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ToggleO Ministro Barroso proferiu seu voto e propôs que fosse estabelecida, temporariamente até que o Congresso tomasse para si essa discussão, a quantidade de drogas que o usuário pode portar sem que seja enquadrado como traficante:
“25 gramas e até seis plantas fêmeas de maconha por pessoa“, e mais: “Se a pessoa pode consumir, é preciso ter ao menos uma fonte legítima do acesso [à drogA]”
Diante disso, nos deparamos com o modelo do Cannabis Social Club (CSC) ou Clube Social de Canábis, que é um conceito da organização não governamental pan europeia ENCOD, concebida em 2005 como forma de permitir a produção e distribuição legal de canábis para adultos. O objetivo dos CSCs é organizar o cultivo profissional e coletivo de quantidades limitadas da canábis, o suficiente para cobrir as necessidades pessoais de seus sócios. Os Clubes são organizações não comerciais, sem distribuição de lucros e/ou dividendos.
No Brasil, sugerimos os Clubes Sociais de Canábis como associações de cidadãos que organizam o cultivo de uma quantidade limitada de canábis para satisfazer as suas necessidades pessoais. O plantio, transporte, distribuição e consumo estão sujeitos a controles de segurança e qualidade e serão realizados sem propaganda ou publicidade de qualquer tipo. Os membros financiam o sistema por assinaturas, de acordo com suas necessidades e recebem um cartão com um limite máximo por mês e por ano. Os associados são proibidos de revender qualquer quantidade de canábis. Também é obrigatório garantir que tudo que foi retirado é para consumo próprio e que menores não terão acesso.
Enquanto debatemos os Clubes Sociais de Canábis neste momento no Brasil (dezembro de 2016), vários CSCs operam legalmente em outros países como Nova Zelândia, Espanha, Bélgica, França, Holanda, Itália, Eslovênia, Áustria e Alemanha. Fora os modelos estabelecidos nos Estados Unidos, Canadá, Chile, Colômbia, Argentina e Uruguai.
O interessante é que esse modelo possibilita que os Clubes Sociais Canábicos sejam estabelecidos em qualquer país no qual o consumo de canábis esteja despenalizado. No caso do Brasil, no artigo 28 da lei 11.343 isso seria possível?
As convenções internacionais sobre drogas não incluem a obrigação aos países de proibir a canábis para consumo pessoal. Por esta razão, os países signatários podem despenalizar o consumo e regulamentar o cultivo para uso particular sem temor a sanções internacionais. Essas medidas formam o fundamento de uma política racional de Redução de Danos, mas são insuficientes.
A plantação para proveito pessoal não consegue satisfazer a enorme procura, porque muitas pessoas não têm acesso, tempo, espaço, ou meios para desenvolver o seu próprio consumo. Não contém automaticamente garantias contra os riscos inerentes ao mercado negro, ou a sua inviabilização efetiva.
Para minimizar estes riscos, requer-se um sistema mais desenvolvido de produção e distribuição, onde o controle de qualidade esteja assegurado e o propósito comercial seja totalmente removido da equação.
A solução mais racional é a coletivização do cultivo para o consumo pessoal. Os consumidores adultos que não querem cultivar por si próprios podem formar associações sem fins lucrativos com o propósito de obter um acesso legal, seguro e transparente da canábis para os seus sócios.
Implementa-se, assim, um modelo para um mercado regulamentado, no qual a oferta estará sempre controlada pela procura, a produção limita-se a uma quantidade estabelecida como necessária para satisfazer o consumo pessoal dos sócios.
Baseado no modelo apresentado pela ENCOD em 2010, adaptado à realidade jurídica de Portugal. Ao planificar a criação de um Clube Social Canábico o propósito deve ser evitar qualquer confusão com o mercado ilegal. Um CSC não só deve parecer legal, como também o deve ser na realidade e os seus integrantes devem poder demonstrá-lo num eventual julgamento. Por isso é elementar uma disciplina rígida na administração e organização do Clube.
Cada Clube necessita de sócios que participem ativamente na sua organização de várias formas e com diferentes responsabilidades. As regras devem ser claras e simples, e monitorizadas de maneira democrática. É necessário que todo o processo de formalização e operacional seja acompanhado por um advogado que possa dar conselhos sobre os passos a tomar e eventualmente preparar a defesa legal. Caso seja necessário.
Lembrando que antes de dar os primeiros passos para a criação dos CSC no Brasil, é necessário lembrar o enquadramento legal para o consumo e cultivo de canábis no Brasil está sujeito a lei 11.343. Se o seu consumo não é considerado um crime e a posse de uma pequena quantidade de canábis para o consumo pessoal não levar a persecução criminal [o que não necessariamente acontece no Brasil] deverá ser possível organizar uma defesa legal para um Clube Social Canábico com sucesso, baseada no argumento de que quando as pessoas têm o direito a consumir, terão que ter o direito a cultivar para consumo próprio.
Mas como fazer a implementação dos Clubes Sociais Canábicos no Brasil? Vejamos os passos para sugeridos no Manual para criar um Clube Social Canábico desenvolvido pelo ENCOD.
1.º PASSO – APRESENTAÇÃO PÚBLICA DA INICIATIVA
O primeiro passo é a apresentação pública da iniciativa de criar um Clube Social Canábico, mediante uma conferência de imprensa ou uma ação pública.
O melhor é envolver uma personalidade célebre (um político ou artista) a fim de obter a cobertura da mídia e para que, no caso de assumidamente estarem na posse de sementes, plantas ou quantidades pequenas de canábis durante a apresentação, reduzirem o risco de serem perseguidos.
Na apresentação, deverá clarificar-se que o único objetivo do clube é cultivar para o consumo pessoal dos sócios adultos, e de promover uma alternativa legal, segura e transparente ao mercado ilegal.
Se as autoridades não responderem indicando que irão perseguir a iniciativa, é tempo para passarmos ao segundo passo.
2.º PASSO – CRIAÇÃO DO CLUBE
O próximo passo é a criação oficial do Clube Social Canábico, como Associação de consumidores e produtores, conforme normas legais do Brasil, que cultivam coletivamente a quantidade de canábis necessária para o seu consumo pessoal através de um circuito fechado. Criar um comitê executivo, incluindo pelo menos um presidente, um secretário e um tesoureiro e instalar um processo de decisão transparente e democrático, de modo que todos os sócios sejam conscientes dos passos mais importantes que a organização dá, como o estabelecimento da organização financeira e os riscos jurídicos .
Nos estatutos, devem constar o propósito da Associação: evitar os riscos relacionados ao consumo de canábis provocados pelo mercado ilegal (adulteração, incentivo à criminalidade organizada, etc.), conforme previsto na lei 11.343. Também se podem referir ao objetivo de pesquisar a planta do cânhamo e as formas mais ecológicas e sãs de a cultivar, assim como a promoção de um debate social envolvendo a afirmação legal da canábis e dos seus consumidores – em particular aqueles com necessidades não contempladas pelo Sistema Nacional de Saúde.
É possível obter da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas (REFORMA), do Growroom e da Associação Canábico (4e20.club) modelos de estatutos de clubes já existentes no Brasil para os utilizarem como exemplo.
Os estatutos devem ser registados e aprovados devidamente pelas autoridades competentes [ver: Roteiro de como criar uma Associação].
Será então o momento de começar a permitir a adesão de sócios, assegurando de que estes já são consumidores de canábis, ou então de que possuem uma condição médica reconhecida, na qual o consumo de canábis não é um dano, mas pelo contrário, benéfico.
Um profissional de saúde devidamente qualificado, contextualizado poderá atestar, ou confirmar esta opção de tratamento do seu paciente, isto impedirá que os mais jovens utilizem os CSC para experimentarem a canábis, o que poderia ser entendido como apologia do consumo – algo que queremos evitar.
Começar a cultivar, estabelecer o montante necessário para o consumo pessoal dos membros e organizar a produção coletiva deste numa plantação coletiva.
Assegurar que o cultivo se faz de forma orgânica, que há uma boa variedade de plantas, de modo que os sócios possam eleger sempre entre espécies diferentes, com propriedades específicas, decidindo qual a mais conveniente para a sua condição de saúde/ tipo de consumo.
Assegurar que as pessoas que trabalham na plantação ou no transporte de plantas e/ou de canábis estão sempre na posse de documentos que explicam a maneira como funciona a associação e referem os seus antecedentes legais. Nestes documentos devem constar que a canábis se cultiva apenas para os sócios que podem ser identificados pelos documentos oficiais (RG, CPF, etc.). Estes documentos serão de extrema importância para evitarem a perseguição das pessoas mais envolvidas na Associação, no caso de as Autoridades decidirem intervir.
Dependendo da legislação de cada país, a distribuição e o consumo da colheita poderão ter local no clube. No Brasil, o consumo nunca deverá ser efetuado dentro do próprio Clube.
3.º PASSO – PROFISSIONALIZAR O CLUBE
Com o tempo, a quantidade de sócios crescerá, assim a organização da produção, o transporte, os pagamentos. necessitarão ser mais profissionais. A fim de facilitar à associação o controle das plantas, é melhor optar por ter várias plantações de pequena escala.
Cada clube pode ter as suas próprias regras que complementem os estatutos e sejam apropriadas ao uso local do clube; que refiram o pagamento de contribuições dos sócios de acordo com o bom espírito do clube.
Por exemplo afixar em local visível a proibição de dispensar/vender a canábis produzida pelo clube a pessoas que não são sócios, especialmente a menores.
Para evitar problemas e mal entendidos é melhor informar as autoridades do fato do clube cultivar canábis coletivamente. Alguns clubes fazem-no com uma mensagem às autoridades legais na sua região, no escritório da polícia mais próxima, ou à autarquia local, outros somente enviaram um comunicado de imprensa.
O fato de ser uma associação sem fins lucrativos não significa que não possam existir transações comerciais. Produzir canábis de boa qualidade e de forma segura e sã requer trabalho, que deverá ser remunerado.
Operar como Associação, implica que se realizem despesas e as pessoas que a operam deverão ser também remuneradas.
O estabelecimento do preço deverá fazer-se de uma forma transparente e democrática. As despesas incluídas podem ser: aluguel de espaços, água, eletricidade, materiais, salários, despesas de escritório, gasolina e despesas gerais da associação. Estes são divididos pela quantidade de canábis cultivado pelo clube o que resultará no preço por grama.
Os benefícios que se produzem utilizam-se para a associação. A primeira decisão que se pode tomar caso se produzam mais benefícios do que o necessário para os objetivos da associação é reduzir a contribuição anual dos sócios.
As transações financeiras devem ser sempre documentadas (pagamentos, receitas, despesas sempre com faturas, ou com recibos). Isso é importante para mostrar em um eventual julgamento que o clube não está envolvido em nenhuma atividade ilegal. Também ajuda a assegurar a transparência financeira da organização. É uma boa ideia estabelecer um mecanismo para o controle externo da organização, a cargo de alguém que não seja sócio e tenha a capacidade de julgar se os métodos utilizados cumprem com as normas que possam ser aplicadas. Recomendamos que esse processo sejam feitos por advogados.
4º PASSO – LOBBY PARA UMA REGULAÇÃO LEGAL DOS CLUBES SOCIAIS CANÁBICOS E DO AUTO-CULTIVO NO NOSSO PAÍS
Uma vez que um CSC funcione propriamente, o que falta é apenas convencer as autoridades políticas e legais para que instalem um enquadramento legal para clubes, com respeito a licenças, impostos e controlo externo.
Na maioria dos casos, os políticos, juristas, juízes ou polícias simplesmente não sabem como começar uma regulação de um mercado legal de canábis.
Na realidade isso pode apoiar o processo: os modelos propostos pelos consumidores podem mesmo ser facilmente aceitos.
Já existem discussões nesse sentido no Senado com o PL 37/2013. Bem como, pesquisas sobre a legalização e os estudos de nº 765 de 2014 e de Impacto econômico da legalização da cannabis no Brasil.
Assinam essa proposta as instituições: