Coordenador de entidade pró-legalização europeia fala sobre os Clubes Sociais Canábicos e explica os princípios básicos da iniciativa que prioriza a saúde e a segurança de usuários e cultivadores
Por Joep Oomen* | Tradução: Patrícia Rosa
Os Clubes Sociais Canábicos (CSCs) atualmente estão surgindo em vários países europeus, inspirados por modelos desenvolvidos por ativistas nas regiões da Catalunha e do País Basco (norte da Espanha e no extremo sudoeste da França), em meados dos anos 90. Além de ser um recurso efetivo para as necessidades do usuário de cannabis, os CSCs estão se tornado um método simples e eficaz para convencer a opinião pública, bem como as autoridades, de que é possível pôr em prática um sistema simples, transparente e facilmente regulável para a produção e distribuição da maconha.
A abertura dos CSCs foi motivada pelo fracasso da política proibicionista, que gerou um mercado ilegal, fundamentado em objetivos econômicos, e um forte aparato repressivo sustentado por motivações morais. Ou seja; uma política que ignora os interesses e necessidades dos usuários e cultivadores. Se quisermos substituir esta política por uma que seja orientada para a proteção da saúde e da segurança de usuários e cultivadores teremos de construir uma alternativa como a descrita baixo, com atitude e disposição. Somente assim poderemos evitar que outros se aproveitem da planta, quando ela sair da ilegalidade, para estabelecer outro tipo de monopólio: o comercial.
Temos visto na Espanha, desde 2006 – quando o Pannagh, um dos mais antigos clubes sociais do país, foi absolvido em Bilbao –, vários clubes surgindo e atraindo pessoas e interesses que não estão sob a mesma perspectiva dos usuários. De certa maneira, as autoridades decidiram intervir e, até agora, parece que o parlamento regional da Catalunha e do País Basco já apresentou uma proposta de lei definitiva para regulamentação dos Clubes Canábicos.
Na Bélgica, o primeiro CSC, denominado TREKT UW PLANT, foi criado em 2006 com base em uma diretriz de 2005, que declara permitida a posse inferior a três gramas ou uma planta fêmea de maconha. No entanto, o TUP (TREKT UW PLANT) teve, ainda, que comparecer ao tribunal duas vezes antes de finalmente ser absolvido, em 2010. Três anos depois, quatro novos clubes foram fundados no país, mas depois de sofrerem a primeira intervenção da polícia três deles foram fechados. O quarto clube, Mambo Club Social, que começou como uma seção regional da TUP, sofreu uma investigação policial em dezembro de 2013, mas, em dezembro de 2014, foi absolvido. O atual governo belga anunciou disposição para estudar os CSCs como um possível modelo para a regulação do consumo de cannabis – mas uma nova proposta de lei não é aguardada para tão breve.
Na Eslovénia, dois clubes operam com o conhecimento das autoridades, mas sem a sua aprovação explícita: um é orientado exclusivamente para o uso de cannabis medicinal e outro está integrado a uma comunidade de posseiros na cidade de Maribor. O mesmo se aplica para o primeiro Cannabis Club Social dos Países Baixos, chamado “The Tree of Life”, em Amsterdã. Fundada em setembro deste ano, a CSC forma um enorme desafio para as autoridades municipais, que agora atuam contra o clube (com cerca de 25 membros), criando uma situação ridícula e sem coerência. Afinal, em Amsterdã, existem centenas de coffeeshops que obtêm a cannabis do mercado ilegal, encorajando o crescimento do crime organizado e tolerando sua existência, e colocando em conflito a conduta do ministro de Segurança e Justiça Ivo Opstelten, que se opõe a qualquer flexibilização da política em relação a cultivo de cannabis.
Além disso, na cidade holandesa de Utrecht e em várias cidades da Suíça e Alemanha (tais como Berna, Berlim e Frankfurt, entre outras), formalmente os governos municipais estão pensando em abrir CSCs. Nestes casos, as autoridades favoreceriam um grupo de usuários em sua cidade para organizar o seu próprio abastecimento, a fim de não recorrer ao mercado ilegal.
Por fim, França, Itália e Reino Unido também estabeleceram Clubes Sociais, mas até agora eles operam clandestinamente, sem estarem oficialmente registrados. Ou simplesmente como grupos de ativistas que no futuro desejam construir um CSC, mas no momento estão apenas por trás de um perfil no Facebook. Na Áustria, é exatamente o oposto: há vários CSCs registrados oficialmente, mas eles não têm permissão ainda para o cultivo da planta.
O que são os Clubes Sociais de Canábicos?
Então, a partir de uma pequena semente plantada no solo por um grupo de pessoas que não se submeteram ao sistema proibicionista, um movimento nasceu. Milhões de pessoas colocaram suas esperanças naqueles que criaram e estabeleceram os clubes, para que um dia eles possam ter a oportunidade de se inscrever e cultivar suas plantas dentro de um quadro jurídico perfeitamente legal.
Mas ainda há confusão sobre o termo dos Clubes Sociais. Esta confusão é causada por dois problemas. Por um lado, o termo está sendo usado por muitas pessoas que não têm ideia do que é realmente o CSC e de como ele deve operar – simplesmente porque, no seu país, o conceito ainda não foi implantado devido à ausência de condições legais ou políticas.
Por outro lado, nos únicos países onde os CSCs podem ser legalmente aplicados (Bélgica e Espanha), há algumas pessoas que usam o termo para encobrir um modelo de negócio. Eles fazem isso apenas por uma questão de relações públicas, porque sabem que o público em geral vai aceitar mais facilmente os Clubes Sociais de cannabis do que a uma empresa comercial.
O CSC não pode ser patenteado – é uma ideia, um conceito teórico. Em cada país, região e talvez até mesmo em cada cidade, ativistas e autoridades terão de encontrar suas próprias soluções e desenvolvimentos. E é importante lembrar que o verdadeiro objetivo dos ativistas não é construir um CSC, mas obter uma legislação que garanta o direito dos usuários de possuir e cultivar cannabis em casa para consumo próprio. Os Clubes Social Canábicos podem ser uma ferramenta para obter destes mesmos a clareza e transparência. Eles precisam identificar-se como um CSC e, portanto, eles precisam aderir a um código de conduta seguindo regras específicas.
Em dezembro de 2011, após meses de discussões entre ativistas de diferentes países europeus, foi criado o Código de Conduta para Clubes Sociais de Cannabis Europeu. Sua finalidade é servir como um guia para aqueles que desejam estabelecer um CSC em seu país, mas também como uma referência para os usuários. Eles devem saber que, como membros de um CSC, têm o direito de reclamar em um órgão competente se o clube não estiver em conformidade com o código.
Nunca podemos esquecer que o conceito de CSC é projetado para proteger e fortalecer os usuários – para dar-lhes a oportunidade de controlar a produção do que consomem, deixando de ser vítimas de manipulação. O regime interno de um CSC facilita que qualquer grupo de membros una forças para desafiar o conselho se considerarem necessário. Isto é muito mais difícil em um modelo privado ou estatal.
Quais os princípios básicos de um Clube Social Canábico euroupeu?
1. O fornecimento acompanha a demanda, e não o inverso
A capacidade de produção de um CSC é baseada no nível esperado de consumo dos seus membros. O fornecimento é organizado, a fim de atender a demanda dos usuários. Portanto, o CSC não anunciará crescimento ou ativamente tentará recrutar mais membros. Ele deverá crescer lentamente, mas firmemente, assim como uma planta.
2. Sem fins lucrativos
Um Clube Social Canábico não pode comprar e vender cannabis. Ele fornece um serviço para seus usuários, cujo valor de contribuição deve ser baseado em uma estimativa realista das despesas técnicas e administrativas e deve ser aprovado pela Assembleia de Sócios. Os benefícios que podem ser gerados pelo clube devem ser usados para promover os seus objetivos, e não para auferir lucro de poucos.
3. Transparência
Clubes Sociais Canábicos são associações legalmente registradas. A sua organização interna é democrática e participativa. O órgão de decisão é a Assembleia Geral Ordinária de Sócios, para a qual todos os membros são convidados a participar, com direito a voto. Na Assembleia Geral, um relatório explicativo e financeiro das atividades da associação no ano anterior é apresentado e aprovado, bem como um plano para o ano seguinte.
4. Saúde Pública
Durante todo o processo, da germinação à colheita, os CSCs se esforçam para garantir que a cannabis cultivada siga normas de agricultura orgânica. Uso de produtos químicos é completamente banido. Eles também têm uma política ativa para detectar e prevenir o consumo problemático através da promoção de um consumo seguro e responsável. Eles colaboram com entidades de saúde pública e ajudam os membros que desejam entrar em contato com a área médica.
5. Diálogo aberto com as autoridades
Os CSCs estão dispostos a qualquer forma de diálogo com as autoridades, em busca de um objetivo comum: reduzir o comércio de drogas, onde os jovens rapidamente se tornam vítimas de traficantes, onde ocorrem a violência e a corrupção.
6. Apoio ao ativismo internacional
O ativismo tem desempenhado um papel crucial no sucesso dos CSCs e continua a ser importante para garantir sua autonomia, o que acabará por levar a uma regulamentação definitiva do mercado de cannabis, que garante os direitos de todos os usuários e cultivadores. Por isso, cada CSC deve ser filiado a plataformas de ativistas canábicos ao nível nacional e internacional, tanto para representar os CSCs em nível internacional, como para servir de ponto de referência para os membros e o público em geral. Todos os Clubes que se reconhecem no Código de Conduta são bem-vindos para se cadastrar no site dos Clubes Sociais de Cannabis Europeia.
Grupos que não são clubes oficialmente reconhecidos até o momento podem engajar-se pelo site www.cannabis-social-clubs.org, que congrega uma rede independente e internacional de cultivadores.
Vamos criar milhares de CSCs em toda a Europa. Viva a revolução verde!
* Joep Oomen é coordenador da European Coalition For Just and Effective Drug Policies (ENCOD)