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Juniaum

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  1. Mãe planta cannabis para produzir extrato medicinal para a filha

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    RIO — É um apartamento de família de classe média na Zona Sul do Rio. Há um tapete de borracha colorido na sala, cheio de brinquedos. Na mesa ao lado, a filha mais nova, de 6 anos, está terminando de almoçar com a avó, que vai levá-la para a escola. O som da cozinha diz que alguém está lavando louça. Na varanda, mesas, cadeiras, armários com quinquilharias e bonecas espalhadas, além de três vasos com mudas de plantas no canto, tomando sol. São exemplares de Cannabis sativa, uma espécie proscrita pela lei e demonizada por muitos. Mas, se alguém perguntar, a dona da casa responde logo: “é o remédio da minha filha”.

    A filha mais velha tem 7 anos. No dia da visita do GLOBO à casa da família, ela apareceu no colo da mãe, de calça legging, saia de filó e sorriso no rosto. A criança é portadora da síndrome CDKL5, distúrbio genético raro que causa limitações e crises de epilepsia. Desde 2013, ela recebe medicamentos à base de substâncias encontradas na maconha, como o canabidiol (CBD), que reduziram muito a frequência das convulsões. Como não há produção no Brasil, os remédios são importados. Mas devido à burocracia e ao preço elevado, muitos pacientes não conseguem acesso a essas drogas ou têm o tratamento, por vezes, interrompido. Para evitar esse drama, pais e mães estão cultivando a planta para extrair o óleo de forma caseira.

    Maneiras de tornar mais acessível a maconha medicinal serão discutidas durante uma palestra, hoje, na Universidade Cândido Mendes, no Centro, e em uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Os eventos ocorrem na véspera da Marcha da Maconha, amanhã, na orla de Ipanema.

    — Quando minha filha fica sem o medicamento importado, eu e outras mães recorremos a um grupo secreto de cultivadores que produzem o extrato para famílias que não têm acesso ao remédio. Mas acho injusto eles correrem sozinhos o risco para ajudar minha filha enquanto eu me beneficio desse trabalho — afirma a mãe da menina, que, por motivos legais, pediu para não ser identificada nesta reportagem.

    O “risco” ao qual ela se refere é o de processo criminal. Segundo a Lei de Drogas (11.3433/2006), é crime cultivar ou colher “plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica”. Por conta disso, o advogado Emílio Figueiredo, que representa a família, vai entrar na Justiça com um pedido de liminar para garantir o direito ao cultivo. Ele argumenta que as mudas no apartamento não são destinadas a produzir uma droga recreativa, mas, sim, para gerar um extrato sem efeito psicoativo que reduz em muito a frequência de convulsões da menina. O advogado diz, na petição, que o direito à vida e à saúde está acima de tudo.

    MOTIVADOS PELOS ARES CHILENOS

    A família não está sozinha. No Rio, está sendo organizado um grupo de mães e pais para aprender a produzir o extrato com os cultivadores que já fazem isso há anos. E há outras pessoas em estados como São Paulo e Rio Grande do Sul trilhando o caminho. Para não depender da autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para importar um remédio caro, eles enfrentam impedimentos legais e críticas de entidades como o Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj), que condena a fabricação de medicamentos de forma caseira, sem aval do governo.

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    Na verdade, esse movimento aqui está sendo impulsionado pelas notícias do Chile, cujo governo legalizou o uso medicinal da Cannabis. Em janeiro, foi inaugurada naquele país a maior plantação legal de maconha da América Latina, com mais de seis mil mudas, destinada a aliviar o sofrimento de pacientes com epilepsia, câncer e outros males. A iniciativa é da Fundação Daya, criada há três anos com o objetivo de pesquisar e disseminar informações sobre as qualidades terapêuticas da planta e promover o uso de forma adequada, com apoio de médicos.

    A presidente da Fundação Daya, Ana Maria Gazmuri, e a também chilena Paulina Bobadilla, fundadora da organização Mama Cultiva, que reúne mães produtoras de óleo de cannabis, estão no Rio para os dois eventos. Às 9h30, elas participam da palestra “Mães que cultivam, o caso da Cannabis medicinal no Chile”, promovido pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec), na Cândido Mendes. No início da tarde, estarão na audiência pública na Alerj, que, coordenada pelo deputado estadual Carlos Minc, vai discutir as perspectivas de pesquisa e liberação da maconha medicinal no Brasil.

    — A motivação sempre foi ajudar os pacientes. Temos uma rede que presta auxílio a centenas de famílias — diz Ana Maria. — Vamos contar como foi esse processo no Chile para ajudar no avanço do tema no Brasil. É preciso usar informação para derrubar os preconceitos.

    Coordenadora do Cesec, a socióloga Julita Lemgruber esteve no Chile para conhecer o trabalho da Fundação Daya.

    — No Brasil, poucas famílias têm condições de importar os medicamentos. A maioria não tem acesso ou depende do mercado ilegal. O país tem que acordar para essa realidade — ressalta ela.

    PARCERIA COM ÓRGÃOS PÚBLICOS

    O objetivo dos envolvidos é regulamentar o processo. Fala-se em parceria com órgãos do governo para pesquisar as qualidades terapêuticas da maconha e produzir remédios em maior escala, de forma adequada. No ambiente caseiro, o controle de pureza e os padrões de dosagem podem ficar comprometidos. Este é um dos motivos que leva o Cremerj a se opor.

    — Todo medicamento tem que ser pesquisado e aprovado pela Anvisa. Usar produtos fabricados de forma caseira em uma pessoa é muito perigoso. Um médico só pode prescrever drogas devidamente autorizadas — critica o vice-presidente do Cremerj, Nelson Nahon.

    Já o presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Antônio Geraldo da Silva, é contra o uso de maconha para tratamento de saúde sob qualquer hipótese.

    — Maconha medicinal não existe. A droga ganhou imagem de benignidade sem fundamentação científica confiável. Seu uso pode interferir no desenvolvimento cerebral e levar a transtornos psicóticos depois de dois a sete anos, em média — afirma o psiquiatra.

    No entanto, países como Canadá e Chile e estados americanos a exemplo de Califórnia e Nova York já reconheceram oficialmente as propriedades medicinais da maconha. As decisões tomaram por base uma série de estudos. No Rio, o neuropediatra Eduardo Faveret, especialista em epilepsia, diz que muitos pacientes com dores crônicas ou epilepsia apresentaram melhora significativa graças a medicamentos à base de canabidiol (CBD) e/ou tetrahidrocanabinol (THC).

    — O canabidiol é um óleo fitocanabinoide de efeito colateral muito baixo, com qualidades analgésicas, ansiolíticas, anticonvulsivantes, antidepressivas e antipsicóticas. Também é um anti-inflamatório mais potente que os corticoides. Um grupo muito pequeno, de 2%, pode ter piora de quadro — relata o médico. — O CBD gerou resposta positiva em pacientes que não mostravam melhora com nenhum outro remédio. Um bebê que nunca tinha sorrido começou a fixar mais o olhar na mãe. Ainda precisamos de mais pesquisa, mas os resultados já são ótimos.

    http://oglobo.globo.com/sociedade/mae-planta-cannabis-para-produzir-extrato-medicinal-para-filha-19243279

     

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