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Como (e por que) seu cérebro produz seus próprios canabinoides
Como você já sabe, diferentemente do que diz respeito a água, a batata e muitas dasdrogas farmacêuticas mais vendidas, é impossível ter uma overdose fatal de maconha.
O que você talvez não saiba é que esse atributo marcante da erva vem do fato que o corpo humano produz seus próprios canabinoides "endógenos" (químicos únicos da planta cannabis).
Esses canabinoidezinhos – sejam produzidos no cérebro ou inalados em um beck – entram numa série de receptores específicos ao longo do corpo humano. A maior concentração deles está no hipocampo (que regula a memória), córtex cerebral (cognição), cerebelo (coordenação motora), núcleos de base (movimento), hipotálamo (apetite) e amídala (emoções).
Os receptores de canabinoides são similares aos encontrados "em todas as espécies de animais, até na esponja", disse o Dr. Donald Abrams, chefe de hematologia/oncologia do San Francisco General Hospital e um dos principais pesquisadores médicos da maconha, a Krishna Andavelu da VICE, no primeiro episódio da nossa série Weediquette, em exibição no nosso novo canal de TV VICELAND. (O episódio explora os benefícios terapêuticos em potencial do THC para crianças com doenças sérias. Com os efeitos colaterais das outras drogas prescritas para crianças com câncer em mente, a decisão dos pais de administrar grandes doses de cannabis para seus filhos doentes parece a melhor escolha.)
Identificado no final dos anos 80, o chamado sistema endocanabinoide consiste dos receptores CB1, localizados no sistema nervoso, em tecidos conectivos, gônadas, glândulas e órgãos; e receptores CB2, encontrados principalmente no sistema imunológico e presentes também no baço, fígado, coração, rins, ossos, vasos sanguíneos, células linfáticas e órgãos reprodutores.Esses receptores podem ser estimulados por componentes chamados endocanabinoides, produzidos naturalmente pelo corpo, como a anandamida (ananda em sânscrito quer dizer alegria), ao ingerir fitocanabinoides de plantas como o tetraidrocanabinol (THC), o composto mais conhecido e psicoativo da cannabis, ou ao ingerir canabinoides sintéticos feitos em laboratório.
Depois de se encaixarem nos receptores como uma chave numa fechadura, esses canabinoides endo, fito ou sintéticos produzem uma vasta gama de efeitos fisiológicos. Eles afetam desde pressão do sangue até resposta à dor, memória, apetite e "consciência".
"O sistema canabinoide endógeno, batizado com o nome da planta que levou à sua descoberta, é talvez o sistema fisiológico mais importante envolvido em estabelecer e manter a saúde humana", disse o Dr. Dustin Sulak, o médico que cunhou a expressãomedicina canabinopática durante uma palestra em 2010. "Em cada tecido, o sistema endocanabinoide realiza uma tarefa diferente", ele disse. "Mas o objetivo é sempre o mesmo, a homeostase: manter o ambiente interno estável apesar das flutuações do ambiente externo."
Pense no sistema endocanabinoide como o sistema de operação "de raiz" do seu corpo – uma unidade de processamento central que regula e altera o funcionamento de muitos outros sistemas importantes e os mantêm equilibrados.
Martin Lee, autor deSmoke Signals: A Social History of Marijuana, aponta em seu livro que os receptores de canabinoides são mais abundantes no cérebro que qualquer outro tipo de receptor de neurotransmissores. "Funcionam como detectores sutis, pequenos escâneres de vibração que visam pegar pistas bioquímicas que fluem pelos líquidos cercando cada célula... Quando ativados pelo THC ou seus primos endógenos, esses receptores desencadeiam uma catarata de mudanças bioquímicas num nível celular, o que coloca um freio em atividade fisiológica excessiva. Os endocanabinoides são os únicos neurotransmissores envolvidos nessa 'sinalização retrógrada', uma forma de comunicação intracelular que inibe a resposta imune, reduzindo inflamação, relaxando a musculatura, baixando a pressão sanguínea, dilatando as passagens bronquiais e normalizando nervos superestimulados. Sinalização retrógrada serve como um mecanismo inibidor de feedback, que diz aos outros neurotransmissores para 'se acalmarem' quando eles estão disparando muito rápido", escreveu.
A descoberta do sistema deu o pontapé inicial a um mar de descobertas na ciência médica e do entendimento das funções neurológicas. Num estudo de 2006, publicado pela Pharmacological Review, o pesquisador Pal Pacher, M.D. e Ph.D. do National Institute of Health, explicou o salto cognitivo. "Desde a década passada, o sistema endocanabinoide vem sendo implicado num número crescente de funções fisiológicas, tantos nos sistemas central como periférico e órgãos periféricos", escreveu."Modular a atividade do sistema endocanabinoide acabou se mostrando uma promessa terapêutica para várias doenças e condições patológicas diferentes, variando de transtornos de humor e ansiedade, transtornos motores como Parkinson e Huntington, dor neuropática, vários danos de esclerose múltipla e danos à espinha, câncer, arteriosclerose, infarto do miocárdio, derrame, hipertensão, glaucoma, síndrome de obesidade/metabólica e osteoporose, só para dizer algumas."
Mas o que acontece quando você interrompe propositalmente a habilidade do corpo de estimular o sistema endocanabinoide?
As coisas podem dar muito errado, como foi descoberto depois que a indústria farmacêutica testou o Rimonabant, uma droga contra a obesidade que visava criar uma "larica reversa", evitando que os canabinoide (endo e fito) se unissem aos receptores CB2 e CB2. Os pacientes envolvidos num estudo de 33 meses com o Rimonabant relataram apetite geral mais baixo quando estavam tomando a droga, mas também demonstraram um aumento tão pronunciado no risco de suicídio que o estudo foi abandonado depois de menos de um ano – e quatro suicídios.
"Pacientes tomando Rimonabant relataram muita depressão e pensamentos sérios de suicídio", divulgou o Psychology Today. "Era como se os pacientes tivessem perdido a capacidade de experimentar prazer... [O que] mostrou aos neurocientistas que nosso sistema endocanabinoide está normalmente envolvido, diretamente ou indiretamente, no controle do nosso humor e permite a experiência do prazer; antagonizar as ações desse químico no cérebro leva a depressão e consequências possivelmente perigosas."