Debate sobre os prejuízos da guerra às drogas no sistema carcerário contou com três parceiros do Growroom, que falaram sobre a importância de pautar o cultivo como alternativa ao tráfico de drogas no debate sobre a maconha medicinal
Na manhã desta segunda-feira (22), a Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado Federal promoveu mais uma audiência pública para debater temas relativos à Sugestão Nº8 de 2014 – a #SUG8 -, proposta de participação popular elaborada pelo analista da FioCruz André Kiepper e encaminhada à Casa através do portal e-Cidadania, com mais de 20 mil assinaturas. A mesa foi conduzida pelo relator, senador Cristovam Buarque (PDT), e composta por magistrados favoráveis e contrários à legalização. Falaram também os inscritos – entre eles três parceiros do Growroom -, que argumentaram sobre os impactos da guerra às drogas ao sistema carcerário.
O juiz Carlos Maroja defendeu que usuários não devem ser considerados criminosos. “O sistema penitenciário infelizmente não ajuda a educar as pessoas, e o problema grande aqui é a educação”, disse, completando que quatro varas de entorpecentes no Distrito Federal somam 10 mil processos envolvendo pequenos traficantes. Para o magistrado Roberto Luiz Corcioli Filho, a política proibicionista já mostrou sua ineficácia mortal. “Eu não vou dizer que a regulamentação é a solução, muito menos como seria essa regulamentação, que é extremamente complexa, mas o proibicionismo fracassou em relação ao álcool, nos Estados Unidos, e está fracassando em relação à droga no mundo inteiro”, ponderou.
Dentre os juízes proibicionistas, destacou-se o procurador da República, Guilherme Schelb, que fez uma relação generalista entre o estupro e o consumo de drogas, sem apresentar exemplos de entorpecentes específicos e insinuando que a maconha é uma droga que leva o usuário a cometer crimes sexuais – quando sabe-se que o comportamento violento é bem mais típico do efeito de outras substâncias, como o próprio álcool, tão citado durante o debate, cujo comércio é legal.
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Depois foi a vez da lista de inscritos, superlotada por representantes de uma caravana evangélica de Santa Catarina que tentava tumultuar a audiência. Dentre fanáticos religiosos, políticos oportunistas e apresentadores de programas policiais, sobressaíram-se relatos e argumentos que pautaram de vez o cultivo caseiro no debate sobre a maconha medicinal. O assunto começou com a tocante fala de Zilpa de Sousa, mãe do cultivador brasiliense José Gabriel de Sousa Gonzalez, o Sativa Lover, que passou três anos preso por plantar maconha. Logo após ouvir o caso da mãe de uma dependente de crack que era contra a legalização, ela contou as agruras de ver um filho usuário, que só tentava se desvencilhar do tráfico de drogas, encarcerado injustamente como traficante. Dona Zilpa se emocionou ao lembrar das visitas ao filho na Penitenciária da Papuda e defendeu que as drogas não devem ser tratadas como problema de cadeia.
O advogado Emílio Figueiredo, consultor jurídico do Growroom, lembrou que a proibição não protegeu os vulneráveis e só fez criar novas complicações para as pessoas que não têm problemas com a maconha. Ele defendeu que a questão medicinal deve ser tratada “num sentido amplo, uma vez que a maconha propicia um bem-estar geral, biopsicossocial”. “Muito se fala que o Brasil não está pronto para a legalização; o Brasil não está pronto é para a proibição. Que continua exterminando jovens negros de periferia, superlotando presídios e transformando hospitais brasileiros em referência de tratamento de ferimentos de guerra”, pontuou.
Parceiro do Growroom e fundador da Marcha da Maconha, o ativista e jornalista Matias Maxx também deu suas palavras, sempre bem-humoradas, em favor do cultivo caseiro – que ele lembrou já ser contemplado pela Lei 11343/2006. O primeiro parágrafo do Artigo 28 diz que quem “semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância” para consumo pessoal não é passível de pena de privação da liberdade. “Todos tinham que cultivar. Plantar é como criar um peixinho, um cachorrinho, com a diferença de que você não fuma o peixinho nem o cachorrinho no final”, brincou, lembrando da seriedade do problema que afeta somente a vida de usuários e pequenos traficantes, vítimas da proibição.
Finalizando a audiência, falou o advogado Ricardo Nemer, também consultor jurídico do Growroom. Contundente, ele começou fazendo uma representação contra os políticos que tentavam transformar a audiência em palaque eleitoral e também foram repreendidos pelo senador Cristovam Buarque. “Um senador disse que o uso recreacional não devia ser debatido e que só deveriam legalizar o CBD de ampola, que seria distribuído pelo SUS. Lembrei a ele que lá da cidade de onde venho, no Rio de Janeiro, o Estado mal consegue comprar coisas básicas, baratas, como insulina. Queria saber como vão dar CBD para todo mundo que precisa, de graça, como ele falou”, questiona.
Um deputado levou bronca de Nemer após interromper a fala e tentar caçar sua palavra. Ele recebeu um solene “o senhor cale a boca”, enquanto o senador Cristovam, sempre sensato, acalmava os ânimos. Outro ponto alto da fala do advogado foi sobre a errônea dissociação entre maconha e canabidiol (CBD), que vem marcando os últimos debates sobre o assunto e que só atende aos interesses das farmacêuticas e de oportunistas de plantão. “Estão fazendo uma divisão errada entre ampolas, seringas, canabinoides e substâncias, quando na verdade estamos falando da planta”, concluiu.
O debate na CDH será reprisado na noite desta segunda, às 21h30, na TV Senado. A próxima audiência pública para discutir o assunto no Senado está marcada para o dia 13 de outubro e deve contar, novamente, com a presença maciça de cultivadores e de representantes do movimento antiproibicionista.