Manifestação do GROWROOM sobre o julgamento do RE 635.659
No dia 03 de julho, foi publicada[1], no diário oficial, a pauta do julgamento no Supremo Tribunal Federal, incluindo o Recurso Extraordinário 635.659[2], no qual será decidido se, à luz da Constituição Federal, o porte de drogas para consumo próprio deve continuar ou não a ser criminalizado no ordenamento jurídico brasileiro.
O caso concreto é a condenação de Francisco a dois meses de serviços à comunidade, por assumir as três gramas de maconha encontradas na cela, no Centro de Detenção Provisória de Diadema, onde estava preso junto com outros trinta e dois homens.
O recurso da Defensoria Pública de São Paulo chegou ao STF no dia 22 de fevereiro de 2011, e teve sua repercussão geral reconhecida no dia 09 de dezembro do mesmo ano, o que sobrestou muitos outros recursos, que aguardam o seu julgamento.
No dia 23 de dezembro de 2011, foi aberto o primeiro tópico[3] sobre esse tema no Growroom, e, desde então, os cultivadores domésticos do Brasil vêm acompanhando esse julgamento. Hoje, esse tópico, com mais de 1.650 respostas e 125.000 visualizações, mostra como a expectativa inicial foi esfriando com o tardar da justiça.
Agora chegou a hora, o guardião da constituição julgará se o Estado pode investigar, acusar, julgar e condenar criminalmente “quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”.
O recurso originário traz como principais argumentos a violação aos princípios do direito penal da intervenção mínima e da lesividade e o principio da liberdade individual, usando como base o Fallo Arriola[4], julgado pela Suprema Corte argentina.
O reconhecimento da inconstitucionalidade da criminalização das condutas relativas ao porte de drogas já foi provido por tribunais de muitos países e os ministros do Supremo têm acesso a essas decisões e seus fundamentos.
Além dos argumentos apresentados pela Defensoria, o STF terá acesso às teses de nove amice curiae que opinam pelo provimento do recurso. São os amigos da corte Viva Rio, Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia – CBDD, Associação Brasileira de Estudos Sociais do Uso de Psicoativos – ABESUP, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM, Instituto de Defesa do Direito de Defesa – IDDD, Conectas Direitos Humanos, Instituto Sou da Paz, Instituto Terra, Trabalho e Cidadania e Pastoral Carceraria.
São onze ministros e o resultado é imprevisível diante de um tema tão polêmico, mas, mesmo assim, é grande a confiança de que os direitos fundamentais da minoria – aqueles que optam por consumir substâncias consideradas ilícitas – serão reconhecidos e protegidos à luz da Constituição Federal.
Uma dúvida é se o julgamento desse recurso irá alcançar as condutas de quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto, nos termos do §1o do artigo 28 da Lei 11.343, embora o objeto do recurso seja o caput do mesmo artigo.
O STF, em outros julgamentos, já reconheceu que a inconstitucionalidade por arrastamento ou por atração pode ocorrer quando a declaração de inconstitucionalidade de uma norma impugnada se estende aos dispositivos normativos que apresentam com ela uma relação de conexão ou de interdependência[5].
O §1o guarda total conexão e interdependência com o caput do artigo 28, principalmente quando se fala das condutas que envolvem a Cannabis Sativa, pois os mesmos princípios que protegem o portador de substâncias para consumo próprio também albergam aquele que cultiva para seu consumo pessoal.
Ainda existem outros princípios garantidores quando se fala em arguir a inconstitucionalidade do §1o do artigo 28, como, por exemplo, a inviolabilidade do lar de quem cultiva em sua casa[6] ou o princípio constitucional de defesa do consumidor[7], que tem maior conhecimento sobre o que está consumindo quando cultiva para si próprio.
Também há de ser considerado, em nome da boa técnica jurisdicional, que, caso o caput do artigo 28 seja declarado inconstitucional, seus incisos e parágrafos devem seguir o mesmo destino, sob risco de criar maiores transtornos aqueles que se submetem ao direito.
A interdependência e conexão também decorrem do fato de que quem semeia, cultiva e colhe plantas destinadas ao seu consumo, também, impreterivelmente, acaba por guardar e ter em depósito as plantas e/ou produto de sua colheita, de modo que, uma vez reconhecida a inconstitucionalidade dos verbos do caput, esse entendimento deve alcançar o §1o.
Sabe-se que quem consome Cannabis Sativa precisa, para tanto, adquiri-la de algum modo; como o mercado ilícito é monopólio de facções violentas, a única forma de não participar desse ciclo vicioso é cultivando para seu consumo próprio.
O não reconhecimento por arrastamento da inconstitucionalidade do §1o ocasionará uma distinção entre quem adquire do mercado ilícito de quem cultiva a cannabis em casa para seu consumo, violando o princípio da isonomia no tratamento de quem é consumidor, punindo apenas quem não participa do mercado.
Caso seja reconhecida a inconstitucionalidade do caput do artigo 28 e estendida ao seu §1o , outra questão pendente é saber como evitar que quem pratica as condutas até então criminalizadas não sejam enquadrados no artigo 33 da Lei sobre Drogas.
Uma opção que pode ser dotada pelo STF, quando, possivelmente, reconhecer a inconstitucionalidade do artigo 28 caput e §1o, é modular os efeitos da decisão com a fixação de parâmetros objetivos para diferenciar quem porta e produz para si de quem pratica atos de mercancia e difusão de substâncias proscritas.
Longe de ser a solução ideal, a fixação e aplicação de tais paramentros objetivos ainda dará oportunidade a violações ao princípio da presunção de inocência, o qual para ser garantido deverá o Estado buscar reais indícios e provas que levem afastar o entendimento que a substância aprendida não era para fins de consumo pessoal.
No que se trata da Cannabis Sativa, esses critérios objetivos devem prever quantidades para o porte, para o transporte em locomoção, para o depósito em residência e o número de plantas que podem ser cultivadas para consumo pessoal, sendo que tais parâmetros devem se adotados com presunção relativa, ou seja, outros elementos devem ser considerados para verificar qual a destinação da substância ou plantas, se o consumo próprio ou a difusão ilícita.
Considerando os verbos previstos na lei, como portar, guardar, ter em depósito, transportar, semear, cultivar, colher, é necessário que sejam fixados parâmentos objetivos que atendam às peculiaridades de cada conduta. Os atos de portar e transportar são bem semelhantes entre si; assim como os de guardar e ter em depósito; e semear, cultivar e colher entre si.
Logo, para se chegar a uma sugestão de parâmetros objetivos para o uso da Cannabis, um ponto de partida são as manifestações de padrões de consumo[8] e cultivo[9] dos usuários cultivadores no fórum do Growroom. Durante treze anos, este espaço acumula informações sobre a maconha, seu consumo e seu cultivo doméstico, que são disponibilizadas por seus milhares de membros.
Algumas sugestões de parâmetros objetivos:
- Portar/Transportar ———–> 150g
- Guardar/Depósito ———–> 900g
- Semear/Cultivar/Colher——> 30 plantas fêmeas florindo
O parâmetro para portar e transportar deve prever quantidades suficientes para, por exemplo, uma viagem de férias, assim cento e cinquenta gramas é um número adequado. A mesma quantidade já foi reconhecida pela Suprema Corte da Espanha[10] como compatível ao consumo pessoal para Cannabis.
O de guardar e ter em depósito tem que garantir quantidades suficientes para aquele que cultiva duas vez por ano ter o necessário para seu consumo até a próxima colheita, por isso novecentos gramas se mostra condizente para caracterizar o consumo pessoal.
E trinta plantas fêmeas florindo é um número razoável para cultivar em pequenos espaços ou uma vez ao ano, considerando que somente nas flores fêmeas existe disposição de canábinoides suficiente para o consumo.
As quantidades podem parecer altas para quem não é consumidor ou cultivador, contudo elas são o mínimo adequado à realidade daqueles que hoje são criminalizados pela lei vigente. A adoção de quantidades inferiores não irá afetar significativamente os efeitos negativos da política sobre drogas.
Outro ponto que merece muita atenção é o uso medicinal da Cannabis, que, dependendo do modo que é realizado, demanda maiores quantidades de flores para obtenção dos concentrados de canábinoides necessários ao uso terapêutico.
Embora aqui se esteja falando apenas sobre as condutas relativas à Cannabis Sativa, isso não significa que outras substâncias não devam ser descriminalizadas. Aqui o foco na Cannabis decorre da expertise e do ponto de vista dos usuários e cultivadores acostumados a lidar com a planta.
Por tais motivos, confiamos que o Supremo Tribunal Federal dará provimento ao Recurso Extraordinário 635.659 para reconhecer a inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343, e declarar inconstitucional, por arrastamento, seu §1o, com a modulação de seus efeitos para fixar parâmetros objetivos e presunção relativa quanto à Cannabis nas quantidades acima indicadas, sendo esse um passo para reforma da lei e o fim da infame política proibicionista de drogas.
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[1] https://www.stf.jus.br/arquivo/djEletronico/DJE_20150619_119.pdf – pagina 26.
[2] http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4034145
[4] https://es.wikipedia.org/wiki/Fallo_Arriola
[5] http://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=I&id=541
[6] Constituição Federal, art. 5o, inciso XI.
[7] Constituição Federal, art. 5o, inciso XXXII.
[8] http://www.growroom.net/board/topic/44482-quantas-gramas-voce-fuma-ao-mes/
[9] http://www.growroom.net/board/topic/40629-qual-a-maior-quantidade-em-gramas-que-voce-ja-colheu/
[10] Espanha – Sentencias del Tribunal Supremo -STS de 9 de febrero de 1996 (RJ 1996\835).