Os cartéis continuam contrabandeando drogas pesadas, mas os defensores apontam o êxito da legalização na diminuição do poder do tráfico
No alto de uma montanha, a sede da Secretaria de Segurança Pública abriga um estranho museu — uma coleção objetos apreendidos em operações contra o narcotráfico. O Museo de Enervantes, também chamado de narcomuseu, tem amostras de drogas (incluindo a raríssima cocaína preta), armas cravejadas de diamantes, celulares banhados à ouro, lança-granadas e muitas outras honrarias dadas pelos cartéis aos seus melhores vendedores. O museu também revela a engenhosidade do tráfico para transportar as drogas até os Estados Unidos: fundos falsos em carros, catapultas para atirar volumes por cima do muro da fronteira e até nádegas falsas.
Os agentes da fronteira americana lutam há décadas contra essas técnicas de contrabando, mas parecem incapazes de conter o fluxo de drogas rumo ao norte do país e o fluxo de dólares e armas no sentido sul. Mas a quantidade de uma droga — a maconha — finalmente parece ter diminuído. A polícia da fronteira tem apreendido quantidades cada vez menores da erva. O número passou de 1,5 mil toneladas em 2011 para cerca de 1 mil em 2014. O exército mexicano notou uma diminuição ainda maior, apreendendo 600 toneladas da droga em 2014, uma queda de 32% em relação ao ano anterior.
A queda parece ter menos a ver com o endurecimento da lei do que com a onda de legalização da cannabis que tomou conta dos EUA. Os votos pela legalização em Washington e no Colorado em 2012, seguida por Alaskae Oregon fez florescer uma nova indústria. Os growers americanos produzem variedades de nomes exóticos como White Widow, Golden Goat e Oaktown Crippler, ao contrário da simplória ‘mota’ mexicana. A maconha vendida pelos dispensários americanos é classificada pelo nível de THC e contém no rótulo a mistura exata entre sativa e indica.
Os ativistas de uma nova política de drogas enfatizam que a transição dos traficantes mexicanos em cultivadores licenciados é uma boa razão para ampliar a legalização. “Não me surpreende que as pessoas escolham comprar sua maconha de um estabelecimento que recolhe impostos ao invés de financiar o mercado negro por um produto que sequer é testado ou regulado”, diz Tom Angell, presidente da Marijuana Majority. “Quando você vai a uma loja legal, sabe o que está recebendo e que o produto não está contaminado”.
Analistas ainda estão tentando calcular a longo prazo os efeitos dessa mudança nas finanças do cartéis mexicanos e na violência. A indústria da maconha legal é provavelmente o setor que mais cresce na economia americana, aumentando em 74% seu valor de mercado que hoje chega a 2,7 bilhões de dólares segundo a ArcView, um fundo de investimento e pesquisa da cannabis. Esse número inclui as receitas de estabelecimentos recreativos e medicinais da erva. O grupo prevê que esse mercado valerá $4 bi em 2016.
Isso significa menos dinheiro para o narcotráfico comprar armas, subornar policiais e encomendar mortes. No mesmo período da legalização, a violência no México caiu. Segundo a polícia, os homicídios, que eram quase 23 mil em 2011, caíram para 15,649 no último ano.
Outros fatores contribuíram para a diminuição da violência, conta Alejandro Hope, analista de segurança e ex-oficial do serviço de inteligência mexicano. “O dinheiro da maconha pode ter tido impacto sobre a violência, mas é preciso olhar para as outras causas. Muitos dos comandantes dos cartéis mais violentos foram mortos ou presos”, diz. Entre os chefões derrubados está Heriberto Lazcano, chefe dos Zetas, um ex-soldado conhecido como O Executor pelas valas comuns onde enterrava seus desafetos. A marinha mexicana abateu Lazcano em 2012, embora seus comparsas tenham invadido o velório e roubado o cadáver do traficante.
Apesar da queda nos assassinatos, a violência no México ainda atinge níveis alarmantes. Em setembro do ano passado, chefes de um cartel, junto da polícia, mataram um grupo de 43 estudantes de uma escola rural.
Um dos principais problemas é que os cartéis têm diversificado sua carteira de crimes, de tráfico sexual ao roubo petróleo bruto dos oleodutos mexicanos. Eles também ganham bilhões de contrabando de drogas pesadas. As apreensões de heroína e metanfetamina na fronteira EUA-México subiram como as de maconha afundaram. De acordo com a US Homeland Security, com agentes apreenderam um recorde de 16 toneladas de metanfetamina em 2014.
De acordo com um relatório da Casa Branca, os EUA gastam 100 bi de dólares em drogas anualmente. Estima-se que a maconha corresponda a 40% desse valor, de modo que o comércio legal representa uma pequena fração desse montante. Uma das barreiras de crescimento desse mercado é que a lei federal americana ainda proíbe a cannabis, dificultando trâmites bancários e afugentando investidores.
À longo prazo, os reformistas da política de drogas esperam o surgimento de um mercado de maconha legal em toda a região. Isso traria a possibilidade do México produzir e exportar legalmente seus medicamentos para os EUA, aproveitando da mão de obra mais barata. “Cannabis não é muito diferente do vinho”, diz Sanho Tree, diretor do Projeto de Políticas de Drogas do Instituto de Estudos Políticos de Washington. “Eu posso comprar uma garrafa de vinho US$ 200. Mas muitas pessoas vão preferir o produto mais barato do mercado de massa”, argumenta. Um defensor da legalização é o ex-presidente do México, Vicente Fox, que manifestou apoio para um empresário americano que quer importar maconha para os Estados Unidos.
Qualquer mercado transfronteiriço exigiria uma mudança de tratados da ONU, que proíbem a maconha. O assunto virá à tona em discussão em uma Sessão Especial da Assembleia Geral sobre Drogas, em abril de 2016. “Eu me sinto otimista sobre uma mudança. Este movimento tem impulso “, diz Angell, da Marijuana Majority. “É interessante relembrar que os Estados Unidos foram, historicamente, a força motriz da proibição das drogas. Agora partes dos EUA estão liderando a mudança”.
*Conteúdo publicado na revista Time, tradução livre do Growroom
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