Bahia Notícias – Você usou a tribuna da Câmara de Medeiros Neto para assumir que fumava maconha, um posicionamento que, ao menos pelo o que a gente sabe, foi a primeira vez que um vereador fez publicamente na Bahia. Por que você fez aquela declaração?
Pintão – Na verdade, desde que entrei na vida pública me acusam de ser maconheiro, usando esse termo de forma pejorativa para classificar o maconheiro como uma pessoa que não tem qualidade, que não teria capacidade de estar ocupando o lugar que estou hoje na Câmara de Vereadores, já no terceiro mandato. A minha defesa foi realmente assumir. Não negar para a sociedade a minha vida particular, a minha vida interna, porque eu gosto de fazer. Não foi apenas assumir por assumir. Fui acusado de forma pejorativa e então quis entrar nesse mérito para dizer que quem fuma maconha não é marginal. É pai de família, tem filhos, trabalha, estuda e pode ser representante do povo.
BN – E como foi a repercussão disso em Medeiros Neto?
P – Não gerou nenhum fato polêmico ao meu trabalho porque, de certa forma, as pessoas de lá já sabiam disso. Só faltava eu falar. Então, as pessoas acabaram entendendo. Algumas partes mais conservadoras da população, como a igreja e tal, condenaram a atitude. O resto da população que já me conhece, sabe quem eu sou e não mistura os fatos.
BN – Então o preconceito fica…
P – Fica a título de adversários políticos que querem manchar meu trabalho lá no município.
BN – Não teve tanta repercussão porque lá em Medeiros Neto o uso de maconha é comum?
P – Não, o uso não é comum, como em lugar nenhum. A nossa questão também não é debater a liberalização do uso de maconha. O cigarro é legalizado e é regulamentado. Tanto que o Senado acaba de votar a lei que proíbe fumar em locais públicos fechados. Seria o caso do uso da maconha. O caso do uso da maconha em debate é que é um direito individual de cada cidadão. Nossa Constituição expressa isso de forma bem clara, a defesa de nossos direitos individuais. Se fumar maconha só prejudica a você, não é crime, porque crime é ação ou omissão que venha a afetar bens de terceiros. Se fumar maconha e dirigir pode provocar um acidente e prejudicar alguém, então se proíbe fumar maconha e dirigir. Agora, condenar um usuário de maconha por fumar, isso é absurdo.
BN – Mas tem a questão do comércio ilegal. Em sua afirmação na Câmara, você disse que “o estado poderia estar ganhando ao legalizar a maconha” e citou as cooperativas defendidas pelo deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP).
P – Esse projeto do deputado Paulo Teixeira é parecido com o modelo do que cogitam fazer no Uruguai. Está no congresso do Uruguai, já em fase de votação, projetos tanto da bancada de situação ao presidente como também da bancada de oposição. O projeto da bancada de situação legaliza a cada cidadão uruguaio ter até oito pés de maconha plantado em casa para autoconsumo. Eles enxergam nisso um combate à força econômica do tráfico, porque se você avaliar os estudos da ONU, 5% da população de cada país é usuário de drogas ilícitas e 70% desses 5% são usuários de maconha. Então se o cidadão vai poder plantar, cultivar e fumar, vai diminuir a força desse comércio em relação ao traficante. O projeto da bancada de oposição é o da maconha industrial, porque a maconha não tem a utilidade só do “barato”. A maconha é que nem Bombril, tem 1001 utilidades. Serve para combustíveis, tecidos, medicamentos. Esse projeto que o Paulo Teixeira quer discutir no Congresso Brasileiro as cooperativas para poder ter essa produção em alta escala e incentivar a industrialização, que geraria muitos dividendos para o Estado e para o país.
BN – Numa entrevista para o medeirosneto.com.br, você comenta que a maconha poderia ser um benefício para o pequeno agricultor baiano, pela questão do clima, por exemplo.
P – A gente sabe que no nordeste da Bahia há retirantes que estão indo embora procurando melhorias de vida. E não encontram. Porque o campo, no Nordeste, não tem incentivo para a agricultura familiar. O governo não tem como manter o cidadão no campo. Essa agricultura de subsistência do Nordeste em cima do milho e do feijão já está defasada e não segura a família. A maconha seria uma alternativa sim, porque o clima do Nordeste é ideal para o cultivo da cannabis sativa. A luminosidade é boa demais. Na questão de água, bastaria qualquer poço de dez, 20, 30 metros para encontrar o lençol freático. Essa produção iria incentivar a agricultura familiar no Nordeste. O local deixaria de ter somente culturas convencionais de milho e feijão e teria uma cultura alternativa com muitas possibilidades de negócio.
BN – Mas a questão do tráfico perpassa pela maconha não se restringe à maconha. Você é a favor da liberação de outras drogas, como a cocaína?
P – Eu acho que o país não está nem preparado para debater a questão da legalidade da maconha porque o preconceito em cima dela já é demais. Satanizaram a maconha, a verdade é essa. As pessoas não discutem isso de forma aberta. Falar hoje da possibilidade de legalização das outras drogas seria colocar uma dosagem muito pesada em um tema que a gente está procurando – com os ativistas Brasil afora, como [os sites] Hempadão, Growroom – abrir a cabeça do pessoal para ver se no futuro a questão da proibição acabe. Porque o direito de usar a droga é do cidadão. Você quer encher a cara de cerveja, de cachaça, é um direito seu. Se você quiser encher a cara na cocaína e na maconha, também é um direito seu. Contanto que você não prejudique a um terceiro. Essa proibição está gerando uma violência institucionalizada porque quem paga o alto custo disso é o trabalhador que sequer fumou um cigarro de maconha da vida. E ele quem sai de casa cedo no Rio de Janeiro para trabalhar e não sabe se volta à tarde. É uma guerra por território entre facções, cada um apresentando um arsenal bélico maior que a outra e a polícia sendo corrompida pela força econômica que o tráfico gera. Claro que não são todos os policiais, mas a gente vê nos noticiários dos grandes centros a toda hora.
BN – O delegado de Medeiros Neto, Kleber Eduardo Gonçalves, chegou a dizer que ia investigar se o você fazia ou não apologia às drogas. Houve algum problema em relação a isso? Você acha que faz apologia?
P – O Dr. Kleber já até declarou que não verificou apologia nenhuma em minha fala. Porque eu não incentivei ninguém a usar. Não falei para ninguém que usar maconha é bom. Apenas assumi que uso. Essa liberdade de expressão minha foi garantida no julgamento do STF [Superior Tribunal Federal] que garantiu a legalidade das marchas [a favor da maconha].
BN – E o que você acha da repressão policial recente às marchas da maconha antes desse julgamento?
P – Era uma questão da interpretação da lei 11.343 de 2006, a Lei de Drogas. E eles entendiam que aquela manifestação seria uma forma de apologia. E então proibiam, o que tirava a livre expressão de ideia de cada cidadão, o direito de manifestação e o direito de revolução, que é de todos. O que aconteceu agora na USP [Universidade de São Paulo] foi um absurdo. Aquilo tudo por conta de três estudantes e um baseado? Quando o Estado não gastou pra colocar todo aparato bélico na USP?
BN – Você acha que a polícia persegue o usuário de maconha?
P – Sim, por causa do preconceito. O policial não aborda de forma correta o usuário de maconha. A lei é clara. O artigo 28 não penaliza quem adquirir ou portar para o uso próprio. Penaliza com uma advertência. Agora para conduzir até a cadeia e deixar detido, ela não prevê isso. Os policiais quando pegam o usuário de maconha na rua, a primeira coisa que fazem é levar para a delegacia e expor. Se o cara não tem dinheiro para resolver o problema na hora cobram até fiança para tirar o cara da delegacia. É um absurdo. A lei não fala de fiança.
BN – Quantos anos você acha que levaria para haver a regulamentação da droga?
P – Acho que tivemos um avanço muito grande agora em 2010 por conta do reconhecimento do direito de marcha, da liberdade de expressão concedida pelo STF, por unanimidade. As pessoas estão de certa forma abrindo isso, diante da minha declaração, da declaração de outras pessoas, de outros e outros por aí. Porque o que tem que acontecer primeiro é você legalize a sua mente. Depois a sua família, depois as pessoas que estão em volta, para quebrar o preconceito, para as pessoas discutirem isso de forma aberta, de forma clara, sem te tarjar de delinquente, de irresponsável, porque você gosta de fumar um baseado. Eu sou pai, eu tenho uma filha de 14 anos, outra de dez, outro de onze. Sou pai de três filhos, dou um duro danado pra poder educar os três. Estudo, sou bacharel em direito, ocupo cargo público em meu município, sou o primeiro secretário da União de Vereadores da Bahia, sou membro permanente da Rede Nordestina de Jovens Vereadores. Fumar baseado me desqualificaria? Então, estou na defesa de que o usuário de maconha não tem que ser taxado como malandro, pessoa à toa ou preguiçoso. Quantos profissionais liberais fazem uso para relaxar e são competentes? Essa hipocrisia é que a gente luta para poder quebrar.
BN – E qual seria seu papel na defesa da regulamentação da maconha, como vereador de uma cidade pequena, no interior da Bahia?
P – Acredito que em uma boa parcela, estou contribuindo. A gente não pode puxar para si toda a responsabilidade do tema. Sou eu aqui na Bahia, outra pessoa no Rio Grande do Sul, outra em São Paulo, outra em Belo Horizonte, que estão querendo debater isso de forma aberta. É o Paulo Teixeira no Congresso, enfrentando todo o conservadorismo do partido, da bancada do PT que ele lidera, o [antropólogo, redutor de danos e ativista] Sergio Vidal aqui na Bahia, que tentam informar à população pelo menos para que ela leia, conheça um pouco antes de querer incriminar e julgar.
BN – E como você defende que seja feita essa regulamentação?
P – Defendo a industrialização da maconha em sua plenitude, seja para fazer remédio, para fazer tecido, para fazer combustível, para gerar qualquer outro tipo de utilidade que a planta poderia ter. Para o uso recreativo, defendo o direito ao usuário de se autosustentar. Se é uma planta que você pode pôr num vaso, cultivar e colher, você não vai ter necessidade de entrar em qualquer biqueira ou morro da cidade para fumar. Seria um prejuízo muito grande ao tráfico e um lucro para o Estado que poderia ser investido na fronteiras, que poderia ser investir na questão de educação, lazer e esporte, porque a gente não combate droga com guerra. Quantos milhões não são gastados para invadir um morro no Rio e, enquanto isso, tem bombeiro na rua fazendo greve contra o Governo do Estado por ter um salário de R$ 900? Isso é uma disparidade e a gente tem que discutir de forma mais aberta. Como será realizado, eu não sei. Mas a gente tem que discutir e buscar alternativa, como está fazendo o ex-presidente Fernando Henrique, botando a cara a tapa e dizendo o seguinte: drogas fazem mal? Fazem. Então vamos buscar reduzir os danos que elas causam. É o que vem sendo debatido em nível nacional. A minha situação é que moro numa cidade do interior e não deixou de ser um impacto para adversários e pessoas, mas a gente pensa de forma diferente e gostaria de ver isso ser discutido forma diferente.
BN – E qual é a posição de seu partido sobre isso?
P – Eu não tenho envolvimento direto com o diretório estadual do partido, mas como eu sou presidente do diretório municipal, não tem problema. Com o diretório estadual, a gente não tem tanta ligação. Mas partido político no interior é assim: você se filia para ter direito à sua candidatura e fica restrito ao grupo político que apoia.
BN – Carlos Massarolo [presidente estadual do PMN] chegou a falar alguma coisa?
P – Não entrou em contato comigo sobre nada.
BN – Depois que você saiu do armário em relação à maconha, mais alguém se inspirou em você e fez o mesmo na região?
P – Não, na minha cidade não tenho notícia. Às vezes alguns que me vêm na rua me olham de forma diferente, outros já falam ‘minha liderança!’ e tal, defendendo nossa causa (risos).
BN – Você já fumou com algum eleitor?
P – Não… de certa forma já , porque eu tenho amigos que fumam e eu fumo com quem eu conheço e sei que fuma. Alguns nem votam em mim, mas são amigos da antiga, então fumo com amigos que eu sei que fumam, na minha casa.
BN – Quais são suas ambições políticas?
P – Minha ambição política é me dispor a ir implantando as minhas ideias para chegar em algum lugar. Não ficar estacionado no mesmo lugar. Mas ela depende de muita coisa, de situação do grupo político. A gente tem um prefeito bem avaliado e a tendência é que ele se candidate à reeleição.
BN – Falando nisso, você é da base aliada ao prefeito Beto Pinto (PHS). Qual a posição dele em relação a isso?
P – Totalmente contra (risos). Já falou que preciso me tratar (mais risos).
BN – E já houve um conflito de vocês sobre isso?
P – Não, a gente tem uma relação muito aberta e respeita muito as ideias do outro. Tem uma frase de Voltaire que gosto muito de cultivar: ‘Eu posso ser contra todas as palavras que disser, mas lutarei até a morte pelo direito de dizê-las’. Então eu e o prefeito temos uma relação mais ou menos por aí.
BN – Você acha que o fato de ter aberto isso à população vai prejudicar você numa reeleição?
Na verdade isso já era aberto, porque já tinha assumido em palanque, em pinga-fogo na rua, em comícios…
BN – Aquela foi a primeira vez no plenário, então?
P – Não, eu já tinha assumido no plenário antes, para me defender de outras acusações. Mas, dessa vez, aconteceu com jornalistas da região que afirmaram que eu estaria cometendo apologia às drogas e queriam manchar a minha imagem. Mandaram a reportagem que para o jornal A Tarde, e foi quando teve esse boom todo, mas a cidade inteira já sabia disso. A minha reeleição não está vinculada a isso, eu posso até não conseguir me reeleger por outros motivos. E eu posso conseguir também e não vai ser por esse motivo.
BN – No final, você considera positiva para a sua imagem a tentativa de te difamarem?
P – Foi bom para lavar minha alma e sair do armário (risos). Porque eu não tenho mais o que preocupar com isso.
BN – Tem uma pergunta que tenho até receio de fazer… Por que Pintão?
P – Pintão de Granja era meu apelido quando pequeno. O de granja foi embora ficou o Pintão. As pessoas acham que tenho ‘Pinto’ no sobrenome, mas não é. Lá o pessoal todo me conhece assim.
BN – Qual é a sua plataforma de trabalho na Câmara?
P – Gosto muito da parte legislativa da Câmara, de encaminhamento de projetos, da lei orgânica.
BN – Tem algum projeto de lei em destaque que você apresentou?
P – Tem uma que o prefeito desde não sancionou a gestão passada, que é a criação do Conselho Municipal da Juventude, para incentivar a prática de esporte nos jovens entre 15 e 30 anos de idade. Para criar esse conselho para discutir políticas públicas voltadas para isso, para tirar a molecada da rua, para distanciar o contato dele com a maconha, com o mundo da droga, com a bebida. Talvez se na minha juventude eu tivesse essa oportunidade de praticar esporte e buscar outras alternativas para soltar a adrenalina, eu não teria fumado um baseado.
BN – Existe tráfico em Medeiros Neto?
P – Existe.
BN – É violento? É perigoso?
P – É violento quando a polícia resolve matar. A polícia lá elimina os traficantes assim.
BN – Onde você compra a droga? Na boca mesmo?
P – Não é difícil conseguir não (risos). É mais fácil conseguir que pirulito na escola. Gostaria de comprar na tabacaria, de forma regulamentada, como eu compro o Carlton [cigarro]. Onde eu compro a seda também. A seda eu compro na tabacaria a maconha fora dela. Não dá para entender essa política.
Fonte: Bahia Notícias