Indústria de margarina
Sentei num café da cidade de Oakland com a minha entrevistada, a Dale Sky Jones. Dale é uma moça doce, de olhos azuis, com jeito de princesa de desenho da Disney. O tipo de nora que qualquer sogra do mundo adoraria ter. Ela trazia no colo um menino angelical, o Jackson, de quatro meses de idade, olhos azuis e uma penugenzinha loira na cabeça. Sob a luz dourada da primavera californiana, a mãe e o filhinho na janela do café pareciam uma propaganda de margarina.
Mas não é na indústria de margarina que aquela moça bonita trabalha. É na indústria de maconha. O café onde conversamos, o Bulldog, vende café na frente, mas nos fundos abriga fumadores de maconha. Se Dale morasse no Brasil, o trabalho que ela faz seria chamado de “tráfico de drogas” e daria cadeia.
Dale é gerente executiva da Universidade Oaksterdam, um prédio grande no centro de Oakland que se propõe a ser a primeira escola de nível superior dos Estados Unidos dedicada exclusivamente à indústria da maconha medicinal, que está bombando na Califórnia enquanto o resto da economia afunda. Ela é também, cada dia mais, uma espécie de porta-voz da indústria, participando com destaque da campanha de legalização. Com seu rosto de anjo, ela é adorada inclusive pelos conservadores. A Fox News sempre a entrevista.
Dale veio de um passado corporativo, gerenciando a comunicação de uma grande empresa alimentícia. Era uma executiva linha-dura, exigente, respeitadora das regras e durona com os indisciplinados. Mas fez uma reviravolta na carreira quando foi cuidar da comunicação de um consultório médico que receitava maconha para pacientes. A mãe dela ficou preocupadíssima, o pai nem ficou sabendo. Mas Dale sentia que precisa dar esse salto.
Dale sofre de uma síndrome que causa vômitos. Não é uma doença mortal, seríssima, mas é chata. A medicina tradicional tem tratamento para ela: uma pílula cara que muitas vezes não funciona porque é expelida do corpo. Muitas vezes Dale tinha que se internar num hospital e ficar cheia de tubos pendurados, tomando soro. Dale preferia tratar os vômitos enrolando um baseadinho e fumando um pouquinho. Funcionava que era uma beleza. Ela achava mais prazeroso, menos agressivo, mais confortável, mais barato.
Dale me contou que a indústria da maconha medicinal aqui em Oakland está indo de vento em popa. A cidade está atraindo alguns dos melhores horticultores do mundo, cansados de viver na ilegalidade em seus países. Há uma infinidade de novas empresas surgindo: produtoras, distribuidoras, centros de tratamento médico, um laboratório de análise de segurança que detecta fungos e agrotóxicos. A indústria lembra um pouco a do vinho, pela alta rentabilidade e pelo forte incentivo para buscar qualidade.
Oakland, a única cidade na baía de San Francisco que tem população majoritariamente negra, costumava ser a cidade mais complicada e violenta da região. Foi por anos a recordista nacional de homicídios. Era território de traficantes e policiais.
Melhorou. Os dispensários de maconha, num esforço de relações públicas, deram dinheiro para a polícia e ajudaram a melhorar a iluminação pública. Tem mais gente na rua. Oakland, quem diria, está atraindo até turistas: fãs de Bob Marley em busca de souvenirs de Oaksterdam (mistura de Oakland com Amsterdam). A economia local vai bem, mesmo enquanto o país mergulha nas profundezas da crise. As salas de aula da universidade de Dale estão abarrotadas de gente, apesar de os cursos, com aulas semanais ao longo de um semestre, custarem 700 dólares. Entre os comerciantes da região, os mais felizes parecem ser os donos de restaurantes.
Alguns dos pacientes têm doenças sérias, letais. Outros têm ansiedade (quem é que não tem ansiedade nos dias de hoje?). Tirar a carteirinha é fácil, acessível a qualquer um, custa 70 dólares e fica pronta na hora. O que está acontecendo aqui é um experimento importante neste momento da história da humanidade: o momento em que a classe dirigente do mundo está finalmente se dando conta de que precisamos de um novo modelo para combater o mal que as drogas fazem. O modelo atual faz mais mal do que as drogas. Dale se emociona enquanto fala disso. Aí ela olha no olho azul de Jackson, e suspira, com o coração de executiva durona amolecido pelos hormônios da maternidade:
– É por ele que eu estou fazendo isso.
O nó na garganta me deixou sem conseguir fazer outra pergunta por alguns segundos.
Por Denis Russo Burgierman
fonte Blog da Veja