Flores diversas, piras lisérgicas, bebedeiras, novas amizades e conexões canábicas. Confira a crônica que mostra semelhanças e diferenças entre o ativismo brasileiro e argentino, sob um ponto de vista pra lá de chapado!
Por Rafael Morato Zanatto* | Arte: J.R. Bazilista
Yerba mate gelada na goela, flores e Little Walter aguçando a mente para lembrar da trip. Tudo começou quando joguei meu corpo numa caixa de ferro voadora, com destino ao Rio. Festival A Maconha em Filmes e Debates. Coletivo João do Rio toma de assalto o Centro Cultural da Justiça Federal para disseminar a cultura canábica.
Filmes, debatedores, malucos e desvairados completavam a plateia. Ponho os pés na calçada da Avenida Rio Branco e já avisto de longe algumas das figuras mais clássicas do movimento canábico carioca. Growroom na parada. No debate da noite, William Lantelme e Rogério Rocco lançaram a letra esperada: cannabis como remédio, movimento social, negócio, indústria nacional e história. A plateia devolveu-lhes uma enxurrada de perguntas que se desdobraram no boteco das proximidades. Os vapores da ganja empesteavam o ambiente, somando-se ao bom humor e à alegria de um personagem da política local. Entre tragadas e gargalhadas, Fatty Fred apareceu, e o que já estava demais ganhou intensidade ao chegarmos numa cachaçaria da Lapa.
A onda veio chegando, e pouco a pouco a trupe derretia em meio à multidão que tomava a direção do Circo Voador. Fila rápida, revista, de pronto caímos num canto iluminado e tudo finalmente derreteu. O som rebatia meu corpo pra longe, de modo que foi impossível se aproximar e curtir o som da Cone Crew Diretoria. Foi quando reapareceu o político canábico, na mesma sintonia. Tudo continuou distorcendo, e quando a onda começou a baixar, deram-me outra dose, acelerando tudo novamente. Daí pra frente, só gargalhadas e política canábica. A noite acabou depois que flores douradas aparecerem nas mãos de um jardineiro urbano. A brisa bateu forte e meu maxilar travou. Algumas cervejas depois, atravessarmos a ponte Rio Niterói a bordo de um veloz carro prateado. Olhei pela janela e pude ver a baia engolir os prédios que escorriam pela enseada. Chegando em casa, um latão e um prensado finalizaram o rolê. Caí na cama para apenas levantar e tomar a balsa rumo ao penúltimo dia do evento: palestra do professor João Menezes, camisa dez da seleção de cientistas brasileiros.
Em brilhante apresentação, o cientista equiparou a iniciação de usuários de maconha a uma experiência religiosa. Diante desta experiência, “a pessoa que a viveu não pode imediatamente descrever o que sentiu: apenas sente. Para exteriorizar a experiência, na forma de palavras, exige experiência”. O consumo de cannabis provoca no usuário, segundo o especialista, outro modo de se relacionar com o tempo. O que se passa é a redução do ritmo de vida, tão dinamizado na sociedade moderna. Essa outra experiência com o tempo permite ao embriagado compreender as representações como um mosaico, formando através da divagação a composição de um conjunto de peças a partir do exame de suas conexões. O que, em sua totalidade, compõe outra forma de apreender a realidade, nos aproximando de estados naturais anteriores à sociedade industrial. “Nosso corpo está repleto de endocanabinóides, e a maconha pode ser a chave para que possamos compreender nossa própria evolução enquanto espécie”.
Diante deste fragmento pensei em Walter Benjamim e suas experiências com haxixe, ferramenta que o acompanhava em expedições entre ruas tomadas de gente, pórticos, passagens e feiras, verdadeiras constelações, passíveis de distinções espaciais e temporais. Conversa que se prolongou no boteco. Flores e mais flores, cachaça e cerveja na Lapa completaram a noite que findou ao amanhecer, após um ônibus devolver a Niterói os destroços da noite carioca. Às 16 da tarde tomei a balsa e voltei ao Rio, abastecido por uma bomba que me revitalizou.
Falar sobre os reaças proibicionistas me abasteceu de ânimo, e a acolhida da plateia estimulou-me a elaborar um panorama sobre a história da maconha no cinema, interligando a ideologia que atravessava as produções: médicos temerosos com a “disseminação” da homossexualidade e a cultura negra que, na equação deles, significava a degeneração de uma sociedade de branquelos, consumidores de cigarrilhas Grimault e flores de maconha importadas da França. O médico que deu uma entrevista para o Estadão, revelando que trata alguns de seus pacientes com óleo de maconha, estava presente, e não pude deixar de falar sobre a perseguição à fitoterapia, empreendida pelos doutores do século passado. Pensava que o exemplo do doutor poderia servir de estímulo para outros profissionais da saúde.
A conversa acabou no bar, desta vez com flores ofertadas por um cabra gente fina, cultivador de espécies angolanas que, em meio à degustação, me contou a história do La Mano Negra, cultivador especialista de strains africanas. Vapores dourados, boa conversa e amizades travadas me acompanharam na viagem de volta a São Paulo.
Por dentro da brisa hermana
Três dias de descanso e, novamente, caixa de ferro voadora na mesma disposição, mas com outros atores. Destino: Buenos Aires. Durante o voo, na altitude, um litro de White Horse e pânico geral com o delírio de um passageiro anônimo. Empanadas, vinhos e Quilmes alimentaram a mente, um dia de descanso em San Telmo, fumo prensado e caminhada pelas ruas até chegar num bar de rock. As coisas começaram a se normalizar e, no dia seguinte, a trupe seguiu para La Boca, animada com o Caminito, lugar de casas de lata coloridas que abrigavam os melhores tangos da margem. Passando por um restaurante ao lado da linha de bondes desativada o Mozo ofereceu-nos a Parillada completa, que declinamos, mas então a proposta ganhou outro sabor ao nos oferecer flores e prensado a poucos metros de um policial prostrado em posição marcial.
O elevado preço e a conduta suspeita nos impediram de prosseguir com a negociata, e partimos velozes em direção a um restaurante nas proximidades do La Bombonera. Reencontramos um restaurante que já havíamos explorado dois anos antes, após o funeral do presidente Nestor Kirchner, expedição embalada a coca e Avatar. O restaurante conservava ainda a mesma decoração, com bandeiras e cartazes de jogadores do Boca Juniors, títulos passados e, é claro, um cartaz que escarnecia a seleção brasileira trazendo Neymar Jr. em lágrimas. Após o almoço, o Mozo, trajando camiseta do Pink Floyd, nos contou que era da Republica Popular de La Boca.
Finalmente, após a primeira colherada, relaxei completamente e fui capaz de aliviar a tensão que me tomou desde a chegada conturbada. Quilmes geladas nos hidratavam e, ao cair da noite, após um banho rápido, nos dirigimos ao Kilkenny Irish Pub, terminando a noite ao som de hard rock. Chegando em casa, antes de capotar, abri o Facebook e vi que um convite desdobrado de recente amizade travada no Rio me levaria, no dia seguinte, à Copa Del Plata, configurando uma experiência nova e revigorante.
Local secreto, ponto de encontro. Encontrei mais maconheiros que chegavam em bandos, como uma nuvem de gafanhotos a tomar a esquina da Av. Rivadavia com a Gascón. Atravessamos uma pequena ponte e entramos em um galpão, onde permanecemos até que a saída fosse liberada ao final do evento. Eu e Artur entramos pelos corredores de tijolinho que canalizavam os aromas de ganja exalados do espaço à frente. Estandes de vendas repletos de produtos canábicos, vaporizadores, dreadloks e reggae por todos os lados. Os vapores subiam das engenhocas e a multidão aspirava como nunca o oxigênio aromatizado. A larica se disseminava e a galera avançava sobre as comidas disponíveis. Tortas, empanadas, pizzas e super panchos eram devorados um atrás do outro. Após matar a larica, nos dirigimos ao recinto seguinte, tomado por mesas repletas de competidores e seus amigos.
A densidade da fumaça neblinava a visão e nos deparamos com mais alguns estandes de cultivadores. Passamos por uma mesa e pude observar alguns panfletos da ACALP, o que me motivou a se aproximar e iniciar a conversa com os associados da Asociación de Cultivadores de La Plata, que fraternalmente começaram a compartilhar as amostras mais esperadas do dia. De uma caixa cheia, os competidores analisavam as flores, classificando-as em cinco categorias: apresentação da amostra, sabor, textura, cheiro e mambo (chapação). Logo na primeira tragada, senti que a coisa era séria. Meus pulmões dilataram e a fumaceira alimentou a conversa.
Perguntei sobre a origem da palavra mambo, e me explicaram que a gíria era proveniente dos anos 1940, usada em Buenos Aires como aumentativo de felicidade. Época do mambo, dança caribenha de grande prestígio naqueles tempos. Classificadas de 0 a 10, logo consegui distinguir alguns aspectos das amostras, e lembrei-me da conversa que tive no Rio com o cultivador das Angolas douradas sobre a eficácia dos critérios aplicados pelo júri: “Não é justo, mas é legitimo”.
De pronto, o organizador do evento, trajado com a camiseta do Capitão Presença, dissertou sobre a conjuntura da Argentina, de modo que a identificação foi inevitável: necessidade de projeto de lei para reformar o código penal, regulação do mercado e a clara noção de que o cultivo para consumo próprio na esfera privada seria insuficiente para combater a violência gerada pela proibição. Além da informação de que o número de usuários, comerciantes e cultivadores de maconha configuram como mais da metade da população carcerária da Argentina, imputando elevados custos com segurança pública.
Depois dos argentinos, foi a vez dos uruguaios falarem sobre a experiência em seu país, o que ajudou a evidenciar alguns limites da experiência uruguaia. Por supuesto que descreveram as transformações que estão ocorrendo em seu país, como o surgimento de associações de cultivo e a redução do número de prisões, que em conjunto representaram um avanço significativo, proporcionado a partir da criação do Instituto de Regulação e Controle. O fim da punição penal a cultivadores associados colaborou com a redução das prisões, apontando que a substituição do mercado negro pelos cultivos caseiros é uma estratégia eficaz para a redução dos custos da legalização da maconha. E ainda declaravam que a apreensão de cultivos ilegais de maconha havia aumentado significativamente.
A articulação política deste conjunto foi descrita como caótica, mas surpreendentemente funcional – dado que não espanta nenhum ativista brasileiro, habituado a se organizar e se informar pelas redes sociais. Como resultado direto estão, agora, sabendo que os usuários que adquirem a maconha nos clubes consomem mensalmente em média 25 gramas da planta, o que representa uma redução significativa do consumo, em uma palavra: flores!
Mas, em suma, há muito que fazer. Em outra fala, os clubes uruguaios foram descritos como um elefante branco, ineficaz diante das limitações impostas pela lei, como o baixo número de associados (15 a 45), concatenado a um teto de 99 plantas. Essas limitações estariam impedindo a manutenção de uma reserva genética e levando ao atravancamento do desenvolvimento da indústria nacional e do comércio. Na evidência das eleições presidenciais, os uruguaios mantiveram-se temerosos com a possibilidade de que a Lei da Maconha possa ser um dos aspectos a ser renegociado no processo eleitoral: “podemos dar um passo atrás”.
O mambo batia forte, e tinha a impressão de que o ar venenoso corroía minha cabeça até estourar. As falas se misturavam, e o castelhano límpido tornou-se incompreensível (se bem que não conseguia pensar nem em português). Vale sempre nessas horas o parceiro da viagem, que acaba sempre complementando a história com extratos de sua memória.
Um filme desbaratinou a cena e dissipou a neblina. Faenas Agriculas del Campo Chilenos (1940), de Arturo Domingues Barros, retratou as plantações de maconha do país. O filme foi comentado por Mike, um maluco fanático pela cultura canábica e verdadeiro cinéfilo, que nos falou sobre as sementes que chegaram ao Chile, trazidas por imigrantes italianos que usavam a maconha como remédio e matéria prima de cordames.
Lembrei-me de Elisabete Remini, autora do livro O Barato da História. Neta de um cultivador de cânhamo da cidade de Masserá – o nome da cidade deriva de macerar (processo que extrai a fibra de cânhamo) – que, após a Segunda Guerra, lamentava a proibição de sua cultura com a expansão do modo de vida estadunidense: “Esses dos chicletes, só porque ganharam a guerra, querem me fazer acreditar que cultivei um veneno minha vida toda”. Mike disse também ser muito comum ainda encontrar no Chile alguns idosos que se recordam dos cultivos de cânhamo, posteriormente extintos com o avanço histórico e a globalização do proibicionismo. “Temos que recuperar nossa história”, finalizou.
Num telão que não cansava de mostrar as amostras competidoras, lembro-me da Super Lemon Haze, Carmen, Cinderellas Dog, California Hash, Amnésia Haze, entre outras. Foi nesse momento que conversei com um cultivador de cannabis sobre um projeto no mínimo interessante. Foi com paciência e didatismo que ele narrou seu cultivo: uma horta de 30 metros quadrados repletos de flores. Diante da impossibilidade de importar o CBD e o THC, estão eles mesmos produzindo o óleo medicinal e o distribuindo a partir de uma rede de médicos disposta em Buenos Aires e outros estados. Estavam formando um banco de sementes e se preparando para ampliar o alcance da iniciativa. Fomos interrompidos pelo anúncio do vencedor e das menções honrosas, nas categorias interior e exterior.
Entre as 70 amostras, a premiada foi a Starbud Sour Power, de Alberto Huergo, autor do livro Sativa, Cultivo Interior e editor da revista Haze. Huergo esbanjou carisma que contagiou a plateia. Sua emoção era tamanha que não pode conter seus sentimentos e com água nos olhos disse: “(…) estou me sentindo uma criança. Competi outras vezes e sempre me faltou alguma coisa. Essa foi minha vez.” Findada a copa, travamos o contato com a Asociación Cannabica La Plata, que nos convidou para conhecer suas instalações e o Centro Cultural Lumpen. Após nos despedirmos dos novos amigos, mandamos aquela massa para finalizar o dia e matar a larica.
Dias depois, findadas as responsabilidades, nos jogamos para La Plata. No metrô, um velho cego clamava por ajuda, com um amplificador de voz fixado no peito, o que me fez pensar sobre a economia da Argentina. Tomamos um ônibus no Terminal Retiro, em direção a La Plata. No caminho, pude observar pela janela grandes extensões de água com as placas de “proibido pescar”. Logo, lagos privados contrastaram-se com a imagem incômoda de crianças, munidas de redes improvisadas, que pescavam em um pequeno e fétido córrego alimentado pelas sobras hídricas das grandes propriedades. Avistei as tão famosas planícies alagadas, que se mesclavam em casas de lata e de madeira reaproveitada. Algumas crianças jogando bola no campo de terra batida me fizeram lembrar de casa, reflexão interrompida com a chegada a La Plata, cidade que viu ser ceifada boa parte de sua juventude durante a ditadura militar na Argentina.
Depois de uma longa caminhada, finalmente encontramos a Casa Lumpen, que já mantinha seu programa de rádio no ar. Antes, visitamos o Growshop de El Chino, o Yuyos, que nos recebeu com uma trava de Crater Lake, mambazo nota 10. Intrigado com o nome de seu empreendimento, Chino nos esclareceu que Yuyos é uma planta medicinal que cresce na região da tríplice fronteira, uma erva de propriedades medicinais que a própria terra oferece em abundância, autóctone cujo nome derivado do quíchua (língua indígena sul-americana) significa erva.
Com a cabeça feita, descemos a escada e uma mensagem logo chamou a atenção: me cago en las prohibiciones. A escala de serviços do centro cultural fixada na parede evidenciava a distribuição democrática dos trabalhos, e uma bandeira do Sendero Luminoso autografada por Abimael Guzmán, líder do movimento, se destacava atrás das mesas. Gúsman foi capturado uma década depois do levante armado, nos idos de 1980, e atualmente cumpre prisão perpétua. A bandeira da Palestina completava a decoração do espaço, onde ouvíamos a transmissão do programa de Bruno Hulk. A notícia que imperava era a de que Estela Carloto, presidente das Madres de Mayo, havia finalmente encontrado seu neto, filho de uma montonera (guerrilha de esquerda) assassinada pelo governo militar, logo após seu nascimento na prisão. Ele cresceu em uma família adotiva, sem saber a verdade sobre sua história e, após 35 anos, o neto desta senhora e sua organização que encontrou 114 crianças, de uma estimativa de 500 desaparecidas.
Enquanto isso, conversávamos com Ruso Platz, que nos forneceu informações precisas sobre o espaço. Perguntei como haviam conseguido construir aquele local. Ali havia sido um Jardim da Infância da Aliança Francesa de La Plata. “O prédio estava em ruínas. Firmamos um contrato com os proprietários, revitalizamos todo o local e após um ano eles tentaram nos remover. Estamos brigando na Justiça há três anos para manter a Casa Lumpen aberta”. A organização do espaço é composta por 15 pessoas que atuam diretamente na idealização e na prática de estratégias culturais, sendo que, para fins legais, a casa possui cinco funções administrativas que caracterizam a organização interna de uma ONG. Conseguiram com o governo de Cristina Kirchner apoio financeiro e há pouco haviam ganhado um edital de 200 mil pesos, o equivalente a 50 mil reais, para adquirirem equipamento audiovisual e organizarem cursos de capacitação para cinegrafistas e produtores. “A guerra hoje é cultural. Esperamos que esta produtora comunitária floresça e frutifique”. Platz mantém a esperança de que as políticas públicas avancem. “Los Gorilas no pasaran”, esses conservadores arrombados.
A festa aquecia ao som de bandas como os Callejeros e Pajaritos, Bravos Muchachitos. Sobre a ACALP, Platz contou um pouco da associação canábica que existe há cinco anos. “No início, estávamos apenas interessados no cultivo, mas com a entrada de Juan, começamos a nos politizar, idealizando políticas para além do partidarismo, como a organização da Marcha Mundial da Maconha. Pouco a pouco tomamos consciência de que a sociedade pode exercer pressão sobre o Congresso, encaminhando pautas que sejam de seu interesse”. Uma ideia que começou com Chino e Platz, e depois Juan e outros associados, ganhou corpo e foi direcionada principalmente ao combate à hipocrisia e à desinformação. As palavras molhadas pelo consumo de Cabra 52, uma cerveja produzida pela Asociación de Cervejeros Artesanales Platenses, desenrolaram o papo, que chegou a um ponto nevrálgico do movimento canábico argentino.
Para Platz, “o idealismo de alguns e os interesses voltados ao desenvolvimento para a indústria nacional e a regulação do mercado” explicam o embate. Entendi o que disse, pois na fala que antecedeu a premiação da Copa, o mestre de cerimônias proferiu um discurso fervorosamente contrário à comercialização de sementes: “Sementes não se vendem, se presenteiam”, e distribuiu algumas cartelas de sementes El Niño feminizadas. Suas palavras caíram por terra ao observar que um dos organizadores do evento dizia aquilo logo ao lado de um stand de vendas de sementes, que eles mesmos haviam alugado. A marofa desta declaração contraditória se misturou aos vapores da ganja.
Fomos chamados rapidamente para participar do programa de rádio, e o clima de me cago en la censura imperou durante a entrevista. Estavam interessados na organização do ativismo canábico brasileiro, e pude perceber que possuímos mais pontos em comum do que imaginamos. Flores e mais flores, cultivadores reunidos e troca de informação. Após despedida calorosa, partimos com Hulk, que nos deixou na rodoviária, não sem antes nos despedirmos de Juan e Francisco. As cores palestinas ficaram para trás e, no caminho de volta, Artur silenciou por alguns momentos, o que bastou para que me convencesse a tomar meio White Rabbit na viagem de volta.
O ônibus deslizou veloz pelos 60 quilômetros que nos separavam de Buenos Aires. Ao descermos atrás da Casa Rosada, a sede do governo, o ácido já batia forte, e na onda, desci para o metrô. Bilheteriafechada. Pensei: “fodeu”, ideia que logo se dissipou, no momento em que o segurança da estação nos mandou pular a catraca. Não pensei duas vezes e me atirei, ainda atordoado com o fato. Atentei-me para os ruídos subterrâneos da capital, que pouco a pouco deram lugar a pensamentos que encerravam a expedição. Só pensava em entornar mais algumas Quilmes antes de arrumar as malas e voltar para casa, trazendo na bagagem amizade, informação e mostras da fraternidade sul-americana.
* É doutorando e mestre em História e Sociedade pela UNESP. Edita a revista digital www.cannabica.com.br