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ToggleO ‘Profissão Repórter’ desta quarta-feira (5) abordou o uso da maconha e a polêmica sobre a legalização da erva no Brasil. A reportagem que entrevistou desde cultivadores e usuários, até policiais e médicos, mostrou como o Brasil está atrasado na discussão sobre política de drogas. Boa parte deste atraso se deve à falta de informação dos nossos agentes públicos, e por consequência, da população brasileira em geral que ainda enxerga a cannabis como há 100 anos atrás, desconhecendo seus benefícios medicinais e ignorando os prejuízos causados pela sua proibição.
É possível enxergar o tanto de absurdo que os usuários são obrigados a passar devido às políticas proibicionistas do país, analisando a reportagem podemos tirar as seguintes conclusões:
Falta informação
Ficou claro que uma das principais causas para a maconha não ser legalizada no Brasil, é a falta de informação de muitos profissionais de saúde e segurança pública.
Itiro Shirakawa, vice-presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), afirmou que o único canabinóide com propriedade medicinal é o CBD, o que não é verdade. Preferimos acreditar que tal afirmação seja apenas falta de informação da parte de Shirakawa. Recentemente a Anvisa retirou o THC da lista de substâncias proibidas, considerando os remédios produzidos para pessoas com esclerose múltipla por exemplo, que tem o THC como um dos principais componentes da maconha na prevenção de espasmos causados pela doença.
Se o doutor quiser se atualizar um pouco mais, o Growroom fez uma lista de canabinóides que possuem propriedades terapêuticas.
Em outro momento controverso, o secretário de Segurança Pública do Ceará, André Santos Costa, diz acreditar que o problema de guerra às drogas é de saúde pública, mas é contra a descriminalização. Apesar dos seus 17 anos de carreira como policial, tentando vencer esta guerra através da repressão e da força, sem nunca conseguir nenhuma melhora efetiva, ele ainda acha que esta é a maneira mais eficaz de se combater o problema — É muito otimismo! (ou medo de perder o emprego quando vier a legalização). Se o caso é de saúde pública, até quando o Estado vai usar da repressão para resolver este problema?
Os próprios policiais já não aceitam aplicar uma lei injusta
Cansados de lutar e fazerem um trabalho sem resultado, juízes, delegados, promotores, policiais e carcereiros, criaram o LEAP (Agentes da Lei Contra a Proibição), uma associação contra as políticas proibicionistas. Após muitos anos de trabalho inócuo, esses agentes públicos chegaram a uma mesma conclusão: a legalização é a única solução.Eles defendem a regulamentação como um caminho mais racional para a manutenção e aplicação da segurança pública.
Assim como o tenente licenciado da polícia militar, Anderson Duarte, que sentiu o que todo policial um dia sentirá: que está enxugando gelo. Por isso criou o blog ‘Policial Pensador’, para discutir a legalização das drogas e abrir a cabeça de seus colegas de trabalho para a questão.
Outro exemplo de como essa lei é reconhecidamente injusta, é o relato do policial que não quis se identificar por medo de sofrer retaliação da corporação, que reconhece que por conta da guerra às drogas muita gente morre, entre policiais, traficantes e inocentes, e ninguém sai ganhando com isso. As bocas não deixam de existir, a segurança só piora, a violência se concentra em periferias, mais pobres e por consequência mais negros são segregados e reprimidos, não contribui em nada com a resolução do problema, nem no combate aos grandes traficantes.
Por isso, a legalização é muito importante para que policiais voltem a acreditar em seu trabalho, para que se sintam úteis para a população e não exerçam um trabalho arriscado e inútil de reprimir quem consome droga, ao invés de se preocuparem com criminosos que de fato causam mal à sociedade.
O Estado não tem controle e desperdiça verba pública
Entre os estados de Pernambuco e Bahia está o chamado Polígono da Maconha, área às margens do rio São Francisco, usada para o plantio da erva. Segundo a reportagem, acredita-se que cerca de 40% da maconha produzida no Brasil venha de lá e que 45 mil pessoas estejam envolvidas no plantio da erva na região.
Segundo o sargento da reserva Paulo Cesar de Oliveira, que trabalhou durante muito tempo no combate às plantações do polígono; os cultivadores demoram de 15 a 20 dias para voltarem a replantar maconha após uma ação da polícia nos cultivos, e para ele, a única solução possível para acabar com problemas como o de superencarceramento é a legalização (1/3 da população carcerária no Brasil tem relação com as drogas).
Muito dinheiro público é desperdiçado para o combate às drogas, mas tanta verba não chega sequer a fazer cócegas no tráfico que possui um poder muito maior do que o próprio Estado. É tanto poder, que as facções criminosas lutam entre si para terem o controle do tráfico, que gera muito dinheiro. Quem sai perdendo é sempre a população que é obrigada a conviver com medo, tanto dos traficantes, quanto da própria polícia, que é associada a perigo e não a proteção.
Fica claro que a única solução para transferir este poder de volta para o Estado, é através da legalização.
Os usuários medicinais são prejudicados
Dentre os vários relatos de usuários que fazem o uso terapêutico da cannabis para tratar doenças como Parkinson, depressão, epilepsia; o caso de Maria Antônia Goulart chama atenção para a utilização da maconha para amenizar os efeitos negativos da quimioterapia. Ela foi a primeira paciente a vaporizar maconha e usar o óleo em um hospital.
Quantos pacientes diagnosticados com câncer que se submetem à quimioterapia, não poderiam ser beneficiados pela legalização? Quantas pessoas poderiam ter acesso à esse remédio natural, que poderia ser cultivado no quintal de casa?
Como uma lei pode negar o direito ao bem estar às pessoas? Não lhe parece absurdo que uma planta que poderia ajudar milhões de pessoas com os diversos tipos de doença, seja proibida?
Clubes Canábicos já são uma realidade (ainda que ilegal)
Seja para uso recreativo ou medicinal, muitos usuários de maconha se cansaram de financiar o tráfico para poderem fumar um baseado e fazerem uso das propriedades medicinais da maconha. É muito comum usuários que possuem outras ocupações se juntarem e alugarem um espaço para poderem cultivar a planta para uso próprio. Como mostrou a reportagem, economistas, advogados, analistas de sistema, de 20 a 50 anos de idade, optam por fazer um cultivo coletivo ao invés de recorrerem ao mercado ilegal, que oferece uma erva de péssima qualidade, sem procedência, e que colabora para o aumentar o poder do tráfico.
Esses cultivos coletivos nada mais são do que clubes canábicos, um modelo de regulamentação utilizado no Uruguai e na Espanha em que os associados dividem as despesas de um cultivo para receberem os frutos dele mais tarde. Por aqui este modelo ainda é ilegal.
Não é um absurdo que o autocultivo seja equiparado ao tráfico de drogas? Não é um absurdo que pessoas sejam presas simplesmente por cultivarem uma planta? Não é um absurdo que a verba que poderia ser direcionada à saúde, seja desperdiçada reprimindo quem planta?
A revolta das pessoas perante a lei, e o risco que são obrigadas a se submeterem para poderem ter o direito básico ao bem estar, só escancara o quanto a lei brasileira é atrasada e inconstitucional. Não está na hora de regulamentar esses clubes?
Deveríamos seguir exemplos ao redor do mundo
A reportagem mostrou como outros países se beneficiaram após descriminalizarem e regulamentarem o uso da maconha. Nos Estados Unidos, onde 29 estados possuem leis específicas para a utilização da cannabis, a discussão é de que as drogas podem sim causar algum dano à saúde, mas o que se busca evitar, é o dano social e de segurança, que causa mais mortes que a própria droga. Por lá, a maconha aumentou muito a arrecadação de impostos e esse mercado que antes financiava outros crimes, até 2021 pode gerar até R$20 bilhões só com seu comércio. Dinheiro que pode ser destinado à educação, saúde, segurança e até mesmo na prevenção do abuso das drogas.
Por fim, o Profissão Repórter fala com o ex-presidente do Uruguai, Pepe Mujica, responsável por legalizar a cannabis no país. Ele explica que do ponto de vista uruguaio nenhum vício é bom, mas uma doença, que nunca poderia ser tratada caso a maconha continuasse na clandestinidade. E manda o recado para os brasileiros:
Se querem mudar e estão há 50 anos fazendo a mesma coisa, vocês têm que experimentar outro caminho, porque vocês têm que entender que não ta dando resultado, é preciso tentar outro caminho!
Quem perdeu a reportagem, pode assistir por aqui: