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O Esquema De Notificação Por Maconha Na Austrália


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O Esquema de Notificação por Maconha na Austrália

maio 15, 2012 Posted by Coletivo CannaCerrado

Por Sergio Vidal**

Semana passada falei da experiência de “regulamentação” na Espanha, que foi construída com base na coragem, sabedoria e muito trabalho dos ativistas e cultivadores após anos de lutas na Justiça. Hoje falarei um pouco da experiência australiana. Na Austrália, a mudança nas Leis sobre a maconha foi promovida pelo Estado, amparada em estudos científicos frequentes. Após o Tratado de 1961, todos os países se comprometaram em reprimir o comércio e consumo de maconha, mas nenhum deles conseguiu até hoje. No país dos cangurus, o Estado logo cedo reconheceu que seria impossível sustentar a proibição através de Leis penais.

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Em 1987, as autoridades policiais e do judiciário da região ocidental da Austrália passaram a adotar o que eles chamaram de Cannabis Expiation Notice Scheme (CENS). Esse modelo funcionou considerando o porte e plantio de Cannabis para consumo próprio como uma infração de menor potencial ofensivo, algo como estacionar em local proibido ou jogar lixo em vias públicas, aplicando medidas administrativas como multa ou prestação de serviços. As conseqüências dessa medida foram bem recebidas e em 1994 um relatório da Australia National Task Force on Cannabis concluía sobre a importância da manutenção desse modelo, afirmando que “toda política social precisa ser revista quando os custos de sua administração não compensam seus efeitos”. Em 1999, o governo australiano, para deixar claro que sua política não se tratava da liberação da planta e sim de uma estratégia para reduzir os danos causados pelo mercado, incluiu na legislação as penalidades para pessoas que cultivassem mais de 2 pés de maconha.

No entanto, a ilegalidade da planta e do seu consumo foram mantidos e os cidadãos australianos sabiam disso, já que, na prática, somente entre 1997-1998, 64.659 pessoas foram processadas com base no CENS. A maioria era formada por jovens entre 18 e 24 anos e eram notificados por posse de quantidades inferiores a 25 gramas. Muitos receberam mais de uma notificação durante o período. Os estudos conduzidos pelo National Drug Research Institute (NDRI) para medir as implicações da adoção do modelo CENS revelaram que essa política não havia tido como conseqüência o aumento do consumo de Cannabis entre os jovens, nem do consumo de outras ‘drogas’ por parte dos consumidores habituais de maconha.

Os resultados dessa pesquisa foram tão animadores que o Drugs and Crime Prevention Committee (DCPC) of the Victorian Parliament, encomendou ao NDRI um relatório para subsidiar as decisões do Parlamento do Estado da Vitória quanto à adoção do CENS. O relatório sugeriu que fossem realizados cursos informativos com as autoridades da justiça e da policia e que se investisse mais na divulgação da nova lei entre os usuários, mas principalmente entre os agentes dos sistemas policial e jurídico. O relatório apontava ainda que a maioria das pessoas que consumiam Cannabis não eram atingidas por esse modelo de proibição que só conseguiria notificar 1% dos infratores. O documento conclui afirmando que a experiência na região australiana que tinha adotado o o modelo de Notificações teve bastante êxito, mas recomendava que as principais alterações no mercado fornecedor da planta só ocorreriam se houvesse alguma forma de favorecer o crescimento das iniciativas de cultivo para consumo próprio, uma vez que o número de usuários habituais mantinha-se estável.

Em 2001 as experiências que adotaram o CENS ganharam repercussões em todo o país e em 2003 o Parlamento Australiano aprovou a implantação do modelo em todo território nacional. Essa medida foi instaurada através do Cannabis Control Act, ou Ato de Controle da Cannabis, que passou a vigorar em março de 2004 e o modelo passou a se chamar Cannabis Infringement Notice Scheme, ou CINS. Desde a implantação do CINS o National Drug Law Enforcement Research Fund apoiou a realização de uma ampla pesquisa para medir os impactos da implementação do novo modelo. A pesquisa foi conduzida pelo Dr. Lenton do National Drug Research Institute, da Curtin University of Technology, responsável pelos relatórios sobre os impactos do CENS Scheme na região inicial.

A pesquisa foi composta no total por sete levantamentos realizados através de diferentes metodologias (surveys por telefone, entrevistas individuais e em grupo, dentre outras) e atingiu variados grupos específicos (usuários e não-usuários, usuários habituais, autoridades médicas, policiais e judiciarias), durante 18 meses de coleta dos dados. O primeiro relatório da pesquisa traz informações relevantes a respeito do mercado atual de Cannabis na Austrália, com um certo grau de estabilização do processo de implementação do CINS. Segundo o relatório, 81% dos usuários afirmaram que, com a implementação do CINS, sentiam-se mais a vontade para recorrer a serviços públicos de saúde ou aconselhamento.

Os autores da pesquisa afirmaram que não houve grandes alterações para a população em geral e que, como nas experiências anteriores, não houve crescimento no número de jovens consumindo a planta nem ocorreu o aumento do número de usuários de maconha que também utilizavam outras ‘drogas’. Sobre os usuários habituais, o relatório afirmava que, apesar de não ter havido grandes mudanças nos padrões de consumo, 83% deles admitiram que estabeleciam regras de como, onde, como e com quem fumar ou deixar de fumar. Ainda segundo os pesquisadores, mesmo os usuários habituais, que muitas vezes rejeitam determinados aspectos da lei, demonstraram forte tendência a adequar seus comportamentos e condutas às normas exigidas pelo modelo CINS.

A política australiana não regulamentou o mercado fornecedor de Cannabis e derivados, já que não permitiu a produção, apenas descriminalizou o uso e o plantio em pequena escala para consumo próprio. Mas é bastante clara que essa política tinha a intenção de atuar de forma indireta criando transformações no mercado da planta, através da tolerância a cultivos de pequena escala. Apesar de 77% das pessoas que usam maconha entrevistadas na pesquisa terem afirmado já ter cultivado em algum momento da vida, somente 11% estavam fazendo isso na época da pesquisa. Ou seja, a grande maioria ainda estava recorrendo ao mercado paralelo. O relatório da pesquisa aponta o fato de que com a política do CINS houve duas grandes mudanças no mercado de maconha: 1) Uma parte considerável dos usuários começou a plantar e parou de comprar; 2) Uma parte menor dos usuários passou a cultivar um pouco mais do que precisa para poder comercializar. Com isso houve a diminuição radical da produção e comércio de maconha relacionado com gangues de criminosos e houve crescimento dos cultivos comerciais de pequena escala.

O relatório considerou esse efeito colateral da política como um avanço, pois isso significava que os modelos de tráfico de drogas, associados a cartéis e máfias, a violência e criminalidade estavam sendo enfraquecidos. Desde então a Austrália vem avançando cada vez mais com a questão em nível Federal, e cada Estado também à sua maneira, já que por lá existe essa liberdade estadual como nos E.U.A.

Hoje a Austrália não solucionou todos os seus problemas com a maconha, é claro. Nem sequer legalizou ou regulamentou o uso da planta. Atualmente eles mantém a proibição junto com uma descriminalização da posse e cultivo em pequena escala. O mais interessante da experiência australiana é ver os cientistas são chamados para ajudar a tomar decisões políticas e, principalmente, para fazer o monitoramento da implantação dos modelos. Essa experiência é realmente muito importante de ser usada como referência para qualquer país que queira implantar mudanças nas leis e políticas sobre a maconha. Assim eles garantiram que não apenas a Lei fosse implantada da forma mais adequada, mas que pudessem estudar formas de melhorá-la. Essa, para mim, é a forma ideal de aplicar qualquer mudança em qualquer tipo de Lei ou Política. Estudo, Controle, Monitoramento são as chaves do sucesso nesse processo, da sua concepção à sua implantação.

Abraço resinado e até semana que vem!

_____________________

Esse texto pode ser reproduzido, desde que citada a fonte e o link originais.

* Esta coluna é publicada neste espaço semanalmente, todas as segundas-feiras. Excepcionalmente a coluna está sendo divulgada na terça.

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Sergio Vidal é antropólogo e autor do livro Cannabis Medicinal – Introdução ao Cultivo Indoor (http://cultivomedicinal.com.br) e de diversos artigos sobre drogas, seus usos e usuários. É conselheiro do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas – CONAD. Atualmente também é pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Substâncias Psicoativas -NEIP (http://neip.info) – sergiociso@gmail.com

Fonte. http://www.cannacerrado.org/2012/05/o-esquema-de-notificacao-por-maconha-na-australia/

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  • Usuário Growroom

É, a Austrália deu o próximo passo que os juristas redutores de danos querem dar no Brasil: descriminalizar o consumo e o plantio em pequena escala. Os resultados da Austrália são animadores, notadamente o fato do consumo não ter aumentado. Ótimo argumento para implementar esse avanço no Brasil. Agora, essa história de só poder ter 2 pés é fodz, hein? E meu SOG, como é que fica Galvão? Tem que regular área plantada ao invés de número de pés, IMO.

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  • Usuário Growroom

Aliás, pensando bem, esse papo de regular quantidade - no fundo, bem lá no fundo - é um absurdo. Alguém regula quantas caixas de breja ou maços de cigarro neguim pode ter em casa? Santa hipocrisia batman...

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  • Usuário Growroom

... essa história de só poder ter 2 pés é fodz, hein? E meu SOG, como é que fica Galvão? Tem que regular área plantada ao invés de número de pés, IMO.

...considerando o porte e plantio de Cannabis para consumo próprio como uma infração de menor potencial ofensivo, algo como estacionar em local proibido ou jogar lixo em vias públicas, aplicando medidas administrativas como multa ou prestação de serviços.

...

Em 1999, o governo australiano, para deixar claro que sua política não se tratava da liberação da planta e sim de uma estratégia para reduzir os danos causados pelo mercado, incluiu na legislação as penalidades para pessoas que cultivassem mais de 2 pés de maconha.

Ué, mas a penalidade pra quem tiver mais de 2 pés não é só multa ou prestação de serviços?

Ou até 2 pés é multa/prestação de serviços e quem tiver mais de 2 pés recebe uma penalidade mais severa?

1) Uma parte considerável dos usuários começou a plantar e parou de comprar; 2) Uma parte menor dos usuários passou a cultivar um pouco mais do que precisa para poder comercializar.

Como assim? Eles podem vender um pouco do que cultivaram?

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