por: Hempadão
As notícias se repetem e as repercussões também, assim caminha o Rio de Janeiro nessa virada da primeira para a segunda década do Século XXI. A eterna guerra às drogas, também entendida como “guerra aos pobres”, de acordo com o sociólogo Renato Cinco, se estende infinita na história da proibição de tóxicos e maconha. No Brasil, como em qualquer lugar do mundo, a indústria das drogas produz riquezas e impropérios. E o pior mal é aquele que nos salta aos olhos, nos rende na esquina ou que dispara e acerta janela do prédio no Jardim Botânico. No dia 23 de Março de 2009, a Zona Sul do Rio estava muito longe de poder se considerar um paraíso.
No total, cinco bairros da elite carioca foram incomodados por perseguições e trocas de tiro. Numa outra matemática, o mesmo número: foram cinco os traficantes mortos… Além de um vigia baleado, doze suspeitos presos e muita notícia de jornal. Sair das ruelas e becos e cair direto no berço do transeunte burguês, faz com que a guerra às drogas seja um elefante que além de incomodar muita gente, incomoda muito mais. Com possível infantilidade, algumas autoridades continuam “acariciando o lobo, achando que é animal de estimação”. Dentro dessa ótica foi que o Secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame, mais uma vez apareceu para reafirmar o lema: “A culpa é do usuário”.
Na verdade, fica difícil entender como é possível que um problema de ordem pública seja debatido sob a esfera desse argumento. Ao que se sabe, questões políticas devem se orientar para melhor promover o bem comum, agindo com objetivos determinados e comprometidos à eficiência do investimento público. Culpar o usuário pode servir como desculpa, mas não como pronunciamento perante o atual quadro de caos urbano. É como se, ao debater sobre a degradação do meio ambiente, o único discurso evocado fosse: “a culpa é de cada cidadão”. Ora, tudo indica que a solução de qualquer problema está aquém de simplesmente identificar os culpados. Ou se o que importa é somente identificar o culpado, então a solução geralmente beira à pena.
Tá na cara que Beltrame nada em correntes contrárias àquelas que regem a nova política mundial. Longe de querer penalizar o usuário, países como Estados Unidos e Argentina buscam flexibilizações e de descriminalização nas leis, mediada por política de educação e saúde pública. Numa democracia, mesmo que representativa, o povo de fato é culpado pelas decisões de seus representantes. E nesse caso, me pergunto até quando a classe média e alta está disposta a aguentarar uma política falida de combate. Sim, nessa segunda feira de março, o Rio de Janeiro mais uma vez se viu alvo do poder paralelo criado e mantido, sob égide de ilegalidade, pelo Estado. A diferença foi o cenário e assim a roupagem ganha novo sentido e o debate, um novo rumo. A caminhada pela Marcha se aproxima e lá, estejam certos, além de muitos simpatizantes da erva, estarão cidadãos minimamente coerentes e reflexivos, além é claro, de politicamente ativos.
Durante anos, as classes socialmente favorecidas tentaram abafar o crescimento da violência com paliativos de esquecimentos, confrontos e condomínios. Os jornais quase que diariamente noticiam a derrota do poder público na guerra contra a oitava movimentação econômica do mundo, a indústria de entorpecentes. Tem gente que finge não ver. Mas a desorganização do crime se resolve num crescimento desenfreado da posse marginal de lucros, armas e pontos de venda. O cidadão carioca não sabe o que é tranqüilidade. O medo evolui em traumas e transita pânico em mulheres e crianças. Da zona norte a sul do mundo, se consome drogas. Nada é mais letal à saúde do usuário do que esse mal comum temperado culturalmente por dogmas e preconceitos. Numa relação clara de causa e consequência, a elite carioca colhe balas e assaltos que plantou a cada semente de ignorância. Cultivar cannabis ainda não pode, mas ao arvorecer da criminalidade o Estado continua assinando embaixo. Não cala uma pergunta: A culpa é de quem mesmo, Beltrame?