Rio de Janeiro – A sociedade e os governantes terão que adotar posições menos hipócritas e moralistas no enfrentamento dos problemas causados pela drogas, na avaliação do professor Antônio Albernaz, da Sociedade de Pediatria do Rio de Janeiro (Soperj), em entrevista à Rádio Nacional do Rio.
Segundo ele, é cômodo para os governos, e principalmente para a polícia, jogar toda a culpa da violência e do tráfico de drogas sobre o consumidor. Para ele, é necessário maior rigor no cumprimento da lei e uma discussão com base mais sólida e fundamentada sobre a descriminalização de algumas drogas – como é o caso da maconha.
“O problema da descriminalização das drogas deve ser discutido sem a interposição de valores morais, mas sim de forma técnica, de modo a que possamos chegar a alguma conclusão e não da forma como está sendo feita agora. Eu não sou contra ou a favor dessa descriminalização, mas o debate em torno do assunto tem que ter fundamentação – é preciso observar outras experiências antes de se adotar qualquer tipo de atitude a respeito”, acredita.
Falando sobre as festas raves – em particular a que foi realizada neste final de semana em uma mansão em Itaboraí, no Grande Rio, onde um jovem de 17 anos que teria consumido droga morreu em conseqüência de uma parada cardiorespiratória – o professor disse acreditar que acontecimentos desta natureza são frutos do neoliberalismo que predomina hoje em praticamente todo o mundo.
“A livre negociação é um dos resultados do neoliberalismo. As pessoas vão aonde tem dinheiro. Não é nenhum espanto que as classes A e B são as que mais consomem as drogas ilícitas. Elas estão baseadas em uma necessidade de comércio e onde o ‘traficante-comerciante’ vai buscar os seus clientes”.
Para o professor, é preciso lembrar que “tem gente que fornece e gente que consome”, e que isso não quer dizer que o consumidor seja o único responsável. “Ele é um dos responsáveis, mas atribuir ao usuário a culpa é cômodo. Nós todos temos que nos responsabilizar e enfrentar o problema. Ele está na nossa cara, tem soluções a curto, médio e longo prazo, e agente continua fingindo que não o vemos”.
O especialista, que já pertenceu ao Núcleo de Estudos e Atenção ao uso de Drogas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), criticou a existência de campanhas nas redes de televisão que acabam incentivando o consumo de álcool entre os jovens
Para o professor, é necessária uma discussão mais aprofundada sobre a propaganda que incentiva o consumo de bebida alcoólica entre os jovens.
“É preciso que o problema seja visto de uma forma menos hipócrita e menos moralista. Cerveja é álcool e o álcool é a pior droga do mundo – é a que mais causa problema e é também a porta de entrada para outras drogas. Este problema tem que ser discutido, mudado e regulamentado de uma outra forma”.
Sobre as chamadas festas rave, Albernaz também defendeu o cumprimento da atual legislação para se tentar minimizar o problema.
“A minha interpretação é que essas festas são as que os jovens gostam de organizar e freqüentar hoje em dia e a proibição nunca foi solução para nada. As pessoas sempre tentam inventar leis novas, diante do surgimento de problemas que não são novos. As leis já existem e a gente sabe que tem menores de 18 anos freqüentando essas festas, o que é proibido. A gente vê menor fumando e bebendo, o que é proibido. Ninguém faz nada. Não é preciso criar uma nova lei é só fazer cumprir a que já existe”.
O problema, diz ele, “é que aqui no Brasil as pessoas não são responsabilizadas pelos erros que cometem”. Os organizadores [dessas festas] não se importam se pessoas traficam drogas em suas festas, em razão da impunidade. Ele lembrou que a lei também proíbe vender bebida alcoólica a quem já está visivelmente embriago “e ninguém dá a mínima”.
“E é de responsabilidade do organizador [impedir] a venda de drogas em festas, por ele promovida”.
Especialista em políticas de combate às drogas entre os jovens, Albernaz contesta a máxima de que “a maconha é a porta de entrada para outras drogas ilícitas mais pesadas”:
“Na verdade a tão falada porta de entrada para as drogas é o cigarro e o álcool, aliados à permissividade da própria família: como é que pode hoje um adolescente passar dois a três dias sem aparecer em casa e o pai não estranhar?”, questiona.
Fonte: Agencia Brasil