Na última quarta-feira (13), a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) aprovou a realização de uma audiência pública para discutir a descriminalização do cultivo da maconha para uso pessoal. Veja a análise fundamentada do Parecer supracitado, cujo relator é o Excelentíssimo Senhor Senador Sérgio Petecão
Análise fundamentada do Parecer supracitado, cujo relator é o Excelentíssimo Senhor Senador Sérgio Petecão.
Versa o parecer sobre a Sugestão (SUG) nº 25, de 2017, do Programa e-Cidadania, que sugere a descriminalização do cultivo da planta cannabis para uso próprio.
Para fins de brevidade, apenas apresentarei discussão respaldada em pesquisas científicas, análises sociais, políticas e econômicas em relação à argumentação do Senador.
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I. O Senador cita trecho do documento “O mito da legalização das drogas”, invocando Bo Mathiasen, alegando que “Do ponto de vista “empresarial”, o crime organizado irá sempre procurar as oportunidades mais rentáveis, independentemente de sua categoria no código penal”.
Cabe aqui comentar que tal afirmação faz sentido considerando-se o conjunto global de drogas hoje ilícitas e as consequências de suas legalizações. A SUG nº 25 trata tão somente da Cannabis. De fato não há solução simples para o combate às organizações criminosas, pois pode haver migração de condutas criminosas. No entanto, associar o tráfico de outras drogas ilícitas, como LSD, cocaína e crack como empecilhos a legalização da Cannabis é leviano. Seria como alegar a impossibilidade de, usando aqui uma analogia a fatos recentes, se proibir o financiamento de campanhas políticas por pessoa jurídica pelo fato de que os atores do tão recorrente “caixa 2” encontrarão outra forma de praticá-lo.
II. O Senador alega ter havido aumento no número de assassinatos no Uruguai devido a legalização da Cannabis naquele país.
Ora, há de ser possível aprender com os equívocos que porventura possam ter ocorrido com a legalização do país vizinho e corrigirmos tais equívocos, os quais são já conhecidos. Ainda, a afirmação do Diretor Nacional de polícia do Uruguai, Mario Layera, de que a legalização não reduziu o tráfico vem sendo forte e consistentemente questionada
O mesmo pode ser aplicado ao que alguns chamam de “fracasso holandês”, quanto à descriminalização. Aquele país pecou por permitir o uso, porém manter ilegal toda a forma de obtenção da Cannabis. Assim, como poderia ter sucesso um projeto no qual se permite o uso, porém enquadra como tráfico a obtenção desse produto? Nesse quesito, o Brasil tem caminhado na mesma direção.
Embora a lei 11.343 de 23 de agosto de 2006 não seja exatamente clara, nela consta a não criminalização do usuário de Cannabis, segundo o Art. 28. Desse modo, fica o grave questionamento de, uma vez sendo proibido no país “Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas”, como o estado poderia garantir a não criminalização do usuário frente ao evidente e notório fato de que para se consumir algo é necessário possuí-lo, produzi-lo, importá-lo, etc? Não deveria o Estado, de alguma forma, prever mecanismos legítimos para que o cidadão brasileiro possa gozar do direito previsto em legislação?
III. O Senador afirma o seguinte: “é importante ressaltar ainda que os narcotraficantes comercializam outras drogas, como, por exemplo, LSD, cocaína e crack, as quais poderiam ser objeto de consumo por usuários que não estejam mais satisfeitos com o efeito alucinógeno produzido pelo consumo da Cannabis”.
Primeiramente, a Cannabis não possui efeito alucinógeno, conforme pode ser facilmente comprovado em qualquer farmacopéia. Segundo, ao contrário do tão propagado mito de que a Cannabis seria uma porta de entrada para drogas mais pesadas, tem sido cadáver maior consensual no meio médico-científico o enorme potencial e benefício da Cannabis no tratamento de dependentes químicos de drogas pesadas como cocaína, crack, heroína e opióides
Referências:
https://www.youtube.com/watch?v=AX3FvDaN9Bk; http://www.medscape.com/viewarticle/875431;
https://www.hellomd.com/health-wellness/is-marijuana-part-solution-to-heroin-and-opiate-addiction;
http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0166223617300012).
IV. O senador relata aumento de consumo de Cannabis nos locais em que houve legalização.
Entretanto, dados desmentem essa alegação (https://www.psychologytoday.com/blog/abcs-child-psychiatry/201704/does-legalized-marijuana-result-in-more-teen-use; ), inclusive com dados indicando redução no consumo (http://www.newsweek.com/does-weed-legalization-increase-use-among-teens-540644).
V. O senador alega que “nenhum país do mundo está propondo legalização das drogas ilícitas”.
Essa afirmação beira o absurdo, comprovado pelos próprios exemplos dado pelo Senador (Uruguai, Estados norte americanos, Portugal) e ainda o Canadá e tantos outros.
VI. Cita o Senador que “os países que caminham em direção a descriminalizar o uso investem maciçamente em prevenção, assistência social e ampliação do acesso ao tratamento”.
Seria, portanto, razoável a conclusão de que o Senador é contrário a esse tipo de investimento? Essa não deveria ser premissa básica e obrigatória dos gestores públicos brasileiros? Ao contrário, devemos continuar o altíssimo investimento na guerra às drogas, com todas as mazelas sociais dela decorrentes?
VII. É citado o fato de haver “pessoas que vivem em regiões nas quais não há a presença permanente do Estado”
Sendo elas “não amparadas pela lei e à mercê de lideranças paralelas efêmeras, muitas vezes imprevisíveis e tiranas”. A ilegalidade da Cannabis tem apenas uma consequência nesse quesito que é o aumento do poder, e da tirania de tais lideranças paralelas, como já publicamente explicitado pelo Ministro do Superior Tribunal Federal Luiz Roberto Barroso.
VIII. O Senador faz referência ao “uso crescente da maconha incentivou o consumo de produtos alimentícios considerados prejudiciais à saúde (chocolates, biscoitos, bebidas energéticas, etc)”.
Tal argumento é falacioso no sentido de que não há a menor preocupação governamental no combate de propagandas de tais alimentos, e do incentivo ao consumo dos mesmos por parte de nossas crianças e jovens. Basta uma rápida constatação da existência de atrativos infantis em lanches de cadeias de Fast Food espalhadas pelo país. Se isso fosse, de fato, uma preocupação da gestão pública, deveríamos ver, ao menos, tentativas de inibir tais atos.
IX. O senador cita que “a sociedade brasileira não está preparada para a descriminalização do uso da cannnabis para uso recreativo e a sua consequente regulamentação”.
Tal afirmação é uma verdadeira afronta à capacidade do povo brasileiro e uma total subestimação das nossa sociedade pujante. Ora, o consumo já existe, as pessoas não deixam de usar cannabis em decorrência da lei.
X. Relata, ainda, o Senador que “o Brasil é um país com dimensões continentais, o que prejudicaria a instalação de uma política antidrogas eficiente por meio da regulamentação e fiscalização”.
Se essa for uma verdade incontestável, pode-se claramente assumir que nem a legalização, nem o combate ao tráfico tem chances, mesmo que remotas, de serem eficientes. Seria justo, portanto, seguirmos investindo milhões de reais anuais ao combate ao tráfico uma vez assumida a sua ineficiência, de acordo com o acima exposto?
XI. O Senador tem receio de ver “mais pessoas experimentando os efeitos da droga sem qualquer instrução prévia sobre os seus efeitos danosos, do consumo de erva de má qualidade (às vezes misturadas com outras substâncias prejudiciais à saúde)”.
Isso pode ser facilmente combatido com políticas de educação populacional, à semelhança do que foi realizado no combate à expansão do tabagismo, política essa amplamente apreciada e louvada, com grande sucesso. Ainda, é justamente esse um dos maiores benefícios da legalização da Cannabis: acabar com as misturas perigosas e a má qualidade da erva.
Com todo o acima exposto, fica evidente que os argumentos citados pelo Senador não apenas é incapaz de sustentar seu voto contrário à legalização da Cannabis para quaisquer fins, como faz justamente o contrário: evidencia comprovadamente os benefícios da sua legalização, não sendo permitido, portanto, um gestor público negar essas evidências, nem tampouco se omitir de um voto favorável à sociedade brasileira.
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