Por Fernando Henrique Öltl
Em 31 de julho, o Ministério Público Federal (MPF) ingressou com uma Ação Civil Pública com pedido de liminar contra a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a União, com a intenção de obter a liberação da importação de medicamentos à base de canabidiol (CBD). A ação, que permite o uso da medicação para 16 pacientes paraibanos que sofrem com síndromes convulsivas graves, foi atendida pela Justiça Federal, no dia 18 de agosto, liberando a importação exclusivamente a estes requerentes.
O uso medicinal da maconha se comprova mais a cada dia que passa, com aparentes melhoras nos sintomas de algumas doenças que não respondem, ou respondem minimamente, aos tratamentos a base dos remédios tradicionais. Uns dos casos mais comuns são os de pacientes que possuem crises epiléticas graves. Segundo o MPF, “há uma série de evidências e estudos científicos que deixam assente a propriedade antiepiléptica do canabidiol. Seu uso já é autorizado em vários países como Inglaterra, Nova Zelândia e Canadá e em mais de 20 estados americanos”. Existem, ainda, artigos que informam que o endocanabinoide não é tóxico para as células e seu uso crônico não causaria reações adversas nem alteraria suas funções psicomotoras.
O quadro composto pelos 16 pacientes que obtiveram a liberação é integrado por dois adultos, dois adolescentes e 12 crianças. Entre eles, alguns pacientes sofriam de crises epiléticas que variavam de cinco a 100 por dia. Todos possuíam em comum um quadro de epilepsia refratária a medicações, onde já foram submetidos a diversos tipos de tratamentos e combinações de anticonvulsivantes disponíveis no mercado, porém não apresentaram resultados satisfatórios. As altas dosagens as quais estes pacientes eram submetidos provocam graves efeitos colaterais, como perda de visão, depressão do sistema imunológico, comprometimento das funções hepáticas e renais, fraqueza muscular, inflamação das mucosas, entre outros.
Na Ação Civil Pública, o procurador-regional dos Direitos do Cidadão na Paraíba, José Godoy Bezerra de Souza, informou que “a luta do MPF é para garantir uma qualidade de vida digna aos jovens e crianças acometidos pelas enfermidades neurológicas convulsionantes”, sendo que nestes casos apenas a substância CBD demonstra ser tratamento viável e com resultados satisfatórios que não agridem o paciente em tratamento. Isso possibilita uma qualidade de vida muito maior, mas especifica a liberação exclusiva para estes pacientes que comprovaram em juízo as condições de saúde que possuem e a falta de resposta a tratamentos convencionais. Porém, desde a decisão, o número de pedidos de importação de medicamentos deste porte cresceu semanalmente, obrigando a Anvisa a criar mecanismos para que as pessoas possam ter acesso aos medicamentos sem a necessidade de demandas judiciais, agilizando o processo de importação.
Até o dia 5 de setembro, foram registrados 74 pedidos de importação de produtos à base de CBD na agência – por meio do pedido excepcional de importação para uso pessoal –, além de 13 demandas judiciais. Do total, 58 foram deferidos, sete permanecem em análise e outros sete aguardam o cumprimento de exigência pelos interessados. Ocorreram ainda dois arquivamentos de processos: um por interesse da família e um caso de falecimento de paciente logo após a entrada do pedido na agência. Das 13 ações judiciais da qual a Anvisa tomou conhecimento, a informação é de que 10 foram deferidas.
A vez do THC
No dia 22 de agosto, o juiz federal Valmir Nunes Conrado (substituto da 13ª Vara Federal de Minas Gerais) expediu decisão deferindo pedido de tutela antecipada à mineira Juliana Paolinelli Novaes, que havia entrado com ação contra a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A ação foi proposta pelo Consultor Jurídico do Growroom, advogado Emílio Figueiredo, que contou com o apoio da também advogada Veneranda Gabriela Rodrigues Vicentini.
Em juízo, comprovaram vastamente, através de relatórios médicos e estudos científicos, que a mineira apresenta dores crônicas na região lombar desde 1997, onde já chegou inclusive a fazer tratamento durante quatro anos com uma bomba implantada com morfina, retirando posteriormente devido à má resposta ao tratamento e aos fortes efeitos colaterais da droga.
A decisão versa que Juliana “diante da ausência de alternativa de submeter-se a tratamentos diversos, teria acessado estudos científicos acerca da utilização da cannabis sativa no controle dos sintomas de que padece, passando, então, a fazer uso do referido vegetal in natura. Em consonância com o demonstrado nas pesquisas acessadas, teria colhido sensível redução das dores e espasmos, com notório incremento de sua qualidade de vida. Em consequência dos resultados alcançados, bem ainda da impossibilidade de prescrição da utilização in natura, o médico que a acompanha concluiu pela aptidão e premente necessidade do tratamento, prescrevendo a utilização do medicamento – Sativex® – , cuja autorização de importação constitui objeto da presente demanda”.
O Sativex é um medicamento produzido a partir do extrato de THC e CBD. O analgésico canadense em formato de Spray (como os a base de mel e própolis para garganta), é recomendado, dentre outros casos, para pacientes com escleroses múltiplas e dores crônicas, e necessita de uma autorização específica para importação. Assim como os pacientes paraibanos, Juliana também obteve um laudo médico específico constando em relatório que obteve boa resposta clínica ao uso de Cannabis Sativa in natura, agindo diretamente no alívio de dores e de espasmos. Ressalta ainda que foram tentadas todas as medicações existentes disponíveis no país, porém nenhuma foi capaz de controlar o quadro clínico. Restou-se, portanto, que não existia outra alternativa para tratamento da doença de que padece Juliana.
Ambos os casos comprovam que o Direito e suas leis não são matérias absolutas. Os pacientes conseguiram comprovar juridicamente por seus advogados a necessidade que possuíam dos medicamentos e os danos que gerariam caso ficassem sem eles. Dessa forma, não restou qualquer alternativa aos magistrados que não fosse a de deferir o pedido de tais pacientes, pois os direitos fundamentais à saúde, à dignidade da pessoa humana e à vida não podem ser superados por nenhuma legislação.
Como pedir a autorização especial?
O Growroom está desenvolvendo no momento um manual de orientação para obtenção de licenças para importação do canabidiol, que orienta também como recorrer às vias judiciais caso necessário. Em breve, publicaremos o material em nossa página. Enquanto isso, fiquem de olho nas questões jurídicas relativas à canábis no site direitodacannabis.growroom.net.