Um tema vai esquentar as discussões no Pleno do STF a partir da próxima segunda-feira (3) quando a Corte retoma as suas atividades, principalmente após a decisão recente – já derrubada pelo Tribunal de Justiça – de um juiz em Brasília de absolver um homem que tentou entrar na Papuda com 51 trouxinhas da droga. Na decisão, o juiz admitiu que a maconha era apenas para uso recreativo dos presos.
Na última sessão de julgamentos do STF no ano passado, durante um julgamento de um habeas corpus, o ministro Luis Roberto Barroso defendeu a realização de um debate público sobre a descriminalização do uso da maconha. E justificou a sua posição:”a minha constatação é que jovens, principalmente negros e pobres, entram nos presídios por possuírem quantidades não tão significativas de maconhas e saem de presídios escolados do crime”.
“Em uma democracia, nenhum tema é tabu. Tudo é passível de discussão à luz do dia, em busca de um ponto de equilíbrio entre as diferentes visões de mundo. Um debate inspirado pela razão pública. Tendo em vista a repercussão, exponho as ideias centrais que nortearam minha manifestação no plenário do Supremo Tribunal Federal”, disse Barroso.
“Semanalmente, as Turmas do STF julgam dezenas de casos envolvendo tráfico de drogas. Boa parte desses casos tem por pano de fundo jovens com os quais foi apreendida pequena quantidade de maconha, mas ainda superior à que poderia ser caracterizada como consumo próprio. As penas previstas na legislação de drogas vão de 5 a 15 anos de reclusão. Com frequência, em regime inicial fechado. Hoje, o Plenário discutia critérios para a aplicação das penas previstas na Lei de Drogas, em determinadas situações particulares. Ao aderir à corrente que defendia uma posição menos dura, fiz algumas reflexões sobre o tema”, acrescentou.
“Na teoria do direito, chamamos isso de pré-compreensão: o julgador explicita o seu ponto de observação, a sua filosofia a respeito de algum tema, e expõe a razão pela qual está interpretando um texto de lei em determinado sentido, dentre as opções que ele permite. Especificamente em relação à maconha, expus o seguinte ponto de vista.
1. Independentemente de se aprofundar a discussão acerca dos malefícios que a maconha possa causar, o fato é que ela é uma droga que não torna as pessoas antissociais, isto é, não as torna perigosas em relação a terceiros.
2. Não obstante isso, por força de uma legislação rígida na matéria, os presídios brasileiros estão cheios de jovens pobres, condenados por tráfico de maconha. Eles não são os grandes traficantes, mas pequenos intermediários, que portam e vendem a droga para financiar o consumo próprio e para se sustentarem. Esses jovens, de baixa periculosidade, entram no sistema penitenciário e passam a cursar a escola do crime. De lá, saem criminosos perigosos, integrando organizações e cheios de novas conexões.
3. Há algo de errado nesse sistema. Falei, portanto, o que me parece óbvio: a importância de um amplo debate público sobre o tema, inclusive sobre os eventuais benefícios e prejuízos da descriminalização da maconha. Este é um debate interdisciplinar, que deve abrir espaço para especialistas e para a percepção social. Experiências como a do Uruguai e de outros lugares do mundo podem agregar informações, mas o caso brasileiro é peculiar.
4. O foco maior da minha preocupação, nesse debate, é o dano social que a atual política de criminalização tem provocado, tanto pelo encarceramento de jovens não perigosos como por um outro subproduto da criminalização: ela fomenta um submundo onde vicejam os barões e baronetes do tráfico.
5. No Rio de Janeiro, comunidades inteiras são oprimidas pelo poder do tráfico, com suas leis e sua justiça. Mais que isso, o volume de dinheiro que circula dá a esses líderes do crime poder político e econômico. E, pior que tudo, o dinheiro fácil do tráfico atrai contingentes enormes de jovens, com ganhos muito superiores aos que obteriam em qualquer emprego no mercado de trabalho. O poder do tráfico impede os pais de família, pessoas trabalhadoras e decentes, de criarem seus filhos longe da sedução do crime e dos criminosos.
6. A eventual descriminalização, regulamentação e venda em estabelecimentos licenciados pode ser uma fórmula para diminuir esse poder paralelo. Essa a principal finalidade do debate que procurei levantar. Concretamente, tudo o que o STF fez, com o meu voto, foi decidir uma questão técnica que impedia que a natureza e a quantidade da droga fossem valorados duas vezes na fixação da pena por tráfico.
7. Note-se que, em relação ao cigarro convencional, cuja comercialização é lícita, o consumo vem caindo há muitos anos. O esclarecimento ao público e, eventualmente, a contrapropaganda produzem resultados mais eficazes do que a criminalização.
8. O debate sobre a descriminalização de drogas leves é de grande relevância e gravidade, estando em curso em inúmeros países. Não dá para olhar para o outro lado, como se algo errado não estivesse ocorrendo”, concluiu o ministro.