O verdadeiro problema da maconha
publicado em 14/01/2014 | RAFAEL VITOLA BRODBECK
Não se proíbe, jurídica e moralmente, o consumo e a venda da maconha por mera questão de saúde. Se assim fosse, batatas fritas e tabaco também seriam impedidos, e todos os cidadãos compulsoriamente matriculados em academias de ginástica, em uma intervenção atroz do Estado na liberdade individual. É descabido que a tutela sobre a saúde física acabe destruindo a saúde da alma, que se expressa também pela sua livre vontade.
Aqui não postulamos que sejam proibidas pesquisas quanto à utilização terapêutica do referido entorpecente, uma vez que, em si, nada o diferencia, droga que é, de outras comercializadas em farmácias. Mas a maconha é proibida por lei e assim deve continuar porque seu uso recreativo afeta a mesma liberdade que defendemos.
Há de se distinguir entre o álcool, o tabaco, os medicamentos e as drogas no sentido popular. Essa diferenciação é adotada pela lei e guarda nítida influência da moral, presente em nossa sociedade por força da cultura cristã. É nela e na própria natureza das coisas que encontramos o caráter proibitivo aos entorpecentes, ao passo em que se autoriza o consumo de álcool e de tabaco e a ingestão de medicamentos.Não são a dependência, o vício psicológico, a saúde individual, os vetores para a ação estatal. Já o uso da maconha e da cocaína, bem ao contrário das bebidas alcoólicas, do cigarro, do charuto, além de serem maléficos à saúde (como o cigarro e também o exagero na batata frita), levam a uma alteração comportamental relevante, e, nisso, são alvo de proibição legal.
É unânime que, no campo moral, haja diferença entre o consumo moderado de tabaco e de álcool, seu consumo excessivo, o uso de drogas, e o de medicamentos. O uso recreativo de drogas, no sentido popular, é proibido não pela lesividade individual, dado que, indubitavelmente, a nicotina (por exemplo) faz mal à saúde. A razão é a lesividade social. O usuário de maconha, com sua conduta, afeta toda a sociedade, diferentemente do uso moderado do álcool ou do consumo de cigarro.
Não se alegue, enfim, que o consumo abusivo de álcool combinado com outros comportamentos também tem lesividade social, pois, concordando com a premissa, o legislador já previu, no Código de Trânsito, por exemplo, um tipo penal para quem dirigir veículo automotor embriagado. O cigarro não traz nenhuma lesividade social. E mesmo o álcool, fora de determinadas situações, também não. Quando condutas associadas ao consumo de bebidas alcoólicas são criminalizadas, como dirigir um carro, não é a saúde de quem bebe que move o legislador a proibi-la. Ao Estado não cabe tornar crimes meras opções individuais. O crime é assim considerado porque representa um dano ou um perigo de dano à sociedade, aos demais, não a si mesmo. Do contrário, seria crime a tentativa de suicídio.
Descriminalizar o uso recreativo da maconha seria desconhecer a mudança mental que ela opera, bem como pouco caso dar à inexistência de mecanismos de controle social que existem em relação a tal comportamento.
Rafael Vitola Brodbeck, delegado de polícia no Rio Grande do Sul, é autor de Lei de Drogas Anotada.
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