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O Que Não Aprendemos Com A “Lei Seca” Estadunidense


Percoff

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  • Usuário Growroom

O que não aprendemos com a “Lei Seca” estadunidense

O fracasso da “Lei Seca”, criada nos Estados Unidos em 1919 e responsável pelo surgimento do crime organizado no país, nos ensina muito sobre o proibicionismo

O começo do século XX nos Estados Unidos foi marcado por uma dupla atuação dos grupos puritanos proibicionistas, como a Liga Anti-Saloon, a fim de, através da atuação internacional de seu governo em convenções e tratados, abrir caminho internamente para a consolidação da proibição de diversas drogas e a consolidação de um ordenamento jurídico que visava “proteger o indivíduo de si mesmo”, nas palavras de Thomas Szasz.

A partir de convenções internacionais, os Estados Unidos difundem pelo mundo a necessidade de se controlar primeiramente o uso não medicamentoso e posteriormente qualquer uso de certas drogas, com enfoque primordial no ópio — substância importante no comércio exterior da então rival Grã Bretanha. Isto abriu caminho para que internamente fossem criadas legislações mais duras com os psicoativos, sendo neste caso o álcool o alvo primordial do “fervor puritano”, que consegue aprovar o Volstead Act, popularmente conhecido como Lei Seca, no ano de 1919.

Estava inaugurado o crime organizado no país, como bem definiu Thiago Rodrigues.

Em seu fundamental livro Política e drogas nas Américas, Rodrigues sintetiza bem este período: “A ilegalidade tornou possível o fortalecimento e a prosperidade das máfias. A exploração da produção e da venda clandestina de álcool dinamizou exponencialmente os negócios das ‘famílias’ criminosas judias, irlandesas e italianas, bem como potencializou as funções do Estado, já que departamentos e agências foram criados ou ampliados para que a fiscalização e a coerção fossem devidamente aplicadas. O Volstead Act proporcionou a proliferação de quadrilhas, prisões, armas, de mortes, de agentes federais, de juízes, promotores e de viaturas policiais. Enfim, havia boas oportunidades de lucro e emprego para os lados legal e ilegal da economia”.

O consumo de álcool não diminuiu, e na esteira da proibição vieram o crime organizado, o crescimento absurdo do aparato estatal e do investimento público na coerção a este mercado, e o também enorme aumento no índice de problemas de saúde causados por substâncias vendidas sem o menor controle. A Lei Seca, promovida por uma minoria ativa e fanática e imposta opressivamente à maioria, como define Johnathan Ott, cai apenas em 1933, fruto de sua inexequibilidade e também por conta da crise de 1929, que fez com que os impostos de um comércio legal de álcool surgissem como fundamentais ao Estado estadunidense.

Apenas quatro anos depois é que a maconha seria proibida, através do Marijuana Tax Act, lei que também tem relação com a crise de 1929. O alvo desta vez eram os mexicanos, estigmatizados como principal grupo consumidor de maconha nos Estados Unidos e detentores de empregos de baixa remuneração que, se antes do crack da bolsa eram pouco desejados pelos cidadãos estadunidenses, passaram a ser fundamentais nos tempos de New Deal.

Como lembra Rodrigues, o fim da Lei Seca não dissipou a sanha proibicionista estadunidense, já que a “relegalização do álcool foi compensada com a inauguração da grande guerra estatal contra uma variedade muito maior de drogas. Se a campanha contra o álcool mobilizou amplos setores da sociedade, a luta contra outras drogas ilegais partirár preferencialmente de iniciativas estatais”.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos garantem a permanência dos órgãos internacionais de combate às drogas em Nova Iorque — situação que já vinha dos tempos da antecessora Liga das Nações mesmo com o país de Obama não fazendo parte dela — e também a hegemonia e propagação de seu discurso proibicionista.

As lições dos tempos da Lei Seca foram, convenientemente, “esquecidas”. Até que hoje, no seio de mais uma pesada crise do capitalismo, importantes vozes do sistema começam a apontar que os ingressos de um comércio regulamentado de drogas pode ajudar na recuperação de Estados à beira da falência. Se milhões de vidas destruídas por mortes e prisões não servem de argumento, quem sabe esse não ajude a convençê-los do absurdo da profecia autocumprida do proibicionismo, como aponta o antropólogo antiproibicionista Edward MacRae:

Na falta de um debate público e com a repetição de ideias falseadas, autoritárias e preconceituosas, tem-se operado uma desqualificação e demonização do usuário e do “traficante” (também tratado de maneira pouco matizada). O reducionismo dessa estereotipação ao encobrir alguns dos reais problemas estruturais da sociedade criando um inimigo imaginário, que tem sua utilidade na manutenção do status quo, acaba por aumentar a marginalização dos usuários assim como leva à cristalização uma “subcultura da droga” de pouca permeabilidade a agentes de saúde ou a representantes de qualquer tipo de discurso oficial. E, como uma profecia que cumpre a si mesma, isso leva à criação de novas ameaças à ordem e à saúde nessa sociedade.

Fonte:
http://rede.outraspalavras.net/pontodecultura/2011/11/06/o-que-nao-aprendemos-com-a-lei-seca-estadunidense/

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  • Usuário Growroom

Ótimo texto!

Proibicionismo não funciona com absolutamente nada! NADA!

A proibição legal pura e simples ofende a racionalidade humana. Debates e estudos técnicos LIVRES DE PRÉ-CONCEITOS são a chave!

Quando a Lei nos diz que NÃO podemos, insinua que não temos capacidade de discernimento necessária para tomarmos a decisão por nós mesmos, capacidade esta que supostamente os legisladores têm de sobra, via reflexa.

E todos sabemos que o "NÃO" não funciona nem com crianças, quem dirá com adultos, caso contrário não haveria se pensar na prática de crimes em território nacional.

E o mais indignante é a falta de capacidade de nossos governantes de aprender com os erros passados.

Como diria Zé Simão: "É mole?! É mole, mas sobe!" Rarararara

"Hoje só amanhã, que eu vou pingar meu colírio alucinógeno."

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    • Salve galera, tudo certo?! Alguns anos sem entrar aqui na casinha, mas como eu vi que tem alguns Growers retornando à casa e outros novos chegando, resolvi postar uma "atualização jurídica" (que não é tããão atual assim) para todos os usuários que já "rodaram/caíram" nesses anos todos de cultivo!!  Todos nós sabemos do julgamento do RE 635.659 (Recurso no STF para descriminalização do porte de maconha), agora chegou o momento de revisar as antigas condenações.  Sabe aquela transação penal assinada? Aquela condenação pelo 28 (que não foi declarada inconstitucional na época)?? Aquela condenação do seu amigo pelo 33, mas que se enquadrava nos parametros de um grower??? Pois então, chegou o momento de revisar todos esses processos para "limpar" a ficha de todos(as) os(as) manos(as) jardineiros(as)!! "O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) dará início, em 30 de junho, ao mutirão nacional para revisar a situação de pessoas presas e/ou condenadas por porte de até 40 gramas de maconha ou seis plantas fêmeas. A realização do mutirão cumpre determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) ao julgar recurso sobre o tema em junho de 2024, que resultou na fixação de parâmetros para diferenciar o porte de maconha para uso pessoal do tráfico. Entre o dia 30 de junho e 30 de julho, os tribunais da Justiça Estadual e regionais federais farão um esforço concentrado para rever casos de pessoas que foram condenadas por tráfico de drogas, mas que atendam aos critérios do STF: terem sidos detidos com menos 40 gramas ou 6 pés de maconha para uso pessoal, não estarem em posse de outras drogas e não apresentem outros elementos que indiquem possível tráfico de drogas. De acordo com da Portaria CNJ n. 167/2025, os tribunais atuarão simultaneamente para levantar os processos que possam se enquadrar nos critérios de revisão até o dia 26 de junho. Este é o primeiro mutirão realizado no contexto do plano Pena Justa, mobilização nacional para enfrentar a situação inconstitucional dos presídios reconhecida em 2023 pelo STF. O CNJ convidará representantes dos tribunais que atuarão diretamente na realização do mutirão para uma reunião de alinhamento na próxima semana, além de disponibilizar o Caderno de Orientações." LINK DO CNJ Caso o seu caso se enquadre, ou conheça alguém que também passou por essas situações, sugerimos buscar um Advogado de confiança ou entrar em contato aqui neste tópico mesmo com algum dos Consultores Jurídicos aqui da casinha mesmo!! Bless~~
    • Curitiba é sempre pior parte hahahaha!
    • o teu chegou? o meu já passou por Curitiba mas tá devagar (pelo menos o pior já passou) kkkkkkkkkk
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