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De olho no mercado

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Hábitos, tecnologia e dinheiro - Paulo Guimarães
É fácil entender que mudanças de hábitos em qualquer sociedade implicam em alterações nos padrões de consumo, produção e fluxo financeiro. Por outro lado, certos adventos tecnológicos causam um efeito bombástico, no que tange à transformação dos costumes. Fato é que qualquer mexida no status quo tende a redundar em rearranjos na distribuição da riqueza criada pelos setores afetados, seja ela introduzida por fatores produtivos, ou por modificações no padrão comportamental humano. Crises como a que se instaurou nos países desenvolvidos entre 2007 e 2008, que chacoalham paradigmas, normalmente provocam embates ao acelerarem mudanças. Na maior potência mundial, os Estados Unidos, nota-se hoje importantes movimentos, em diferentes frentes, que vêm redesenhando os perfis de setores estratégicos. Algumas dessas investidas, todavia, são antagonistas. Para investidores, acertar de antemão quais delas vingarão ou no que resultarão pode significar a construção de fortunas, em um futuro nem tão distante assim.
Reza o consenso entre estudiosos que se dedicam à compreensão da relação causa-efeito nos ciclos de grande evolução tecnológica, que os maiores avanços são consequência da pesada concentração de esforços intelectuais e financeiros na busca de soluções para os principais anseios da humanidade, que variam no decorrer do tempo e de acordo com as circunstâncias impostas. Foi assim, por exemplo, que se deu o desenvolvimento da indústria petrolífera após a segunda metade do século 19, que veio sanar o enorme desafio energético gerado pela revolução industrial.
Desde antes de 2008, autoridades norte-americanas destacam a premência de se diminuir a dependência do país de petróleo importado. De 2008 a 2012, as importações líquidas (importações - exportações) caíram cerca de um terço (33%), para o menor nível em 20 anos. Essa redução é resultado do foco do governo em elevar a independência energética norte-americana, dando ao assunto status de estratégia crítica de segurança nacional. O plano, atualizado no ano passado, consiste em diminuir as importações de petróleo em 50% até 2020. Atualmente, os EUA consomem cerca de 19 milhões de barris por dia, sendo que cerca de 40% deste total vêm do exterior.
São apontados dois principais fatores para o sucesso obtido até agora. A duplicação, desde 2007, da produção de biocombustíveis é uma delas. O etanol made-in-USA provém do milho, que tem uma produtividade bem menor do que a cana de açúcar, principal matéria prima do similar brasileiro. Mesmo assim, desde 2005, os EUA superam o Brasil, consolidando o posto de maior produtor mundial de etanol. O outro fator que possibilitou a expressiva queda na importação de petróleo pelos EUA e que promete uma revolução na indústria petrolífera mundial é o consistente aumento da produção de óleo e gás de xisto, a partir do desenvolvimento da tecnologia conhecida por fracking, ou fraturamento hidráulico. Além do óleo extraído, de 2007 a 2012, o país elevou a produção de gás natural em 25%, sendo que o produto substitui o petróleo em diversos empregos, notoriamente em transportes. O custo ambiental do negócio, contudo, incluindo-se os possíveis danos à saúde do homem, ameaça superar em muito as vantagens acarretadas.
O processo de fracking consiste na perfuração e injeção de fluídos químicos no solo para elevar a pressão, causando a fratura das rochas e a liberação de óleo e gás. A composição desses fluidos são segredos industriais, patenteados, e que ninguém, além de quem os fabrica, conhece ao certo. É dito que nas misturas existem mais de 600 produtos tóxicos, cancerígenos, inclusive com a suspeita de que sejam utilizados componentes radioativos. Ambientalistas, amparados por cientistas de renome, alegam que o fluído usado é deixado a céu aberto para evaporar, contaminando o ar e contribuindo para a formação de chuvas ácidas. Concomitantemente, os lençóis freáticos seriam atingidos, comprometendo a qualidade da água que abastece cidades próximas às perfurações. De concreto, relatos de contaminação vão se multiplicando e as brigas judiciais começam a se avolumar.
Meio que ofuscadas pelo boom na produção de etanol e de petróleo e gás de xisto, as duas fontes de energia que mais crescem nos EUA atualmente são renováveis. De 2008 a 2013, a capacidade eólica saltou de 17 GW para 60 GW (253%), suprindo hoje quinze milhões de residências. Esta modalidade responde atualmente por 43% do crescimento da oferta de energia no país. A outra matriz que também esboça uma arrancada é a fotovoltaica.
Com o declínio a passos largos do seu custo, a energia solar torna-se cada vez mais competitiva. Projeta-se que, em 2016, mantido o ritmo atual de expansão, a cada 83 segundos se iniciará uma nova instalação de painéis solares no país, sendo que a capacidade instalada deverá atingir 50 GW naquele ano, o que equivaleria, no entanto, a somente 2% da oferta de energia nos EUA. Uma característica interessante de ambas as matrizes (eólica e fotovoltaica) é que elas incentivam a geração on-site, ou seja, no próprio local de consumo, eliminando-se os custos de transmissão e mexendo com um padrão arraigado na indústria.
A princípio desconectada da questão energética, a recente intensificação do debate sobre a legalização do comércio da maconha nos Estados Unidos, na verdade, possui ramificações profundas, que se conectam com vários setores da economia, inclusive o petrolífero. Dentro da espécie de planta cannabis sativa se encontram o cânhamo, ou hemp, e a maconha. Embora de aspectos semelhantes, o primeiro praticamente não possui propriedades psicoativas, porque apresenta níveis de THC extremamente baixos. Já a segunda, com níveis elevados da substância ativa, serve a fins medicinais e recreativos. O cultivo de ambos é proibido nos EUA, oficialmente por conta da facilidade em se misturar as lavouras das duas subespécies.
O cânhamo é uma planta extremamente versátil, que pode ser utilizada com enorme competitividade para a produção de biocombustíveis, plásticos, roupas, papéis, cordas e até mesmo massas para construções. Originalmente, a pressão para a proibição do seu cultivo veio dos lobbies das indústrias de algodão e de madeira, concorrentes diretos. Após a Segunda Guerra Mundial, quando a indústria petrolífera passou efetivamente a dominar os setores energético e químico, voltando-se também para toda sorte de produtos de consumo popular, o banimento do cânhamo se tornou ainda mais conveniente, já que evita a sua competição em praticamente todos os nichos de atuação do lobby petroleiro.
A partir da disseminação do uso da maconha com fins medicinais e recreativo, porém, a justificativa para a proibição do cultivo do cânhamo se enfraquece. A venda legal de maconha deverá atingir a cifra de US$ 1,43 bilhão nos EUA esse ano. Em 2014, é estimado que esse número salte para US$ 2,34 bilhões, conforme demonstra pesquisa conduzida pelo portal The Huffington Post. O atual ritmo de crescimento do mercado legal de cannabis, destaca o site, de 64% ao ano, a coloca entre as indústrias que mais rapidamente se expandem no país, superando inclusive a de smartphones, cujo mercado cresceu 46% entre 2012 e 2013.
Outra pesquisa recente, realizada pelo instituto Gallup após os estados do Colorado e Washington terem liberado a maconha para uso recreativo, apurou que 58% da população do país apoiam a legalização da erva para todos os fins. Além disso, 38% dos americanos admitem já tê-la usado. São números impressionantes e que sugerem um horizonte bastante promissor para tendência de alta da cannabis nos Estados Unidos.
O perfil dos usuários de maconha para fins medicinais ou recreativo foi tema esse ano de um trabalho de alunos do Departamento de Estudos Sociais da University of Southern California. Baseado em uma pesquisa realizada entre residentes do estado, o ensaio constata que 96% dos consumidores desejam a liberação da cannabis sativa, seja para que finalidade for, incluindo-se aí os propósitos industriais. Além disso, 87% dos usuários da planta querem ver o fraturamento hidráulico em rochas de xisto banido da Califórnia. Vale ressaltar que a população californiana, apoiada por autoridades e congressistas, vem oferecendo resistência ferrenha ao emprego da técnica nas reservas de petróleo e gás do estado, que estão entre as maiores dos EUA.
É intrigante no cenário norte-americano que duas das indústrias mais promissoras do país estejam se contrapondo. Embora previsões nesse momento ainda sejam muito arriscadas, o desenrolar do certame seguramente reserva bons ensinamentos sobre a relação entre hábitos, tecnologia e dinheiro.

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