Reflexões sobre a correlação entre a razão e a emoção
Eu e o mundo.
Comecei a fumar a alguns anos atrás, mas sempre moderadamente, poucas vezes por ano. Mas aos poucos fui percebendo que a erva me fazia enxergar no mundo pistas sobre algo dentro de mim que eu não tinha certeza oque era. Seja numa conversa qualquer com um amigo, seja ouvindo uma música, etc., cada vez, eu que eu descobria algo de novo no mundo, eu reaprendia sobre a forma que eu chegava as percepções.
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Após algum tempo e inúmeras associações entre essas pistas, cheguei à conclusão que em algum ponto da minha vida eu tinha desistido de pensar e fazer analise das coisas; a principio, quando eu saia da brisa, tinha dificuldade de aceitar isso, e achava que era apenas uma conseqüência de ter fumado muito e ter "saído" um pouco da realidade.
Voltando um pouco no tempo, vou contar um pouco sobre a minha infância para vocês. Eu sempre fui um garoto extremamente “curioso”, “atencioso” e “lógico”, então, minha percepção sempre trabalhava mil, quase tudo me atraia a atenção, e eu gastava muito tempo analisando as coisas, organizando a memória e adquirindo informações sobre tudo e todos.
Após os cinco anos eu conversava constantemente com adultos, sobre os mais diversos assuntos do mundo, da vida, das pessoas. Eu queria era aprender o máximo possível sobre tudo, então aconteceu um divisor de águas na minha vida, descobri como controlar o inconsciente.
Logo, não precisava mais guardar infinitas quantidades de informação no consciente, pois o inconsciente era a excelência da minha memória, lá estavam tudo que eu tinha vivido, e tudo que tinha que fazer era me desligar do mundo exterior para conseguir acessar todo esse acervo de informações.
Subitamente vi aberto um infinito de possibilidades e conforme eu ia crescendo, eu melhorava nesse mergulho no inconsciente e conseguir fazer várias e várias coisas que ninguém do meu circulo social fazia.
Com nove anos tinha traçado o perfil de todas as pessoas mais próximas, e a grande maioria dos estereótipos do mundo, sabia exatamente oque elas queriam, seus desejos mais aparentes, suas nuances de personalidade, principalmente detalhes comportamentais que elas faziam involuntariamente;
Nessa fase eu já tinha percebido que podia conseguir oque quisesse dessas pessoas mais próximas, e criar vários tipos de situações entre as outras pessoas desconhecidas só sugestionando elas.
Tinha extrema facilidade para aprender qualquer coisa, absorvia quase que totalmente qualquer experiência.
Isso tudo pra mim era muito positivo, porque eu tinha exatamente oque precisava, o conhecimento, então aos 11 anos, o conhecimento se tornou nulo. Pois de que adiantava eu conhecer se não podia repassar? As pessoas tinham desistido de aprender, sejam as crianças, que estavam preocupadas em apenas brincar e satisfazer seus prazeres sensoriais ou os adultos, que estavam preocupados somente com seus trabalhos, o futebol na TV, a cerveja no bar.
Eu culpava quase que totalmente as pessoas por terem desistido de estudar a sua existência, mas sempre me sobrava um pouco de culpa por querer tanto me conhecer e conhecer o mundo ao meu redor. E com o tempo correndo e a insatisfação aumentando, a dinâmica se inverteu e eu me sentia extremamente triste por ter o “desprazer” de enxergar a realidade dessa forma.
Por mais que eu soubesse que existiam pessoas interessantes no mundo, eu raramente me encontrava com esse tipo de gente. Todos eram normais.
Nessa época de culpa passei a lidar também com a crueldade humana de outra forma, pois se antes eu montava planos para conseguir oque queria, para chegar aos meus objetivos, nessa pré-adolescência eu já estava tão anestesiado pela falta de crença na capacidade humana que não me importava mais defender as coisas que eu gostava, então pouco a pouco eu fui perdendo meus pontos de vista, pois eles simplesmente não serviam naquele contexto social.
Então uma ferramenta muito comum na vida se tornou meu melhor amigo, o piloto automático.
Eu passei a viver no piloto automático, não indagava mais sobre nada, aprendia apenas o necessário, e me dediquei a ouvir as pessoas que eu considerava desinteressantes.
Logo tinha me tornado um robô, eu era idêntico a maioria massiva dos garotos da minha idade, apenas um pouco mais apático, pois eu não elaborava mais meus pontos de vista. Apenas fazia à média. Tinha me tornado um deles, participava de rodas de amigos, conseguia rir de pessoas sofrendo, não indagava mais sobre política. Mexia com mulheres na rua, às tratava como um pedaço de carne. Aos poucos fui me esquecendo de todas as conclusões e classificações sobre tudo e todos. Foi o acordo.
Eu viveria uma vida normal caso abandonasse minhas faculdades mentais. Minha percepção do mundo, minha memória, meu senso de decisão. Eu quis o normal e tive o normal.
Tive algumas namoradas, tive muitos colegas, assistia futebol, saia a noite. O pensar já não fazia mais parte da minha vida à algum tempo.
Por mais que algumas aptidões não tivessem morrido completamente, como a facilidade para aprender as coisas, eu não possuía uma fração das capacidades que outrora tive.
Minha consciência queria escapar da gaiola que eu à tinha colocado, então eu comecei a pensar sempre em duas coisas ao mesmo tempo involuntariamente. Basicamente eu não conseguia controlar mais o pensamento único, pois não era mais apenas uma linha de raciocínio, o consciente e o inconsciente dividiram-se e eu era constantemente atormentado pela vontade de libertar meu raciocínio.
O normal não foi suficiente.
Eu consegui por muito tempo me manter nesse piloto-automático, talvez nunca tivesse dela se não fosse os mergulhos dentro da minha alma ocasionados pela erva e pelas pessoas que apareceram na minha vida.
Hoje estou reaprendendo a modelar os pensamentos, organizá-los, mas já consigo passar basicamente o dia todo completamente consciente da minha existência.
Mas garanto que foi a coisa mais construtiva que eu poderia ter feito, apesar de ter sido arriscado. Pois agora eu conheço ambos os lados da moeda. E posso analisar melhor do que antigamente.
Toda experiência é positiva se for regida pela razão.
As pessoas tendem a desistir de pensar com o tempo, pois faz parte da natureza humana tentar encontrar o caminho mais rápido para a felicidade, que obviamente são os sentidos. Claro, ver o mar é bonito, suas cores, seus movimentos. Ouvir o som do vento é maravilhoso. Sentir o aroma de um perfume e todas suas nuances é inexplicavelmente delicioso, como também é sentir o gosto salgado da água do mar na língua ou o doce do mel. O toque humano é facilmente o maior prazer desta realidade. Sentir o calor do corpo de outra pessoa, o toque suave da mão materna, talvez por essa facilidade de sentir todos esses prazeres, deixamo-nos vencer pela vontade de vivermos inteiramente neles. Enganamos-nos que isso é suficiente, esquecemos do principal, é o cérebro que interpreta todas essas coisas, portanto se não fizermos o bom uso dele e não soubermos eficientemente controlá-lo, logo perderão sua intensidade, pois elas só significam algo, porque nos deixam a sua marca. A regra básica que rege essa dimensão é “o tempo tende a dividir qualquer coisa”, seja uma montanha que um dia a erosão destruirá um papel que queimará devido à combustão ou se separará através do contato com a água.
No nosso cérebro a regra funciona exatamente da mesma forma, tudo que olhamos pela segunda vez, será inferior à primeira. Pois se dividirá, na primeira você foi impactado pelas impressões imediatas sobre o interesse em questão. Na segunda você já terá essas impressões como ponto de partida sobre o mesmo, e assim sucessivamente.
Só que quando isso se dá de modo inconsciente, ou seja, no piloto automático, após alguns milhares de observações, ouvidas de musicas, cheiros de perfumes, eles não tem os mesmos efeitos nas nossas vidas e então perdemos interesse pelas coisas, pois nosso cérebro passa a não achar interessante o objeto em questão.
Por isso o mundo dos sentidos não regido pela razão é perigoso. Por isso a humanidade está desacreditada da forma que está. As pessoas subsistem porque em algum momento da vida desistem de tentar formar o quebra-cabeça do mundo e se contentam em apenas satisfazer os seus sentidos. Achando que a vida pode ser completa assim. E isso se torna vicio.
Como no meu caso, logo desistem de pensar como um todo. Apenas cumprem tarefas e se entretêm.
A percepção do mundo é o maior dom que temos e eu não consigo me contentar com possibilidade de enxergar a beleza de uma peça, quando existe a possibilidade de conseguir ver o quebra-cabeça como um todo, ou pelo menos juntar a maior quantidade possível de peças e enxergá-las eficazmente.
E isso não me impede de ver, ouvir, cheirar, ouvir ou tocar uma peça em separado e me sentir maravilhado com isso; só me faz perceber que usando a minha própria razão para controlar essas percepções singulares eu garanto que elas não se percam no comum e que elas quando se juntam as outras se tornam muito mais fascinantes.
A real felicidade e satisfação do homem só vêm quando casamos as duas singularidades da nossa vida, a razão e os sentidos. Eles têm que andar lado a lado para o progresso da humanidade, e quanto mais às pessoas perceberem isso, mas perto estaremos do próximo estágio da evolução.
Viveríamos como um todo e não como indivíduos, as pessoas buscariam o progresso da espécie e do meio em que vivemos e então satisfação solitária dos sentidos não existiria mais. Seriamos completos.
De todos os animais, fomos os primeiros a conseguir organizar os lampejos de pensamento, então eles não são, mas apenas respostas dos órgãos ao mundo; Somos privilegiados por poder fazer algo tão poderoso pela primeira vez desde a formação do espaço-tempo;
Ingenuidade pensar que somos únicos e perfeitos. Dessa forma apenas nos iludimos de que não precisamos melhorar. Temos sim objetivos, que são bem claros para todos, mas nos recusamos a olhá-los porque é trabalhoso. Deviam existir escolas onde se ensina a pensar e ter como objetivo o progresso da espécie. Na antiga Praça de Atenas à 2000 anos atrás existia um tabernaculo e as inscrições em sua porta diziam “Conheça a ti mesmo”, verdade mais certa não existe, pena que para o capitalismo não é conveniente as pessoas pensarem.
Mas não perco à esperança nunca, pois posso não saber onde iremos chegar, mas sei que o caminho para a evolução é o estudo da nossa consciência.