Quem alimenta o tráfico é você!
Quando a conversa começa assim prepare-se. Do outro lado está alguém que não entende nada do nosso ponto de vista, nesse caso o do maconheiro, e tem uma mente dualista onde apenas depois de encontrar um culpado, atingirá paz em seus questionamentos. E como é complicado discutir com pessoas assim. A lógica para elas é tão simples: se você não fumasse não, existiria o tráfico. Bom, se é assim, eu também tenho uma percepção a respeito deles. Afirmo categoricamente, que essa é a opinião dos desinformados, ingênuos ou mal-intencionados.
Mesmo assim, infelizmente, esse é o ponto de vista de uma parcela grande de nossa sociedade, que prefere apontar o dedo ao invés do processo mais difícil que é entender o problema. Essa é a típica opinião do leitor de manchete, sem profundidade e que, além de ser simplista, covarde e discriminatória, é acima de tudo muito conveniente. Afinal, eu não fumo, então obviamente, não faço nada de errado para alimentar esse sistema corrupto. Eu, como bebedor de cerveja, vinho, fumante, crente ou careta não tenho responsabilidade nenhuma com isso. A culpa é dos maconheiros, esses egoístas, que só querem ficar doidões enquanto a sociedade paga o preço. Entendeu a lógica? É o típico "eu lavo minhas mãos". Só que elas já estão bem sujas.
Sinceramente, a sociedade paga um preço ainda pequeno. Claro! Porque quem paga mais são as comunidades próximas ao tráfico, ou o próprio maconheiro que apanha da polícia e ainda é aterrorizado pelo traficante. Ou você acha que subir morro é como no Tropa de Elite? Onde maconheiro chega cumprimentando traficante e termina fumando maconha no alto do morro, com uns caras de metralhadora, dando risada e curtindo o visual? Essa imagem não corresponde com a realidade.
O usuário sobe o morro com medo, em um ambiente de forte ameaça de violência e intimidação. Podendo ainda ser pego, no meio do caminho por um policial, que nesses casos, provavelmente só quer achacar algum dinheiro ou mesmo um pouco de droga para uso próprio. Ai, depois disso, você vem me falar de pagar o preço. Eu estou pagando um valor altíssimo pela sua ignorância. Pela sua falta de informação e comodismo. E isso que não precisa mais nem levantar essa bunda do sofá para ler e se informar, basta querer.
Já escutei gente justificando que é a lei de mercado. Se não existisse oferta, não existiria tráfico. Certo. Podemos aplicar essa lógica em tudo então? Sim, porque se for assim eu até aceito parar de fumar. O que você acha?
Então aqui eu conclamo todos os bebedores de álcool a pararem de beber. Pois afinal de contas, eles são o exemplo para as gerações de malucos que enchem a cara e vão dirigir. Ou por que não falar dos maravilhosos comedores de carne? Que por culpa deles acabam com a Amazônia através da pecuária extensiva? Ou vamos cobrir as mulheres bonitas! Afinal de contas tem uns malucos que não se controlam e acabam abandonando a família, por um rabo de saia.
Não, pensando bem, mulher bonita deixa como está.
Sem ironias agora, numa boa. É obvio que se eu continuar, você vai ver que todo mundo, de alguma forma, tem o rabo preso. Então vamos ser realistas. O buraco é bem mais embaixo do que falar que eu tenho que parar de fumar meu baseado.
Outro dia um cara me falou que eu não poderia comparar maconha com vinho, uísque ou cerveja porque existia uma tradição, uma história de uso dessas substâncias. Para ele, não tinha a mesma alma e nem qualidade desses produtos.
Não respondi nada. Deixei assim. Deu preguiça de engajar-me numa argumentação com ele. Afinal, o cara é um coitado. A maconha só é de baixa qualidade porque é ilegal. A cultura que existe na cannabis é tão ou mais rica do que a do vinho. Basta observar que vinho só produz safra de boas qualidades em determinadas regiões, enquanto a maconha é totalmente democrática e cresce em qualquer parte do planeta. É possível, inclusive, plantar maconha de qualidade no pólo norte. Graças a adaptabilidade que permite colher facilmente “indoor” sob luzes artificiais.
Isso que eu nem vou entrar na quantidade de fenótipos, sabores e formas de consumo.
Só para ficar no haxixe, que tem uma gama infinita de qualidades e procedências, iniciando nos “culeros”, passando por afegãos, os incríveis indianos de resina fresca “charas” e terminando nos modernos “ice hash”. Formas bem diferentes de extrair a resina da planta e que mudam completamente o produto. E aqui só falei de haxixe. Porque quando o assunto é plantas a coisa fica ainda mais interessante. Variedades que se misturam, fenótipos que se complementam e adaptam as mais variadas características de nosso planeta, do Himalaia as regiões Equatoriais e Tropicais. Cada uma delas com suas qualidades únicas de sabor, chapadeira e odor.
Do ponto de vista político, hoje, fumar um baseado já se tornou um ato de desagravo a lei vigente, que não passa de um controle social a uma minoria: os usuários. Essa minoria se personifica nos negros, favelados, estudantes de filosofia da USP, surfistas, hippies ou contestadores em geral. É apenas mais uma desculpa para que essa elite cristã branca, extremamente reacionária, possa interferir na sua dignidade, liberdade de expressar-se e governar o próprio corpo.
Eu vou ainda mais longe e afirmo sem medo:
Fumar maconha é um ato de desobediência civil.
A lei está errada e tem que mudar. A sociedade não quer saber de escutar a opinião de uma minoria. Prefere tapar os ouvidos a ciência, fechar a boca para a verdade e fingir que não tem nada com isso. É a ditadura da maioria e não democracia! Afinal, quem alimenta o tráfico são os maconheiros.
O gesto de fumar um baseado, deve ser interpretado, seja a erva vinda de onde for, como um ato de desobediência civil e deve ser enaltecido. O cultivo de maconha para uso pessoal, é um degrau ainda acima do anterior. É um exemplo de ativismo e coragem, pois o cara coloca a sua liberdade em risco para aliviar a barra do proibicionista desinformado.
Está na hora de a sociedade mudar na marra e, se ela não quer enxergar o óbvio, vamos invadir as praças, praias, cachoeiras e pôr-do-sol desse país com nossa marofa. Vamos infestar o ar com a fumaça de nossos baseados. Talvez assim a maioria olhe para nós e entenda que o fato de eu fumar maconha só tem ligação com o crime organizado porque existe uma lei medieval, infundada e ridícula que obriga-nos a viver na ilegalidade.
Por todos esses motivos, como maconheiro e conhecedor do assunto, posso inverter a acusação e dizer: a culpa do tráfico é sua. Você que apóia essa política fracassada, seu careta!
Diários do Cannabista: http://tmblr.co/ZUWqdwD0lrRj