Ir para conteúdo

O detetive e a maconha


mr.hashpipe

Recommended Posts

  • Usuário Growroom

fonte:

http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata...lt510u113.shtml

O detetive e a maconha

04/09/2003

Olhos vermelhos, ataques à geladeira no meio da madrugada, sono, falta de concentração, queda no rendimento escolar. Pais modernos já não precisarão ficar atentos à semiologia da maconha para descobrir se seus filhos estão fumando a erva maldita. Chega este mês às farmácias de todo o país Drugwipe, o que há de mais moderno em testes de detecção de drogas ilícitas. Basta encostar a ponta do aparelho num objeto frequentemente tocado pelo "suspeito" e, em dois minutos, o prodigioso mecanismo, após analisar as gotículas de suor encontradas pelo infalível método da imunocromatografia, indicará se o seu filho fumou ou não fumou maconha.

O texto acima, apesar de ficcional, torna-se perigosamente verossímil. Os aparelhos para detectar substâncias ilícitas Drugwipe, produzidos pela empresa alemã Securetec, foram aprovados pela Vigilância Sanitária e logo estarão ao alcance do público. Cada unidade, que só pode ser utilizada uma vez, deverá custar entre R 40,00 e R 50,00. É preciso adquirir o aparelho específico para o grupo de drogas que se pretende detectar. Drugwipe existe em quatro versões --minha tentação é escrever "sabores"--: para canabinóides (maconha, haxixe), opiáceos (heroína, morfina), anfetaminas (incluindo metanfetaminas, como o ecstasy) e derivados da cocaína. Os representantes da Securetec no Brasil esperam comercializar 1,4 milhão de unidades nos próximos dois anos.

O leitor já deve ter percebido que não sou muito simpático a testes como o Drugwipe. Resta-me, então, explicar o porquê. Antes, porém, devo esclarecer que não sou contra o aparelho ou mesmo a idéia de detectar a presença de drogas, só não acho que a utilização da engenhoca deva ser banalizada. Eu seria favorável, por exemplo, a que o Drugwipe ou assemelhados fizessem parte dos arsenais da polícia de trânsito para flagrar motoristas entorpecidos. Está aí um emprego para o teste que me parece, ao mesmo tempo, lícito e correto.

Pelo que sei, porém, não está no plano de nossas autoridades adquirir os aparelhos. Entendo as razões. Os custos seriam elevados para um benefício discutível. O número de motoristas que dirigem sob o efeito de drogas é estatisticamente pequeno. Não se compara nem remotamente à carnificina que condutores bêbados provocam todos os dias. (De resto, existem estudos europeus mostrando que a eficácia dos testes no trânsito não é tão boa quanto querem os fabricantes, mas essa é uma outra questão).

Com a comercialização em massa, os aparelhos Drugwipe acabarão sendo adquiridos por pais preocupados ou por empresas que pretendam estabelecer controles antidrogas.

Analisemos primeiro o caso das companhias que é mais simples. Ainda que a empresa afirme que está interessada na segurança e na saúde de seus funcionários, testes obrigatórios para drogas são em princípio inconstitucionais. Além de violar o direito à intimidade, a Carta garante que ninguém pode ser obrigado a produzir prova contra si mesmo. A bela proteção constitucional, contudo, fica um pouco relativizada quando se considera que a recusa em submeter-se ao teste equivale a uma confissão. Se tiver um bom advogado, o ex-empregado cioso de seus direitos constitucionais talvez consiga evitar a justa causa. Isso, é claro, se tiver a carteira assinada.

Mais complicado é o caso de pais e filhos. Pessoalmente, considero que ao menos os menores púberes (com mais de 16 anos) têm direito à intimidade mesmo contra seus pais. Essa, porém, é uma questão para lá de polêmica. Admitamos que os pais tenham o direito legal de testar seus filhos para drogas mesmo à revelia. A pergunta que fica é se devem fazê-lo.

Em primeiro lugar, é preciso tentar compreender o que significa um teste com resultado positivo isoladamente. A resposta é: muito pouco. Embora muitos não concordem, nem toda utilização de droga é patológica. Da mesma forma como é possível tomar uma dose de uísque sem tornar-se um alcoólatra, é possível fumar maconha ou cheirar cocaína de forma eventual, isto é, sem tornar-se um dependente químico. Assim, se o visor do Drugwipe ficar rosa, denunciado a presença de substâncias ilícitas, isso pode significar apenas que o garoto esteve numa festa e, como fazem garotos saudáveis, divertiu-se, ainda que assumindo riscos não-desprezíveis, o que, de resto, jovens saudáveis fazem o tempo todo.

Em favor dos pais, devemos reconhecer que não são todos os jovens que fazem uso não-patológico de drogas. Existem muitos casos de abuso que precisam ser tratados como tal. A questão é que testes não ajudam muito a determinar essas situações. Os critérios mais modernos para definir a dependência são sociais. Deve-se considerar que uma pessoa tem problemas com drogas a partir do instante em que as pessoas que convivem com ela percebem que ela tem um problema com drogas. O raciocínio pode ser meio circular, mas esse definição funciona melhor do que outras supostamente objetivas como tolerância e síndrome de abstinência. O fato é que, à luz do critério social, o teste torna-se pouco útil e por vezes até contraproducente, pois ele tende a criar conflitos desnecessários, prejudicando a abordagem do paciente. Pais que desconfiem de que seus filhos estejam abusando de drogas, em vez de bancar os detetives, poderiam procurar auxílio especializado. Uma abordagem correta nessa hora difícil pode poupar a família de desgastes extras.

Drugwipe chega ao Brasil um pouco na esteira da histeria antidrogas que eclodiu nos anos 70 e 80 nos EUA e se espalhou pelo mundo. É claro que drogas são um seriíssimo problema de saúde pública. Nenhum jovem deveria sentir-se seguro experimentando-as. Mas é uma ilusão acreditar que se possa acabar com elas. Substâncias psicotrópicas acompanham o homem desde que ele desceu das árvores, talvez antes. Mais importante do que tentar eliminá-las é aprender a conviver com elas, tolerando-as na maior parte das vezes e procurando reduzir seus impactos mais deletérios.

Seria um pouco como se dá com o álcool no mundo ocidental. As relações autoritárias e policialescas favorecidas pelos testes antidrogas não são um bom ponto de partida para chegar à utópica era da tolerância, onde cada um, consciente dos riscos que corre e de suas responsabilidades, faria tudo o que desejasse sem incomodar nem ser incomodado por seus semelhantes. Infelizmente, pelo menos por enquanto, só podemos sonhar com essa idade da razão.

Hélio Schwartsman é editorialista da Folha. Escreve para a Folha Online às quintas

Link para o comentário
Compartilhar em outros sites

  • 1 month later...

Join the conversation

You can post now and register later. If you have an account, sign in now to post with your account.

Visitante
Responder

×   Pasted as rich text.   Paste as plain text instead

  Only 75 emoji are allowed.

×   Your link has been automatically embedded.   Display as a link instead

×   Your previous content has been restored.   Clear editor

×   You cannot paste images directly. Upload or insert images from URL.

Processando...
  • Tópicos

  • Posts

    • Salve galera, a quanto tempo eu não passo por aqui, caraca. Seguinte, estou passando por uma situação que nunca tinha me acontecido antes e gostaria de saber se alguém aqui já teve esse problema e se teve, como resolveu. Meu substrato está baixando o pH sozinho e muito. Eu faço rega com pH 6,35 por exemplo, como fiz hoje, e o run off sai com 5,2 e até 5,0. As plantas já estão na 2 semana de flora só que já  estão apresentando deficiências, as folhas se dobrando em garra, parecendo over de N, e elas estão bem  verdes mesmo. Estou usando um substrato 50/50 perlita e turfa. Quantos mais dias eu demoro pra fazer a proxima rega, mais ácido parece que fica. Usando Remo nutrients, iluminação LED 350W num grow 80x80. São 5 plantas automáticas, 4 na flora e uma no início da vega. Abaixo fotos.
    • Salve galera, tudo certo?! Alguns anos sem entrar aqui na casinha, mas como eu vi que tem alguns Growers retornando à casa e outros novos chegando, resolvi postar uma "atualização jurídica" (que não é tããão atual assim) para todos os usuários que já "rodaram/caíram" nesses anos todos de cultivo!!  Todos nós sabemos do julgamento do RE 635.659 (Recurso no STF para descriminalização do porte de maconha), agora chegou o momento de revisar as antigas condenações.  Sabe aquela transação penal assinada? Aquela condenação pelo 28 (que não foi declarada inconstitucional na época)?? Aquela condenação do seu amigo pelo 33, mas que se enquadrava nos parametros de um grower??? Pois então, chegou o momento de revisar todos esses processos para "limpar" a ficha de todos(as) os(as) manos(as) jardineiros(as)!! "O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) dará início, em 30 de junho, ao mutirão nacional para revisar a situação de pessoas presas e/ou condenadas por porte de até 40 gramas de maconha ou seis plantas fêmeas. A realização do mutirão cumpre determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) ao julgar recurso sobre o tema em junho de 2024, que resultou na fixação de parâmetros para diferenciar o porte de maconha para uso pessoal do tráfico. Entre o dia 30 de junho e 30 de julho, os tribunais da Justiça Estadual e regionais federais farão um esforço concentrado para rever casos de pessoas que foram condenadas por tráfico de drogas, mas que atendam aos critérios do STF: terem sidos detidos com menos 40 gramas ou 6 pés de maconha para uso pessoal, não estarem em posse de outras drogas e não apresentem outros elementos que indiquem possível tráfico de drogas. De acordo com da Portaria CNJ n. 167/2025, os tribunais atuarão simultaneamente para levantar os processos que possam se enquadrar nos critérios de revisão até o dia 26 de junho. Este é o primeiro mutirão realizado no contexto do plano Pena Justa, mobilização nacional para enfrentar a situação inconstitucional dos presídios reconhecida em 2023 pelo STF. O CNJ convidará representantes dos tribunais que atuarão diretamente na realização do mutirão para uma reunião de alinhamento na próxima semana, além de disponibilizar o Caderno de Orientações." LINK DO CNJ Caso o seu caso se enquadre, ou conheça alguém que também passou por essas situações, sugerimos buscar um Advogado de confiança ou entrar em contato aqui neste tópico mesmo com algum dos Consultores Jurídicos aqui da casinha mesmo!! Bless~~
    • Curitiba é sempre pior parte hahahaha!
×
×
  • Criar Novo...