma colher de pudim.

.

Pensando mais no futuro, veio-me ainda a esperança de talvez não mais ter que conviver com ameaças de surdez nos próximos anos; não me sentir na iminência de uma outra cirurgia para implante de osso; dar um basta na sensação de que engoli mais um pedacinho de metal; livrar-me de uma das minhas inúmeras placas usadas

para dormir (tenho de todos os tipos: plástico, silicone, acrílico — todos os materiais,

modelagens, desenhos existentes no terrível escopo do bruxismo.

.

Não há meditação, ioga, homeopatia, marido, Rivotril, esporte, que amenizem o sofrimento provocado pelo travamento dos dentes, muito desgastados desde a pósadolescência.

.

Fiquei num grande estado de excitação: a cura estava ali, a meu alcance. Pedi a duas médicas uma declaração, um depoimento, atestando que preciso fazer uso dos benefícios dessa planta.

Nada obtive: nenhuma delas está autorizada a fazê-lo. “Seria ilegal”, diz uma psicóloga que defende o uso dos cigarrinhos verdes para alguns pacientes (nas internas, que fique claro).

.

Ensina até quem vende a droga sem química, plantada e colhida na região fluminense. Maconha orgânica. Conversei também com um advogado. Ele me disse

que poderia tentar, mas dificilmente conseguiríamos alguma coisa. O único resultado

positivo seria o de estimular o debate. Foi o que me impeliu a escrever este apelo.

.

Quero apenas o direito de dar duas tragadas num cigarro de maconha todas as noites, na minha cama, no meu quarto — apenas duas! —, sem precisar ir morar nos Estados Unidos, vivendo na minha cidade, no meu país, sem ter que me sentir uma contribuinte do tráfico e, por tabela, da violência. Não suportaria essa culpa, mesmo sabendo que é um argumento sujeito a vários questionamentos.

.

.

Duas tragadas. É tudo. Fazem me amolecer um pouco, nada mais. Não se trata de usar a droga como quem o faz para “suportar melhor a existência” (já ouvi isso). Simplesmente, encontrei um remédio. Uma erva. Como outras, com fins medicinais, dependendo, sempre, da dosagem. Os índios fazem bom uso de todas elas, e

o limite é estabelecido por cada um de acordo com o conhecimento acumulado ao

longo de milênios.

.

Não tenho interesse em nenhuma droga como droga, nem para o chamado uso

recreativo (álcool aqui incluído); aliás, não suporto perder o controle, em nenhuma situação. Nem na adolescência, quando, na minha fantasia, os baseados tinham o poder de trazer inspiração, criatividade e ideias originais para escrever textos

maravilhosos, da mesma forma como os roqueiros que eu conhecia faziam com suas

músicas.

.

Claro que na época experimentei maconha, como todos os jovens da minha idade.

Uma amiga insistia para que eu fumasse mais, mais e mais (em vez de aguardar, como se deve, que as primeiras tragadas façam efeito), resultando numa

primeira experiência bastante penosa que terminou em vertigem e vômito.

.

Não me tornei usuária, mas tive, na ocasião, um sonho intenso, marcante. Eu fumava e começava a escrever freneticamente. Parava, analisava e concordava com todos os pensamentos que surgiam, não discordava de nada. Coisas banais ficavam importantes, coisas importantes ficavam banais, mas todas iam passando. Por vezes eu abraçava as palavras, mas elas conseguiam fugir de mim quando eu menos esperava. As letras criavam disfarces: elas estavam ali, mas não estavam. E nem sempre seguiam a ordem

de que eu gostaria.

.

As mais sinuosas se misturavam entre si na forma de colares gigantes, que iam de um país a outro, sem se deixarem molhar no mar ao atravessá-lo. Algumas só se perdiam, levando com elas a coesão do pensamento. O que ia me restar, então? E escrevia, relia os textos, as sensações, as paixões, as confissões, mas tudo se esvaía. Era mesmo o fim da minha lua de mel com as palavras. A morte era preferível.

.

O problema é meu ou do fumo?, pensava, no sonho, cheia de uma culpa injusta.

Ou seja, durante as décadas que se seguiram, minha relação com a maconha se resumiu a esse pesadelo. Até eu tomar conhecimento desse seu lado atenuante para meu desespero pessoal. O fato é que o meu sonho agora é bem outro. Quero

apenas isto que considero essencial: não ser privada do que para mim é um

medicamento que me alivia o insuportável bruxismo.

Quero poder consumir as ervas que bem entender, assim como posso usar hortelã para um suco, ou a arruda para “limpar” um ambiente, tranquilamente. A sálvia anda difícil, segundo me disse a espiritualista Ana Lang, que vive na Gávea. Não poder usá-las? “Arrenego”. Fiz questão de escrever a palavra por achar que combina bem com uma

camponesa como eu (fui criada em fazenda), acostumada a uma relação de intimidade e respeito com todas as plantas e, apesar disso, sem o direito de usá-las como algo útil, essas dádivas.

.

Aliás, quando ouvi pela primeira vez a palavra maconha, era ainda uma criança. Foi

durante uma conversa entre meu pai e um senhor muito simples, candidato a vaqueiro.

.

Ao ver minha mãe nervosíssima, numa crise violenta de tosse, ele perguntou se não teria um pé de maconha ali por perto. E afirmou: “Se fizesse um chá, ela se acalmaria e ficaria logo boa.” Nunca soubemos se isso seria real. Voltando à atualidade,

considero-me, de fato, uma cidadã: trabalho muito, pago imposto, respeito o outro. Por que, então, no meu país me proíbem um remédio que me traria a paz ante um mal que me consome? Isso dito, deixo uma pergunta: entre o bruxismo e a culpa, o que faço eu?

.

O GLOBO

Link para o comentário
Compartilhar em outros sites

Enviado por Arnaldo Bloch -

12.6.2011

|

13h08m

Lu Lacerda admite uso de maconha para fins medicinais e faz apelo

ATENÇÃO: ESTE BLOG ESTÁ SUPRIMINDO, NA MAIOR TRANQUILIDADE, TODOS OS COMENTÁRIOS OFENSIVOS, GROSSEIROS, ESTIGMATIZANTES OU BELIGERANTES SOBRE O TEXTO ABAIXO. PELO MENOS O DOBRO DO QUE FOI POSTADO JÁ ESTÁ NO LIXO. LEITORES QUE NÃO PRIMAM POR EDUCAÇÃO NÃO PRECISAM NEM PERDER O TEMPO DE ESCREVER.

Texto publicado na seção Logo, A Página Móvel

deste domingo, na página 16 do jornal O Globo

A ERVA, A CULPA, A CURA

________________________________________

Por Lu Lacerda

Aproveito o lançamento do

documentário “Quebrando o

tabu”, sobre descriminalização

das drogas, estrelando Fernando

Henrique Cardoso, para fazer

um depoimento-desabafo: um

amigo californiano usa maconha

com fim medicinal (possui até

uma carteira de identificação

para, se preciso for, provar que

está legalizado). Em seu país, o

consumo terapêutico dessa

droga é autorizado por lei.

Numa conversa, descobri que a

planta o curara de um grande

problema que também tenho: o

bruxismo. Fiz o teste, dando

duas tragadas num desses

cigarros por algumas noites

alternadas. Resultado: vi-me

livre das dores com que convivo

a cada manhã, livre de acordar

no meio da noite com a cabeça

latejando, livre de, em certos

dias, sequer poder mastigar

uma colher de pudim.

Pensando mais no futuro,

veio-me ainda a esperança de

talvez não mais ter que conviver

com ameaças de surdez nos

próximos anos; não me sentir

na iminência de uma outra

cirurgia para implante de osso;

dar um basta na sensação de

que engoli mais um pedacinho

de metal; livrar-me de uma das

minhas inúmeras placas usadas

para dormir (tenho de todos os

tipos: plástico, silicone, acrílico

— todos os materiais,

modelagens, desenhos

existentes no terrível escopo do

bruxismo. Não há meditação,

ioga, homeopatia, marido,

Rivotril, esporte, que amenizem

o sofrimento provocado pelo

travamento dos dentes, muito

desgastados desde a pósadolescência.

Fiquei num

grande estado de excitação: a

cura estava ali, a meu alcance.

Pedi a duas médicas uma

declaração, um depoimento,

atestando que preciso fazer uso

dos benefícios dessa planta.

Nada obtive: nenhuma delas

está autorizada a fazê-lo. “Seria

ilegal”, diz uma psicóloga que

defende o uso dos cigarrinhos

verdes para alguns pacientes

(nas internas, que fique claro).

Ensina até quem vende a droga

sem química, plantada e colhida

na região fluminense. Maconha

orgânica. Conversei também

com um advogado. Ele me disse

que poderia tentar, mas

dificilmente conseguiríamos

alguma coisa. O único resultado

positivo seria o de estimular o

debate. Foi o que me impeliu a

escrever este apelo.

Quero apenas o direito de dar

duas tragadas num cigarro de

maconha todas as noites, na

minha cama, no meu quarto —

apenas duas! —, sem precisar ir

morar nos Estados Unidos,

vivendo na minha cidade, no

meu país, sem ter que me sentir

uma contribuinte do tráfico e,

por tabela, da violência. Não

suportaria essa culpa, mesmo

sabendo que é um argumento

sujeito a vários

questionamentos.

Duas tragadas. É tudo. Fazemme

amolecer um pouco, nada

mais. Não se trata de usar a

droga como quem o faz para

“suportar melhor a existência”

(já ouvi isso). Simplesmente,

encontrei um remédio. Uma

erva. Como outras, com fins

medicinais, dependendo,

sempre, da dosagem. Os índios

fazem bom uso de todas elas, e

o limite é estabelecido por cada

um de acordo com o

conhecimento acumulado ao

longo de milênios.

Não tenho interesse em

nenhuma droga como droga,

nem para o chamado uso

recreativo (álcool aqui incluído);

aliás, não suporto perder o

controle, em nenhuma situação.

Nem na adolescência, quando,

na minha fantasia, os baseados

tinham o poder de trazer

inspiração, criatividade e ideias

originais para escrever textos

maravilhosos, da mesma forma

como os roqueiros que eu

conhecia faziam com suas

músicas. Claro que na época

experimentei maconha, como

todos os jovens da minha idade.

Uma amiga insistia para que eu

fumasse mais, mais e mais (em

vez de aguardar, como se deve,

que as primeiras tragadas façam

efeito), resultando numa

primeira experiência bastante

penosa que terminou em

vertigem e vômito.

Não me tornei usuária, mas

tive, na ocasião, um sonho

intenso, marcante. Eu fumava e

começava a escrever

freneticamente. Parava,

analisava e concordava com

todos os pensamentos que

surgiam, não discordava de

nada. Coisas banais ficavam

importantes, coisas importantes

ficavam banais, mas todas iam

passando. Por vezes eu

abraçava as palavras, mas elas

conseguiam fugir de mim

quando eu menos esperava. As

letras criavam disfarces: elas

estavam ali, mas não estavam. E

nem sempre seguiam a ordem

de que eu gostaria. As mais

sinuosas se misturavam entre si

na forma de colares gigantes,

que iam de um país a outro, sem

se deixarem molhar no mar ao

atravessá-lo. Algumas só se

perdiam, levando com elas a

coesão do pensamento. O que ia

me restar, então? E escrevia,

relia os textos, as sensações, as

paixões, as confissões, mas tudo

se esvaía. Era mesmo o fim da

minha lua de mel com as

palavras. A morte era preferível.

O problema é meu ou do fumo?,

pensava, no sonho, cheia de

uma culpa injusta.

Ou seja, durante as décadas

que se seguiram, minha relação

com a maconha se resumiu a

esse pesadelo. Até eu tomar

conhecimento desse seu lado

atenuante para meu desespero

pessoal. O fato é que o meu

sonho agora é bem outro. Quero

apenas isto que considero

essencial: não ser privada do

que para mim é um

medicamento que me alivia o

insuportável bruxismo. Quero

poder consumir as ervas que

bem entender, assim como

posso usar hortelã para um

suco, ou a arruda para “limpar”

um ambiente, tranquilamente. A

sálvia anda difícil, segundo me

disse a espiritualista Ana Lang,

que vive na Gávea. Não poder

usá-las? “Arrenego”. Fiz questão

de escrever a palavra por achar

que combina bem com uma

camponesa como eu (fui criada

em fazenda), acostumada a uma

relação de intimidade e respeito

com todas as plantas e, apesar

disso, sem o direito de usá-las

como algo útil, essas dádivas.

Aliás, quando ouvi pela

primeira vez a palavra maconha,

era ainda uma criança. Foi

durante uma conversa entre

meu pai e um senhor muito

simples, candidato a vaqueiro.

Ao ver minha mãe nervosíssima,

numa crise violenta de tosse,

ele perguntou se não teria um

pé de maconha ali por perto. E

afirmou: “Se fizesse um chá, ela

se acalmaria e ficaria logo boa.”

Nunca soubemos se isso seria

real. Voltando à atualidade,

considero-me, de fato, uma

cidadã: trabalho muito, pago

imposto, respeito o outro. Por

que, então, no meu país me

proíbem um remédio que me

traria a paz ante um mal que me

consome? Isso dito, deixo uma

pergunta: entre o bruxismo e a

culpa, o que faço eu?

O Globo - Arnaldo Blog

Link para o comentário
Compartilhar em outros sites

  • Usuário Growroom

Legal essa mina, já que ela tem espaço na mídia para isso, relatar o caso dela....achei legal que no meio do texto ela desviou da parte da saúde e mostrou que a maconha tbm é inspiradora.....

Link para o comentário
Compartilhar em outros sites

  • Usuário Growroom

Alem de atrapalhar o sono merecido do conjuge....

Verdade, agora a minha conjuge riu muito dessa reportagem... e falou pra mim, Pô! vc fuma maconha de montão e ainda fica rangendo os dentes!

Vc tem que arumar o contato de peso da psicologa! :segredinho:

heheheheh

Link para o comentário
Compartilhar em outros sites

Join the conversation

You can post now and register later. If you have an account, sign in now to post with your account.

Visitante
Responder

×   Pasted as rich text.   Paste as plain text instead

  Only 75 emoji are allowed.

×   Your link has been automatically embedded.   Display as a link instead

×   Your previous content has been restored.   Clear editor

×   You cannot paste images directly. Upload or insert images from URL.

Processando...
×
×
  • Criar Novo...