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Guerra contra as drogas

Publicado em Quarta, 09 Abril 2014 08:34 | Escrito por Fabio Candotti

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Fabio Candotti - pós-doutorando no Programa de pós-graduação em sociologia da Ufam

Na última quarta-feira, 4 de abril, participei de uma mesa de debate no 1º Seminário de Prevenção às Drogas sob Um Olhar Multidisciplinar: Um Pacto da Sociedade, realizado pela Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam), por iniciativa do deputado Chico Preto.

Segundo o projeto do evento, o objetivo era que ele servisse de “ponto de partida” para estudos voltados à “formulação de políticas nas mais diversas áreas vinculadas ao tema”. Para isso, foi convidada uma gama ampla e diversa de instituições amazonenses. Mas ainda que agradeça o convite, confesso que saí de lá um tanto decepcionado.

Um dia depois, fui ver o filme “Alemão”, dirigido por José Eduardo Belmonte. O filme conta a história de um grupo de cinco policiais civis “infiltrados” no complexo do Alemão. Às vésperas da invasão do Exército, em 2010, quatro deles são descobertos pelo chefe do tráfico e se escondem juntos ao único que ainda podia manter o disfarce.

O filme hipnotiza. Nos puxa para dentro de um universo de medos e nos prende lá junto com as personagens. Uma narrativa bem amarrada, baseada em muitos fatos reais – para não falar do cenário, que é mesmo real. Saí da sala de cinema mais destruído espiritualmente do que decepcionado. Mas a decepção não foi pequena.

O que faltou no seminário sobrou no filme. E o que faltou no filme, sobrou no seminário. No seminário, todos falavam sobre as “drogas” (apenas das ilícitas mais famosas e do álcool), mas não de guerra. E no filme, todos falavam e viviam a guerra, mas a droga era uma personagem oculta, um não dito e não visto.

Assim, ambos não trataram do que é a principal causa tanto da violência urbana quanto dos nossos atuais problemas com o consumo de “drogas”: a política internacional de “guerra contra as drogas”.

Pois, afinal, como falar do uso e do abuso de certas “drogas”, sem ao menos considerar que o comércio e o consumo são alvos (ainda que diferenciados) de uma “guerra”? Se existem saberes especializados em educação para o uso e tratamento contra o abuso, por que devemos aceitar uma guerra que, só no Brasil, já matou dezenas de milhares e encarcerou centenas de milhares de pessoas? Como não perceber que é mais difícil lidar com o abuso quando o consumo é feito no escuro e carregado de medo?

A opção pela guerra diz para todos os profissionais da educação e da saúde pública que são incapazes de fazer aquilo que a humanidade fez durante milênios (e continua a fazer): controlar coletivamente a produção, o comércio e, também, o abuso do consumo de qualquer alimento que seja psicoativo e prejudicial ao corpo.

Por outro lado, como falar da ocupação militar de favelas como o Alemão e a Maré (neste exato momento) sem lembrar que toda a situação foi produzida pela política de “guerra contra as drogas”? Como não lembrar que o Comando Vermelho e outras organizações do tipo só começaram a realizar o varejo de cocaína e maconha no Brasil porque a ultradireita dos EUA havia decidido levar a guerra contra as drogas para a América Latina? Como não lembrar que “essa” guerra é uma das heranças mais terríveis das ditaduras latino-americanas?

A impressão que dá é que naturalizamos a existência “dessa” guerra na nossa vida social. Ao ponto de pararmos de nos assustar com sua violência, por mais que estejamos sofrendo, todos juntos, sem exceções, suas consequências.

A recente publicação do projeto de lei 7270 – que versa não apenas sobre a cannabis, mas também sobre toda a política de drogas brasileira – é um sopro de esperança. Mas terá que vencer o medo e a desinformação em massa.

fmcandotti@gmail.com

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