Um julgamento em Santos mostrou que ainda existe coerência nos tribunais e esperança para os cultivadores
Por Fernando Göltl
O dia 12 de Março de 2015 configura como um dia importante para os cultivadores de cannabis. A Juiza da 6ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, da Comarca de Santos, Dr(a). Silvana Amneris Rôlo Pereira Borges, mostrou que ainda existe coerência nos tribunais e esperança para aqueles que querem se ver livres do tráfico de drogas.
No processo de nº 0046283-30.2012.8.26.0562, ela julgou parcialmente procedente o pedido do ministério público, e condenou o médico ginecologista e obstetra R.M à pena de 1 (um) mês de prestação de serviços à comunidade, que se ocupem, preferencialmente, em instituições da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas, por incurso nas sanções previstas para usuários no artigo 28, parágrafo 1º, da Lei n.º 11.343/06. Caso fosse enquadrado como traficante segundo o artigo 33 da Lei nº 11.343/06, o médico poderia pegar a pena de reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos.
O caso desse médico se assemelha ao de muitos growers no Brasil. Tudo começou quando ele se preparava para o vestibular, época em que usava a maconha como ansiolítico. Fumando, ele conseguia se acalmar e lidar melhor com a ansiedade. Depois de entrar na faculdade, a pressão aumentou e o estudante entrou em um conflito psicológico: era obrigado a comprar de traficantes e financiar o crime organizado por uma substância de péssima qualidade, e não queria mais isso.
Pela internet, soube que, em muitos lugares, as pessoas cultivavam a erva para consumo próprio e decidiu comprar sementes de sites estrangeiros para iniciar seu cultivo. Plantava em seu quarto, dentro de uma república, e não compartilhava a produção com os demais moradores. Não vendia a ninguém, e fazia seu consumo de forma íntima, estritamente pessoal.
Em seu depoimento, o policial civil narrou a forma bizarra como a investigação aconteceu. Segundo ele, a ligação da denúncia não ficou registrada, pois ligaram para a Delegacia e o plantão passou para o setor de investigação. Contou também que a ligação partiu de uma voz feminina alegando que o apartamento do estudante era um ponto de tráfico de entorpecentes.
Impossibilitados de fazer campana (o apartamento ficava no terceiro e último andar do prédio), a polícia não teria como verificar a denúncia sem o mandado de busca e apreensão. Os oficiais estiveram durante alguns dias no local e não observaram nenhuma movimentação suspeitan o prédio. Mesmo assim, pediram o mandado para averiguação.
É muito curiosa essa forma de atuação da investigação da Polícia Civil, que invade propriedades privadas aleatórias com base em denúncias que sequer ficam registradas em seus sistemas, sem o menor indício de crime.
Ao invadir o local, a polícia encontrou 14 gramas da erva pronta para consumo dentro de um pote de vidro, além de meio cigarro de maconha, um dichavador, uma caixa de seda, aparelhos para cultivo como estufas, termômetros, lâmpadas, vasos e etc, além de 5 vasos de plantas Cannabis Sativa em estado vegetativo.
O acusado demonstrou que, por estarem em estado vegetativo, não saberia informar o sexo das plantas encontradas e que somente as fêmeas produziam material para consumo. Explicou que o processo era uma espécie de “loteria”, onde não se consegue saber o sexo da planta antes de seu período de floração. Se as plantas fossem do gênero masculino, não poderiam ser aproveitadas.
Restou-se então que não haviam provas capaz de indicar que o acusado praticasse o tráfico de drogas ou que o produto cultivado em sua residência tivesse essa finalidade, restando demonstrado somente ao contrário, que a maconha apreendida seria consumida pelo réu.
Após este incidente, ele apresentou quadro de depressão. O estudante foi preso e passou por situações degradantes. Frequentou psiquiatras e psicólogos que o fizeram substituir seu medicamento fitoterápico (Cannabis), por Escitalopram, um forte antidepressivo sintético que causa danos muito maiores ao organismo. A bula deste medicamento (bem como a de qualquer outro sintético), é desesperadora: contém reações das mais variadas, desde ataques de pânico e agressividade, à despersonalização e alucinação, enquanto os efeitos colaterais da maconha são fome, sono e riso.
Esperamos sinceramente ver mais decisões de Juizes como a da Dra. Silvana, que nos faz ter esperança em um mundo melhor, e enxergar uma luz no fim desse Tribunal de Injustiças que vem igualando meros jardineiros a homicidas e seqüestradores.
Fernando Göltl faz parte do time de consultores jurídicos do Growroom.