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“O Toxicodependente Não É Um Criminoso


CanhamoMAN

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“O toxicodependente não é um criminoso”

Outubro 23, 2013

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A antiga ministra da saúde de Portugal, Maria de Belém, está em Macau para apresentar o modelo de sucesso de Portugal na descriminalização do consumo da droga. Por cá, a directora interina do Instituto de Acção Social considera que ainda há “um longo caminho a percorrer”. A droga e a família são temas em discussão na conferência mundial que se realiza no Westin até sexta-feira.

Cláudia Aranda

“Um toxicodependente é, antes de mais, uma pessoa, um ser humano. Não é um criminoso.” Esta foi a mensagem passada ontem em Macau por Maria de Belém, antiga ministra da saúde de Portugal durante a apresentação da experiência portuguesa na descriminalização do consumo de droga. As políticas sobre a droga e a toxicodependência foram tema de discussão no primeiro dia da conferência mundial sobre a droga e a família que se realiza no Westin até sexta-feira. O evento é organizado pela Federação Internacional de Organizações Não-Governamentais para a Prevenção das Drogas e Abuso de Substâncias (IFNGO) e pela Organização das famílias para a Ásia e Pacífico (OFAP), ambas com estatuto consultivo junto da Organização das Nações Unidas (ONU) e presididas pelo arquitecto Nuno Jorge.

Portugal foi o primeiro país da Europa a descriminalizar o uso de drogas, em 2001. As drogas são proibidas, mas o seu consumo deixou de constituir crime. O consumidor passou a ser considerado um doente crónico, que precisa de tratamento. Mantêm-se as sanções para traficantes e produtores de droga. Portugal tem sido considerado um caso de sucesso, dado que houve uma redução no consumo, nomeadamente das chamadas drogas duras, como a heroína, desde que o uso foi descriminalizado.

Maria de Belém, em declarações à margem da conferência, afirmou que “esta política de luta contra a droga não se deve cingir à descriminalização do uso para auto-consumo”. Em Portugal, a luta contra a droga incide na prevenção e dissuasão do consumo, no tratamento do toxicodependente, na redução de danos – que tem que ver, por exemplo, com o programa de troca de seringas com efeitos na redução de doenças infecciosas como o HIV e a hepatite – e na reinserção.

Macau aposta no tratamento

Na sessão de abertura da conferência a directora interina do Instituto de Acção Social (IAS), Vong Yim Mui, afirmou que Macau tem ainda “um longo caminho a percorrer” até à descriminalização do consumo de droga e que o Governo quer apostar mais no tratamento. Esta responsável do IAS disse que a Comissão de Luta contra a Droga vai analisar a lei, as penalizações e a descriminalização do consumo até ao final do ano e depois apresentar as propostas de revisão da lei da droga, em vigor desde 2009, ao Governo. Em declarações aos jornalistas, Vong Yim Mui referiu que a revisão legislativa “não irá incluir a descriminalização”.

“A minha opinião pessoal é que talvez em Macau ainda haja um longo caminho a percorrer. Sei que a descriminalização tem coisas boas, mas talvez não seja fácil”, acrescentou Vong Yim Mui. De acordo com a agência Lusa, a directora interina do IAS afirmou que a revisão da lei da droga, em vigor desde 2009, poderá passar antes pelo agravamento das penas para o tráfico e pelo tratamento de pessoas detidas por consumo que sejam consideradas, através de exames, como toxicodependentes.

A lei da droga em vigor prevê uma pena de prisão para os consumidores até três meses. No caso de tráfico, as penas podem ir até aos 15 anos de prisão. O agravamento de penas, a realização de testes de urina obrigatórios e o tratamento compulsivo são assuntos que têm estado em discussão no processo de revisão da lei de 2009. O IAS havia já defendido antes de 2009 o tratamento compulsivo como alternativa à pena de prisão por consumo de droga. A discussão da lei da droga já considerou também a possibilidade de não-criminalização ou de suspensão do processo judicial para os casos menos graves de consumo e primeiras infracções. Os casos de pena suspensa para tratamentos de desintoxicação têm vindo a aumentar. Entre 2010 e 2012, registaram-se 298 casos de suspensão de pena. Em 2011 foram 96 e em 2012 surgiram 109 novos casos – destes, 62 referiam-se a condenados com idade inferior a 29 anos.

ONG defendem não-criminalização

A despenalização do consumo é uma das soluções defendidas pela Associação de Reabilitação de Toxicodependentes de Macau (ARTM), conforme declarações do presidente da associação, Augusto Nogueira. “Acho que há outros departamentos governamentais que também estão interessados em aprofundar o sistema português de despenalização. Agora, entre isso e passar à prática, e haver uma abordagem mais complexa e mais profunda sobre a possibilidade de despenalização do consumo em Macau, acho que ainda estamos longe”, disse Augusto Nogueira. Macau está rodeado por países e regiões que “têm uma linha muito mais dura sobre o tráfico e sobre o consumo e portanto será um bocado difícil poder contrariar ou seguir a nossa linha de pensamento ou aquilo em que nós acreditamos”, explicou o presidente da ARTM.

Augusto Nogueira afirma que a ARTM quer “mudar apenas um artigo na lei, que permita que o programa de troca de seringas não seja penalizado”. “Temos essa pretensão”, admite. A associação defende a despenalização e não concorda com os testes de urina. E propõe, mesmo que não se consiga a despenalização do consumo, a criação “de uma comissão de dissuasão como existe em Portugal, que pudesse analisar caso a caso antes das pessoas serem enviadas para o tribunal ou para o Ministério Público”. “Se queremos ajudar as pessoas, hoje em dia, temos novas drogas que provocam problemas psicóticos graves, alguns inclusive irreversíveis, e estamos a incluir estas pessoas no sistema normal. Mandamo-las para o tribunal, para a prisão. Mesmo ao enviá-las para os centros de tratamento, podemos estar a cometer erros graves, porque são problemas psicóticos que se calhar requerem outro tipo de atenção que nós organizações não-governamentais podemos não estar preparados [para dar], muito menos a prisão.” Essa comissão seria composta por profissionais de saúde, assistentes sociais e psicólogos aptos a fazerem também o acompanhamento familiar.

O presidente do comité organizador e da OFAP, Nuno Jorge, defendeu que Macau “devia começar a pensar numa política” no sentido da descriminalização do consumo de droga, sublinhando que “não faz sentido pôr um jovem, por uma pequena infracção, na cadeia, onde vai ser doutorado em crime”. Para Nuno Jorge, a descriminalização deveria aplicar-se às drogas leves, “pelo menos”, considerando que para as drogas pesadas teriam de ser analisadas as circunstâncias.

Nuno Jorge considera que o modelo português de despenalização do consumo “vale a pena ser estudado”, mas que não tem conhecimento se Macau “tem condições para esta implementação, uma vez que a cidade reúne “circunstâncias muito especiais, que são os 30 milhões de turistas e a população que cresceu nos últimos anos, e portanto é uma situação social muito instável e pouco coesa, é uma situação social diferente”, o que “não quer dizer que o modelo não possa ser adaptado”. O organizador sublinha, no entanto, que a experiência portuguesa, sobretudo, “aponta caminhos, orientações e princípios”, e consiste numa “chamada de atenção para a dignidade da pessoa humana e para os direitos humanos”.

Maria de Belém deixa um alerta: a despenalização só resolve o problema quando “ajudada por todo um conjunto de políticas que passam pelo tratamento e integração” das pessoas. “Se não tivermos políticas integradas não chegamos às respostas adequadas.” Maria de Belém frisou que é importante “ter políticas viradas para uma intervenção muito pessoal, porque cada um é uma singularidade única”.

Menos consumidores e mais consumo

Em Maio deste ano a Comissão de Luta Contra a Droga reportou uma redução no número de jovens toxicodependentes registado, mas um aumento da quantidade de estupefacientes que esses jovens consumiam. No ano passado, verificou-se uma redução de 7,7 por cento do número total de pessoas no Sistema de Registo Central dos Toxicodependentes de Macau – em 2011 eram 633, número que baixou para 584 em 2012. A diminuição verificou-se também para os consumidores com menos de 21 anos: de 110 passaram a 76, uma redução de 30,9 por cento. Ainda assim, verificava-se um aumento dos jovens que consomem drogas na própria casa e um crescimento contínuo do consumo de ice e de ketamina. No ano passado, o consumo destes estupefacientes atingiu os 37,3 por cento e os 47 por cento, respectivamente.

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