Por Laís Vita
Jornal da Faculdade de Comunicação – UFBA
Composto por usuários, simpatizantes e até mesmo mães de usuários, os movimentos pró-legalização da Cannabis sativa, a maconha, vêm fomentando discussões e colocando em voga os benefícios da liberação da droga. O assunto veio à tona mais uma vez com a aprovação da nova Lei Antidrogas, em 23 de agosto de 2006, que determina a proibição da prisão por consumo de entorpecentes e estabelece penas alternativas.
Os próprios usuários dividem-se entre apoio e oposição às causas do movimento. T. S., 23 anos, barman, fuma desde os 20 e é favorável à total liberação: “pra mim , faz bem. O que eu quero pra mim, quero para os outros. Isso vai quebrar tabus porque os incubados vão começar a fumar. Sou a favor porque gosto de viver a minha vida sem ninguém me julgar”. Já J. P., 21 anos, estudante, é contrário à legalização e acredita que ela vai induzir as pessoas ao uso, devido à banalização da droga. “A sociedade não está preparada pra absorver a maconha agora”, diz.
Sergio Vidal, 28 anos, estudante de antropologia na Universidade Federal da Bahia, está à frente do movimento pró-legalização em Salvador. Desde o seu ingresso na Faculdade de Ciências Sociais, em 2001, participa do Grupo Interdisciplinar de Estudo sobre Substâncias Psicoativas (GIESP) e desenvolve pesquisas na área, conduzidas pelo professor Edward MacRae. O movimento tem como foco principal a luta por políticas mais justas e eficazes, com tolerância e regulamentação do uso das drogas.
Vidal busca aprofundar questões referentes ao posicionamento quanto à legalização e diz não ser possível manifestar-se totalmente contra ou a favor da liberação do uso da maconha. “A idéia que se tem é que o movimento é uma coisa simples. Você luta por algo e quando isso acontece, ponto. Não é assim. Se eu falo em legalização, isso significa tornar uma substancia lícita, como o café, onde não há regulamentação. Essa também não é uma solução boa, porque aí estaríamos ignorando aqueles que possuem problemas com drogas”. Ele considera importante estabelecer uma distinção entre liberação e legalização. No primeiro caso, a substância seria taxada como produto qualquer, livre para consumo. No segundo, haveria uma regulamentação estabelecendo formas desse produto ser vendido legalmente, como hoje ocorre com bebidas alcoólicas e cigarros.
A luta é para que as políticas públicas relativas a drogas considerem todos os setores da sociedade e contemplem estudos, pesquisas e análises de modo a garantir a eficácia das medidas adotadas. “Nós somos a favor da legalização, mas esse termo está tão banalizado quanto o termo droga. Eu prefiro regulamentação ou normalização, que traz consigo uma determinada cultura de consumo para dentro da sociedade, entendo-se que ela não é liberada para se fazer o que quiser, mas também não é proibido o acesso à substância. As pessoas têm que perceber que cada realidade é única”. É a partir desse pressuposto que o movimento defende que a estruturação do uso deve ser feita a nível local, criando-se uma lei ou política nacional que permita que cada estado regule o consumo atendendo as suas necessidades e problemas. “No Brasil, o questão da maconha no Sul é diferente do Nordeste. No Sul ela vem da fronteira com o Paraguai, o que envolve crime organizado. Já aqui é principalmente pelos cultivos de famílias, que podem estar ou não envolvidas com a violência. Então essas especificidades devem ser estudadas”.
Quanto aos danos causados pela substância, Sérgio afirma que o argumento que coloca a Cannabis como porta de entrada para drogas mais pesadas não tem fundamento. “Se a droga vai ser pesada ou leve, isso depende da sua relação com ela, e não da droga em si. Dessa forma o álcool poderia também ser considerado porta de entrada”. Ele afirma também que os principais danos à saúde não são causados pelas propriedades psicoativas em si, mas sim pelo hábito de fumar, que prejudica boca, garganta, pulmão, (como o tabaco, que é legal) e pelas condições com que são plantadas, armazenadas e distribuídas, já que não há garantia de qualidade na ilegalidade.
O movimento tem como principal inimigo a moralidade na qual a sociedade está imersa. Sérgio assegura que os preconceitos são quase sempre embasados em pura ignorância. “Com a legalização o usuário não vai mais precisar se esconder e viver numa atitude de auto exclusão”. E ainda acrescenta: “Uma política pública de drogas não pode estar à mercê da moralidade da sociedade”.