O programa Fantástico há anos tem exibido excelentes matérias e informações de utilidade pública. Mas a peça de desinformação e de demonização da maconha aparentemente feita na Inglaterra e exibida neste domingo é propaganda barata, ridícula e mal feita. O apresentador começa dizendo que a pessoa pode ficar até dois anos presa por consumir maconha naquele país. Aqui no Brasil, de acordo com a lei de drogas em vigor, o “maconheiro” não é preso. Será que na Inglaterra a sanha punitiva chega a ponto de encarcerar por dois anos quem fuma maconha? Claro que não.
Em seguida foi exibido aquele vídeo lamentável, uma peça de propaganda que contribui para o sensacionalismo jornalístico que vende essa desinformação para uma população que não tem a menor noção dos verdadeiros perigos do uso de drogas.
O simples fato de falar de drogas como se todas fossem iguais, como se a maconha acarretasse os mesmos riscos que a cocaína, por exemplo, é outra mentira corrente na mídia, que ao longo dos anos fortaleceu essa noção equivocada no imaginário da população: a da existência de um inimigo abstrato chamado DROGA.
O vídeo é uma armação barata. Será que alguém é idiota a ponto de produzir provas contra si mesmo se deixando gravar num vídeo e correr o risco de ser preso por dois anos, segundo a matéria? O garoto foi preso? Não deveria ter sido preso imediatamente depois que o vídeo foi divulgado? E os amigos que aparecem no parque consumindo com ele, se deixaram ser filmados assim numa boa? Queriam se exibir para seus pais e professores? Queriam que todos vissem que estavam cometendo um crime?
Todo mundo sabe que a garotada que fuma maconha busca esconder isso dos pais, dos professores e de todo mundo. Quem fuma maconha em geral só revela isso para outro fumante. Nem para seu médico ele informa, com medo de ser discriminado, com medo do preconceito, um dos males de essa planta ser proibida.
É desanimador que peças de propaganda contra a maconha iguais às do começo do século passado continuem a ser produzidas e exibidas em pleno século XXI. Só faltou o adolescente matar os pais e ir ao cinema, ou dizer que maconha desenvolve peitos em homens, como faziam as peças publicitárias antimaconha daquela época. O vídeo é mal feito, a continuidade é desastrosa. O garoto de repente compra uma moto trabalhando como jardineiro. Se ele vivia “chapado” e não fazia nada, como conseguiu comprar uma moto? Ele não gastava todo seu dinheiro em maconha, como afirma o vídeo?
Qualquer pessoa que conheça um pouco os efeitos das drogas sabe que para ficar descontrolado daquele jeito só tendo algum problema mental ou usando outras drogas mais fortes, como o álcool. A mãe do menino diz para ele numa cena que ele sempre volta pra casa bêbado e sob efeito de maconha. Mas se ele bebia, não importa, o que interessa é demonizar a “droga”.
E seu comportamento agressivo, desenvolvido em apenas seis meses, pois antes era um atleta e estudante exemplar? “A maconha me relaxa”, relata o menino ao psicólogo que os pais chamaram para intervir. É uma mentira deslavada dizer que a maconha é responsável por comportamentos agressivos e por uma transformação dessa.
E as cenas de consumo explícito de maconha? Os closes do garoto fumando? Que pais exporiam seus filhos assim, e que adolescente se sujeitaria a ser gravado daquele jeito? Com pais como esses, não é à toa que o adolescente estivesse descompensado.
A votação em que os telespectadores escolheram “internação” foi surreal. O debate que se seguiu ao vídeo também. Será que os profissionais que opinaram não perceberam o engodo? A coisa toda seria um grave acinte à inteligência do telespectador, se este tivesse informação honesta sobre as drogas. E com certeza a grande maioria das pessoas bem informadas não percebeu a calculada propaganda antimaconha do vídeo exibido. O folclore da “erva diabólica” já está bem arraigado em suas cabeças.
Produtores do Fantástico, por favor, não exibam a continuação dessa porcaria prevista para o próximo programa.
Luiz Paulo Guanabara
Psicotropicus – Centro de Políticas de Drogas
Fonte: Psicotropicus